28.12.12

(o que vi do) TEATRO em 2012









96 espetáculos. E em “espetáculos” estão incluídas óperas e dança. Ou seja, "não é só teatro”, vai dizer o ranzinza. É, não é. 

Nos últimos anos, estive com medo das listas, coisa que brincava de fazer desde a adolescência. Provavelmente temor de registrar opiniões, vivendo com uma sensibilidade exageradamente fragmentada e subjetividade cada vez mais mutante. Mas a simbologia que dá graça à coisa é essa: registrar (e depois mudar de ideia). E ninguém vai lembrar de nada mesmo – porque sequer vai ler.

O que não me cessa de surpreender, em 2012, é a constatação, nos palcos paulistanos, da hegemonia carioca. O Rio de Janeiro, aquele que se associa às comédias comerciais e ao teatro sem alma, aquele onde estariam os “famosos” e não os “artistas”, foi aquele que nos mandou a maior parte do que de mais consistente esteve em cartaz. O Rio de Janeiro humilhou o teatro paulista (falando, assim, de uma forma levianamente generalizada).

(Até Felipe Hirsch, um curitibano que virou paulista, estreou sua nova peça – com atores que são ‘jóias da coroa’ do teatro de São Paulo – no Rio, o que inevitavelmente faz de “O Livro de Itens do Paciente Estevão”, uma importação carioca.)

“R&J de Shakespeare”, “Palácio do Fim”, “O Filho Eterno”, “À Primeira Vista”, “Breu”, “O Bom Canário”, “Julia”, “Maria do Caritó”, "Adeus À Carne", "Estamira". Peças cariocas.

“Isso Te Interessa?”, “Sua Incelença, Ricardo III”, “Eclipse”, “Prazer”. Peças do Paraná, Rio Grande do Norte e Minas Gerais.

Mas isso é só uma constatação, mais a título de curiosidade. Sem bairrismos. 

*

Quatro eventos extraordinários aconteceram (e salve o Prêmio Bravo! e o APCA e até os votantes do Guia da Folha, no exato dia de hoje, que souberam ver a luz) em 2012: “Peep Classic Ésquilo”, “Bom Retiro 958 Metros”, “Ficção” (com suas seis peças que são e não são uma só) e “Isso Te Interessa?”.

Em magnitude, qualidade, resultado (artístico), satisfação, importância, inteligência, comunicação e ousadia, foi isso. 

O que não significa que, entre tudo o mais, não tenha havido aquele monte de coisa que enche de prazer e júbilo a alma de um espectador. Constatação na qual é importante fazer constar que o signatário não assistiu a tudo o que houve – como, por exemplo, a maioria das peças que o Prêmio Shell, aquele, indicou no 2º semestre do ano.

(Algumas peças importantes não vistas: “Acordes”, “Adeus À Carne”, “Aqui”, “Barafonda”, “Boca de Ouro”, “A Construção”, “Estamira”, “No Coração do Mundo”, “Outros Tempos”, “Recusa”, “Terra de Santo” e por aí vai...)

A que se segue, portanto, é uma lista restrita, pessoal, idiossincrática, contraditória e, por que não, leviana.

DIREÇÃO
Antonio Araújo por “Bom Retiro 958 Metros”
Christiane Jatahy, por “Julia”
Eric Lenate, por “Um Verão Familiar”
Gabriel Villela por “Sua Incelença, Ricardo III”
João Fonseca por “R&J de Shakespeare”
Leonardo Moreira, por “Ficção”
Márcio Abreu por “Isso Te Interessa?”
Roberto Alvim por “Peep Classic Ésquilo”

DRAMATURGIA
“Aberdeen – um Certo Kurt Cobain”, de Sergio Roveri
“O Bom Canário”, de Zacharias Helm
“Breu”, de Pedro Brício
“Ficção”, de Leonardo Moreira e Cia Hiato
“Isso Te Interessa?”, de Noelle Renaude
“Maria do Caritó”, de Newton Moreno
“Peep Classic Ésquilo”, adaptado por Roberto Alvim
“Prazer”, da Cia Luna Lunera

ATUAÇÃO
Angela Winkler em “Lulu”
Berliner Ensemble em “Ópera de Três Vinténs”
Charles Fricks em “O Filho Eterno”
Cia Brasileira de Teatro em “Isso Te Interessa?”
Cia Clowns de Shakespeare em “Sua Incelença, Ricardo III”
Cia Hiato em “Ficção”
Daniel Infantini em “The Pillowman – O Homem Travesseiro”
Danilo Grangheia em “O Livro de Itens do Paciente Estevão”
Denise Fraga em “Chorinho”
Drica Moraes em “A Primeira Vista”
Ed Moraes em “Um Verão Familiar”
Georgette Fadel em “O Livro de Itens do Paciente Estevão”
Kelzy Ecard em “Breu”
Lavínia Pannunzio em “Um Verão Familiar”
Roberto Audio em “Bom Retiro 958 Metros”
Tiago Abravanel em “Tim Maia, Vale Tudo – o Musical”
Vera Holtz em “Palácio do Fim”

OUTROS DESTAQUES
A encenação de “Lulu”, com direção de Bob Wilson e canções de Lou Reed.
A encenação da ópera “Macbeth”, de Verdi, com direção de Bob Wilson.
A encenação da ópera “Orfeu e Eurídice”, de Gluck, no terreno de obras da Praça das Artes, com cenografia de André Cortez e direção de Antonio Araújo.

*

Aurora dos Campos, Maria Silvia Siqueira Campos e Miwa Yanagizawa pelo cenário de “Breu”.
Equipe de direção de arte de “Sua Incelença, Ricardo III”.
Fernando Marés pela cenografia de “Isso Te Interessa?”.
Guilherme Bonfanti, pela iluminação de “Bom Retiro 958 Metros”.
Marcos Daud e Ron Daniels pela tradução e adaptação do texto de “Hamlet”.

*

A inauguração, programação e trabalho continuado de repertório do Teatro do Núcleo Experimental.
A programação do festival bienal Mirada, em Santos.


MELHORES ESPETÁCULOS 
(em ordem alfabética)

Bom Retiro 958 Metros
Ficção
Isso Te Interessa?
Julia
A Primeira Vista
Sua Incelença, Ricardo III

23.9.12

23 de setembro


O mais renitente no desaparecimento de alguém não é a falta. É essa noção de provisoriedade. 

Como se cada dia, cada fato, cada sonho - que teimosamente irrompe com frequência atordoante - fossem somente aspectos de um breve hiato temporário, ensaios para sua reaparição.

E no aniversário que você faria hoje, sempre e tão orgulhosamente associado ao início da Primavera, o que me desespera não é tanto a saudade avassaladora que eu obviamente sinto, mas a perspectiva agigantada do quanto, infinitos dias, eu ainda deverei senti-la.

13.8.12

como faz...

... quando se quer ir em TUDO?



23.6.12







a play a day


HOJE:

Frost/ Nixon, de Peter Morgan.




19.6.12

27.5.12

para marcar na agenda...

... porque pode mudar sua vida.


no Rio de Janeiro (27 e 28/06):



em São Paulo (30/06 e 01/07):

26.5.12

o inexcedível


A luz em Gal Costa em Da Maior Importância e as mãos de Caetano Veloso tocando todos os lugares certos.

Tudo doendo dentro e fora de Gal Costa (viver é um desastre que sucede a alguns).

Recanto Escuro e a por onde passeia a beleza absoluta.

O corpo de Gal Costa em Divino Maravilhoso e o tremor das sensações mais recônditas - e tão solares.

A voz de Gal Costa em Autotune Autoerótico. A voz de Gal Costa em Autotune Autoerótico.  A voz de Gal Costa em Autotune Autoerótico.

A canção Neguinho.

A guitarra de Pedro Baby em Vapor Barato e até onde chega o estupor.

Gal Costa sendo o Tim Maia que Tiago Abravanel nenhum jamais poderá ser em Um Dia de Domingo.

Mansidão.

A força estranha de tantas coisas tamanhas.

O inexcedível de Gal Costa no show Recanto. E hoje. E o tempo histórico colidindo com o imensurável tempo sentimental. O mundo de dentro da gente maior do que o mundo de fora da gente.

E a certeza plena de que a humanidade pode se dividir entre os que percebem o que Recanto (esse disco, esse show, isso tudo) faz por nós. E os que não percebem.





15.5.12

a play a day


HOJE:


After the Fall, de Arthur Miller.




a play a day


ONTEM:


Bug, de Tracy Letts





a play a day


ANTEONTEM:


Incendies, de Wajdi Mouawad.




4.5.12

notas teatrais (muito) atrasadas


Existe, no teatro, essa mágica elementar que é a presença.

Que é simples como o fenômeno físico e prosaico de haver um ator na sua frente. E ele abrir a boca e falar.

Mas que, em sua magnitude, quase desnecessário dizer, só se realiza raramente. 





Daniel Radcliffe em How To Succeed In Business Without Really Trying, na Broadway, era uma robusta presença - a despeito de sua diminuta estatura. Depia-se de Harry Potter e, quem diria, mostrava que nasceu para o teatro musical. Em uma engrenagem azeitada para o entretenimento funcionar com um preciso relógio, era ele o motor que puxava o show. O canto e a dança resplandeciam, funcionais e graciosos, mas era no tempo e num abarcador carisma que o garoto comandava o palco.

Não sozinho, é claro, porque John Larroquette, que lá garantiu seu Tony de ator coadjuvante, era um voraz disparador de 'one-liners'. 

Justo dizer, o texto e as canções são daquele tipo que justificam mesmo a existência do teatro musical, naquilo que possui de mais inconsequentemente divertido, catártico e contagiante - talvez até mordaz e esperto. 

Sem pudores, um programão.




É também na presença que Stockard Channing reluz, na intrigante, sólida, mas sentimentalmente auto-indulgente Other Desert Cities, uma peça na melhor tradição nova yorquina das 'revelações e conflitos na sala de estar'.

Destaque de um elenco forte e incrivelmente 'colaborativo', na medida em que uma atuação claramente impulsiona os bons momentos das demais, Channing é a pedra preciosa que transforma cada uma de suas intervenções em erupções deliciosas de humor, amargura e inteligência.






Já no Tchekhov que a Classic Stage Company punha de pé em seu diminuto e aconchegante palco, Dianne Wiest e John Turturro, redefiniam, a seu modo, O Jardim das Cerejeiras.



Sem perder o rigor e a nobreza que, sendo parte do que de melhor em teatro já foi escrito, a peça possui, o despojamento da montagem de Andrei Belgrader alcançava a simples e árdua tarefa da absoluta aproximação.



E não se trata só de suprimir pompa, ou tons elevados de teatralidade. Trata-se (tratava-se) de dizer as palavras com a qualidade e a simplicidade que elas tem - e, assim, incitar gigantescos e inesgotáveis significados.


Os atores orquestrados em atuações de um realismo pleno e, diga-se, 'minimalista', existiam com a mesma naturalidade com que provavelmente conversavam no camarim ou sairiam para jantar após a sessão.

E, o mais importante, sem desperdiçar o texto tchekhoviano. Pelo contrário, dando a ele o passo de algo tão essencial quanto trágico - a vida desenrolando-se.

Neste tocante, Dianne Wiest,  fazendo sua primeira entrada e última saída, ao enxergar sua velha casa, e John Turturro, dançando movimentos de patética e indisfarçavel felicidade ao arrematar o leilão, são imagens eternas.

Que se não chegam a redefinir por completo as personagens, as inflam com o mais tocante e exasperante sopro de vida. Pela forma como são, mas muito por como estão - por suas assombrosas presenças, enfim.



Sobre isso tudo, um exemplo (e explicação não textual) vertiginoso pode ser visto abaixo, a partir dos 06:36, em Andrea (sempre ela):


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Na Madama Butterfly que Anthony Minghella, pouco antes de morrer, encenou para o Metropolitan Opera, estavam todas as delicadezas perdidas do mundo (e da ópera).



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War Horse, que causa sensação nas plateias, sofre como teatro tanto quanto brilha em 'puppetry'. 

É um melodrama bem difícil - e não no bom sentido.



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Cymbeline, elogiadíssima montagem off-Broadway que se hospedava no peculiar Barrow Theater, é bacaninha, enérgica, admirável em dar conta de um texto shakespeariano tido como 'confuso' e quase 'inencenável'.

Mas é também o 'produto de qualidade' sintomático de uma crítica que não parece ver coisas realmente muito inventivas, temporada após temporada.

(Operando em chave bem semelhante, o nosso O Púlcaro Búlgaro, por exemplo, dá um pau.)

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Follies era o triunfo de Jan Maxwell (não à toa ela está, agora, indicada ao Tony) e de um inacreditável elenco de 'senhoras' coadjuvantes. 

E  do score espantoso de Sondheim.

(E alguém pode dizer a Bernadette Peters que já passa na hora de ela parar de choramingar enquanto fala.)


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Seminar possuía o prazer de ver Alan Rickman e Lily Rabe (eis, de novo, duas respeitáveis presenças) duelando ferozmente - ela que continua sendo uma impressionante encarnação mais jovem de Laura Linney.

Mas nenhum comentário pode ser melhor do que esse, do NY Times, que basicamente resume tudo:

Full of efficiently mapped reversals and revelations, the play feels as if it were written according to some literary equivalent of a mileage-saving GPS device.

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E assim foi dezembro.