21.1.11

um pouco de teatro no início de ano

  • Ligações Perigosas faz lembrar: que belíssimo, que saboroso romance epistolar escreveu Choderlos de Laclos (é uma pena a prodigiosa tradução de Sergio Milliet estar fora de catálogo, embora haja circulando uma de Carlos Drummond que eu desconheço) e com que adequação ele se presta à cena teatral na transposição de Christopher Hampton; o quanto o teatro é uma corda de tensão que precisa manter-se vibrante na inteligência, tempo e domínio dos atores; que domínio de cena possui Marat Descartes, de tal nível que chega a ser quase injusto; que baita atriz é Sabrina Greve.


  • Marcha Para Zenturo, uma peça estranha, é talvez a menos obviamente gostável das montagens que o Grupo XIX ou o Grupo Espanca! realizaram em suas trajetórias individuais. E, por isso mesmo, é cheia de camadas e estimulante da primeira a última cena - desde já um espetáculo marcante para quando e onde quer que se esteja.


  • Apesar de ser um 'clássico' gasto por décadas e décadas de produção dramatúrgica audiovisual voltada para os embates de tribunal, das leis de direito e da investigação criminal, Doze Homens E Uma Sentença é um ponto alto da carreira recente (leia-se de pelo menos os últimos dez anos) do diretor Eduardo Tolentino. Discrição, elegância, equilíbrio, plena visão de conjunto (inclusive e especialmente na concepção/ uso do cenário e luz) e a condução de doze atores quase todos eles no melhor de seu jogo. Norival Rizzo faz valer sua alcunha de grande homem de teatro, Brian Penido simplesmente não erra, José Renato é um sopro de frescor em plena maturidade e Oswaldo Mendes nos faz pensar por que ele não está fazendo mais e maiores papéis por aí.


  • Se Lee Thalor estivesse fazendo em Lamartine Babo o que faz Marcos de Andrade, seria chamado de 'gênio'. De Marcos, fala-se pouco. Mas é mister dizer que se trata de um trabalho simplesmente assombroso. Para brindá-lo, João e Rita:


3.1.11

diários de NY, parte 4: desligando a escuridão

em breves notas:

Chaos and Classicism, em cartaz no Guggenheim, é louvada não à toa como uma das grandes exposições do ano (de 2010). Apresenta um olhar curatorial revelador que recorta obras de peso, traçando panorama de uma época de não pouca importância para a Arte e para a História (o período entre guerras na Espanha, França e Alemana). No retorno à inspiração Classicista trazida pelas enormes convulsões do período, a pintura revela facetas surpreendentes de determinados artistas. Em Woman In White e The Source, Picasso é um pouco Renoir. The Fishermen of Santo Spirito é Ubaldo Oppi conversando com o Visconti de A Terra Treme. Nas fotos de Isadora Duncan at the Portal of the Parthenon, Steichen é um pintor Renascentista, assim como Carlo Carrá em The Daughters of Lot e De Chirico em The Eventuality of Destiny (Monumental Figures). Os ideais da purificação racial saltam direto da sala de estar de Hitler para o museu com The Four Elements, de Adolf Ziegler, enquanto a evocação de um nazi-fascismo belo e agressivo surge em Youths at the Seashore, de Franco Gentilini, e Water Sports, de Albert Janesch. A cor e a beleza não falham nos maravilhosos Harlequin and Pierrot, de Andre Derain, e The Street, de Balthus.

E se é para falar em beleza, no pequeno anexo destinado a exibir diminuta seleção do acervo permanente, é possível se perder para sempre nas cores, formas e nas ideias de Paris Par la Fenêtre, de Marc Chagall, e Blue Moutain, de Kandinsky (cujas telas ocupavam toda a rotunda do museu no ano passado, em uma retrospectiva só sua).

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Abstract Expressionism New York é um olhar do MoMA sobre o mais norte-americano (e quiçá nova-yorquino) dos movimentos artísticos do século XX. Mas, de todo modo, não parece acrescentar muito àquilo que o museu já expõe habitualmente em sua fantástica coleção permanente.

Adolph Gottlieb, respondendo à pergunta "o que essas imagens significam?":
- Visual images do not have to conform to either verbal thinking or optical facts. A better question would be: do these images convey any emotional truth?

Pollock, em 1951:
- It seems to me that the modern painter cannot express this age, the airplane, the atom bomb, the radio, in the old forms of the Renaissance or any other past culture. Each age finds its own technique.

Assim, temos entre suas telas o percurso mesmerizante entre Mask, Shimmering Substance e Gothic. Depois, deliberadamente sem nomes evocativos, só números neutros - que façam com que o espectador "olhe para a tela pelo que ela é, somente uma pintura" -, a monumental One: Number 31, 1950, White Light, Number 1A, 1948 e Full Fathom Five, que contém pequenos objetos (chaves, pregos, cigarro) grudados em sua superfície, junto da tinta.

De Pousette-Dart, Desert e Fugue nº 2.

De Lee Krasner, mulher de Pollock, Untitled (1949).

De Rothko, que queria que os blocos coloridos flutuassem, que almejava que a relação do espectador com a tela fosse particular e inexplicável, evocando sensações, climas, temperaturas, nº 10, nº 5/ nº 22, nº 37/ nº 19, nº 3/ nº 13.

De Jack Tworkov, The Wheel. De Sam Francis, Big Red ("color is light on fire"). De Philip Guston, Painting (1954), um por do sol de Monet, e The Clock.

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Não é possível realmente falar sobre Spider Man: Turn Off The Dark, simplesmente porque há dublês caindo, atores abandonando o elenco, trilha sonora sendo refeita, estreia sendo adiada e, segundo consta, falas e cenas mudando noite após noite para dar conta de uma melhor transmissão da história.

Vale dizer, no entanto, que o fracasso em roteiro, em storytelling, é retumbante. Na exata mesma proporção em que Julie Taymor é, sim, capaz de criar mágica teatral, ser inventiva e coadunar múltiplas e fascinantes técnicas cênicas, quase sempre dentro do princípio do 'truque duplo' que a consagrou em O Rei Leão (vê-se a máscara e o rosto do ator - a ilusão se dá pelo manejo da exposição e não pela tentativa de suspensão completa da descrença).

Ah, e as músicas são bastante, bastante fraquinhas.


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