28.12.06

o homem urso

desde que esteve em contato
com a notória entrevista
da cantora pop
só lhe ocupava a mente
a mesma idéia fixa
de não ser mais ele
e de não ser outra pessoa

por isso
Timothy Treadwell
foi ser urso
mas acabou sendo
somente
um documentário
de Werner Herzog

(no céu das não-pessoas
ele e Klaus Kinski
tomam scotch puro
e comem amendoins
dizem)

a cantora pop

máquina extraordinária


o jornal noticiou o lançamento do novo disco
de uma adorada cantora pop

o jornal revelou que, durante os seis anos em que esteve sumida,
ela não comprou nenhum sapato novo
nem ficou se espreguiçando por aí

“ainda tenho o costume de andar a pé, e a pé os caminhos são mais longos

vamos colocar minha ausência numa linha do tempo
e dividi-la em três fases

o recolhimento
eu me deitava e rolava no chão
chorando
e não recebia visitas

a calmaria
era a casa da praia
não muito longe daqui
eu não recebia visitas

a inspiração
eis que deus me devolveu as canções
e a única visita que recebi
que me quiseram fazer
nessa terceira fase
foi a dele”

cantora pop, você ainda acredita no suicídio?

“não, não mais”

e ainda não acredita em casamento?

“em casamentos passei a acreditar”

quando diz em sua canção
que foi estuprada aos nove anos
é a verdade?

“desde setembro de 84 que sonho
em encontrar uma pessoa
que não seja eu
e que não seja outra pessoa”
o jornal noticiou o retorno da cantora pop
com alguma ironia

“eu ainda choro e quase sempre é ao redor das dez da noite, e várias vezes me encontro andando pela praia quando estou na casa de praia, mas isso é o presente e eu não consigo dividir o presente em fases. vocês conseguem fazer isso? me parece muito complicado.”

o jornal noticiou
a pausa que a cantora pop fez
antes de continuar

“na canção eu digo que sou uma máquina extraordinária porque tudo que acontece eu consigo aproveitar, coisa boa, coisa má, tudo que me acontece eu uso. o meu terapeuta disse que essa é a melhor fase da minha vida, essa pela qual estou passando agora, mas o meu terapeuta, apesar de não ser eu, infelizmente é outra pessoa. prometi a ele que tudo ia ficar bem. mas as histórias precisam ser contadas ao contrário pra que os finais sejam felizes, e não se pode fazer isso por causa da linha do tempo. me parece muito complicado.”

estas últimas falas
o jornal não noticiou
por falta de espaço

(M. Dutra)

27.12.06

esclarecimento

eu não acredito em Natal.

nem em Reveillon.