29.12.09

Nova York - dia 7: ventos fantásticos sopram do Oeste

consumismo. Macy's. mais H&M.

mais um dia de duas peças, então já era hora de ir para a primeira.

*

WEST SIDE STORY

há musicais que derivam de filmes (eles também senão propriamente musicais, ao menos com alta dose de música) e oferecem ao espectador basicamente a sensação reconfortante de estar na presença de material familiar, de experimentar "ao vivo" uma magia que já o encantara no cinema (a Disney, por exemplo, descobriu essa mina de ouro com A Bela e a Fera, alcançou pioneirismo criativo com O Rei Leão, fracassou com A Pequena Sereia e agora enche os cofres com Mary Poppins).

mas há musicais que são musicais antes de serem filmes. e, nesses casos, por mais marcante e clássica que a versão cinematográfica resulte, sempre haverá a essência teatral a ser usufruída não como um replay, mas como um prazer arqueológico de volta às origens.

talvez o fato de ter visto somente uma vez o filme de 1961, em uma cópia VHS maltratada, e não tê-lo como um marco cinéfilo particular - apesar de guardar bastante fincadas na memória afetiva três ou quatro canções -, tenha contribuído para o desbunde que foi assistir a esse presente Broadway revival de West Side Story.

dirigida por Arthur Laurents, o libretista da versão original de 1957, essa re-encenação é de beleza hipnotizante e de uma vitalidade teatral que quase não se poderia crer que um material velho conhecido desse calibre ainda pudesse ostentar.

tudo converge.

os elementos de cena são de elegância atemporal. cenários ao mesmo tempo vistosos e detalhistas criam deslumbrantes composições visuais perfeitamente iluminadas. figurinos e caracterizações são tão precisos e narrativos que se abstrai sua presença como pontos de destaque.

o elenco é primoroso em atores e atrizes pertencentes a uma categoria que o teatro musical norte americano sabe cultivar com eficiência, qual seja um admirável exército de grandes performers médios. quer dizer, ninguém exibe reais superlativos em habilidades específicas (ninguém atua sensacionalmente, ou canta, ou dança), mas cada um traz em si um conjunto bom de doer: cantam com potência e alcance, interpretam com a intensidade dramática necessária, dançam muito bem.

vale dizer, no entanto, que Karen Olivo, Tony de 'melhor atriz coadjuvante em musical' de 2009 por sua Anita, é um destaque e é realmente um vulcão: sensual, magnética, arrasadora.

Laurents dirige com mão de mestre, pleno da propriedade que tem sobre o material, e com um frescor estarrecedor para seus 91 anos (talvez ele e Manoel de Oliveira sejam grandes amigos). assim, faz mais do que valer a existência desse revival e deixa tinindo para as novas gerações os trabalhos magistrais de Leonard Bernstein (música), Stephen Sondheim (letras) e Jerome Robbins (coreografia).

para completar, com a inteligência de um artista que sabe ser contemporâneo extraindo só o melhor significado desse maltratado termo, Laurents faz os porto-riquenhos da trama falarem e cantarem em espanhol. sim, naturalmente breves e sutis traduções pipocam aqui e ali, inseridas no contexto, mas há muito dito e cantado que só entende completamente quem entende - que a Broadway saiba que o mundo não fala inglês, não, senhor!

e, como num passe de mágica, Romeu e Julieta está vivo e vibrante, West Side Story está vivo e vibrante, o teatro musical está vivo e vibrante, transbordando de uma pulsão artística tão legítima que enleva o espírito de quem vê, desabona a descrença e delicia como um banho (estético) refrescante e rejuvenescedor.

a reter:

- o Prólogo, com uma coreografia de apresentação e primeiro embate entre os Jets e os Sharks que Robbins faz figurar entre os grandes momentos da dança americana. poderia e deveria (se é que não está) estar sendo dançado pelo American Ballet Theater e pelo New York City Ballet ao redor do mundo (companhias para as quais Robbins, aliás, criou muitas e definitivas peças).


- a passagem de luz que leva Maria em três segundos da loja de noivas ao ginásio, onde o elenco inteiro irrompe lampejante em "Dance at the Gym", para em seguida "Maria" desmontar toda a cena e deixar Tony (figurativamente) nu, à beira do palco, tirando agudos sabe-se deus de onde para repetir e repetir um único simples nome desabrochado em inconsequente amor à primeira vista (e quem já amou que não tenha sido à primeira vista?).

- "Tonight", primeiro em dueto, no delicado e inspirador balcão, e mais tarde em momento de beleza sufocante, no quinteto que sobrepõe tempos e espaços em disposição de palco arrebatadora.


- "America", onde Karen Olivo causa a tempestade de relâmpagos que certamente lhe valeu o Tony.


- The Rumble (e a transformação cênica de ponte e grades descendo), outra pérola de Jerome Robbins, causando um fim de ato soturno e incomum, que em seu minimalismo e peso em nada inspira para a Coca-Cola do intervalo como todos os outros shows dessa indústria quase obrigatoriamente fazem.


- em ironia dramática das mais puras, o reinício de ato primaveril e encantador de "Me Siento Hermosa (I Feel Pretty)", logo desfeito em tragédia - soma de sequências onde a Maria da argentina Josefina Scaglione alcança seu mais verdadeiro momento de heroína.

- "Somewhere" em ambientação etérea, quase mórbida numa possível leitura de lugar além-da-vida.

- a cena The Drugstore, em que Anita é massacrada pelos Jets, onde Karen Olivo volta a brilhar e lembra-nos da instintiva e incessante tensão da violência e da intolerância que destróem o projeto civilizatório do homem (e em algum lugar, Michael Haneke sorri com Código Desconhecido embaixo do braço).

- a cortina descendo em um final desolador, escandalosamente privado de redenção e grandiosidade.

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antes da peça da noite, só há tempo de um breve passeio com meu pai - que não só me acompanhou em West Side como talvez tenha mesmo sido o responsável por nossa ida até ela - e um breve retorno ao hotel para descarregar as compras da manhã.

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WICKED


seria dificílimo para qualquer um(a) seguir o arrebatamento violento de West Side Story. mas Wicked fez o que pôde e não fez pouco.

retoma-se aqui o estilo opulento e majestoso - em termos de staging - de Marry Poppins, com resultados que variam entre o abertamente cafona (na maior parte do tempo) e o belo, mas em todo o tempo bastante impressionante no quesito 'magia de palco'.

por outro lado, na questão dramatúrgica a premissa é arriscada e criativa: fazer uma espécie de "ascendência" de O Mágico de Oz, ou o que os americanos chamariam de "prequel", contando quem é de verdade a Bruxa Má do Oeste. "Muita coisa aconteceu antes de Dorothy chegar", diz a chamada.

e essa manobra bastante delicada é cumprida com uma eficiência surpreendente. Wicked respeita o que tem que respeitar e é desabusadamente criativo onde pode ser, estabelecendo fluente conversa e sutis conexões com a obra de partida, soando estimulante e original.

no desenrolar de sua própria história, há um parâmetro de convencionalidade, sem dúvida, de show que quer (porque economicamente precisa, por assim dizer) ser "familiar" e então toma a estrada segura (dos tijolos amarelos?). mas é um caminho que tem seu brilho, largamente pontuado por um humor de saborosa ironia e organizado em torno de uma contorção sabida e bem cultivada do Maniqueísmo.

ademais, o libelo pró-tolerância e anti-preconceito é especialmente alentador, considerando-se o direcionamento "diversão para a família".

mas a verdadeira diabrura de Wicked não são nem suas ótimas piadas, seu libretto audacioso e sua meia dúzia de canções cativantes e grudentas. ou é exatamente tudo isso, mas erguido à cena pelo talento das duas irrepreensíveis protagonistas.

se é notável a 'fábrica de grandes talentos médios' na formação dos profissionais de teatro dos EUA - conforme já citado acima, acerca de West Side Story - , é ainda mais enlouquecedor pensar que existam tantos intérpretes de qualidades tão potentemente preparadas. e que estejam alguns degraus acima dos, por assim dizer, 'operários da indústria', mas que nem por isso sejam menos 'anônimos'.

ou justamente essa é uma constatação de esclarecedora sensatez, no sentido em que se considera (com altíssimas doses de propriedade) a profissão do ator uma profissão como qualquer outra, em sua signifância laboral, e não uma 'calçada da fama'.


mas fato é que Erin Mackey, como Glinda, e Dee Roscioli, como Elphaba, são banquetes servidos no ponto certo. especialmente essa última, como a bruxa 'má', passeia por expressões e inflexões físicas e vocais que a remetem a uma jovem Natasha Richardson - porém com uma latitude de canto jamais sonhada pela saudosa (e, essa sim, 'superlativa') atriz inglesa.

são as duas bruxas, portanto, que enfeitiçam o espetáculo e arrematam as qualidades tão inebriantes quanto voláteis que Wicked traz em seu suculento recheio.

a reter, o humor desenfreado de What Is This Feeling? e Popular, a sentimentalidade desavergonhada de I'm Not That Girl e For Good, e a grandiloquência incomparável de Defying Gravity.

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voltando para o hotel, às 23:30h da antevéspera do Natal, Nova York era uma cidade fervilhante.

na 5ª Avenida, a GAP aberta 24h ainda me rendeu um cachecol. em frente à St. Patrick's Church, um saxofonista tornava o frio e as luzes uma cena de cinema (e qual não é, aqui?).

e, um quarteirão antes de chegar, a constação de que as vitrines da Bergdorf Goodman, que do lado oposto da rua ostentam uma decoração inspirada em O Fantástico Sr Raposo, do lado por onde eu agora caminho são mesmo uma verdadeira obra de arte.

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26.12.09

mais um parênteses, porque o cinema não pára

alô, alô, gurizada, vamos ouvir (ler) as coisas essenciais e fenomenais que Inácio está falando (escrevendo) sobre É Proibido Fumar?

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e alguns críticos lá no UOL fizeram listas de melhores do ano.

deliciosa surpresa ver Moscou, Aquele Querido Mês de Agosto, A Festa da Menina Morta e Vocês, Os Vivos entre os filmes lembrados em algumas delas.

(a do Inácio, de novo, é uma das mais 'concordáveis'.)

mas lista é lista e a graça é cada um ter a sua, com barbaridades ou com coerências. mas pode saber que quem se preza (e quem geralmente respeitamos - alô, alô Sergio Rizzo e Cássio Starling Carlos!) colocou Entre os Muros da Escola, Horas de Verão, Bastardos Inglórios e Amantes na sua.

sobre esse último (que a gente sempre amou - é ou não é, Thereza?), pérolas que vale a pena reproduzir:

* "James Gray consegue o que muitos já tentaram sem sucesso: filmar o amor como um fenômeno meteorológico." (C.S. Carlos)

* "O coração é um caçador solitário, por James Gray." (S. Rizzo)

* "O amor faz o que quer." (I. Araújo)



PS:
como esse blog ainda não viu Ervas Daninhas, a nossa lista só será possível na segunda semana de janeiro...

Nova York - dia 6: a grande Arte e o anacronismo do Pacífico sul

uma terça-feira extensa, porém concentrada.

basicamente o dia inteiro foi devotado à gigantesca coleção do Metropolitan Museum of Art. saão galerias e galerias, corredores e corredores de muita arte, de todos os tempos, de todas as procedências.

vale aquela máxima que nem uma vida inteira seria suficiente para ver tudo de forma atenta e detalhada, então é óbvio que a visita foi guiada pelas preferências pessoais. mais do que isso, tratou-se de uma tremenda redescoberta, 13 anos depois da primeira visita e 11 depois da última. aqui mesmo, nessas salas cheias de obras-primas, a mão cuidadosa de minha avó começou a me fazer quem eu sou hoje.

o resumo detalhado da escavação artística pessoal entrará como 'apêndice' no fim dessa postagem, em algum futuro breve.

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saio do museu com o dia já indo embora e passeio o Parque Central no fim de tarde, ipod novo já devidamente carregado, em direção ao Upper West Side. lá, perco um bom tempo entre as prateleiras da Barnes & Noble da rua 66.

em seguida, já é hora de atravessar a rua e conhecer o fantástico Vivian Beaumont Theater para mais um dia de teatro musical.


o Beaumont é uma magnífica sala em semi-arena, grandiosa e intimista. sua arquitetura de palco possibilita encenações majestosas com intensa sensação de proximidade. para South Pacific, a peça da vez, essa disposição parece ser especialmente feliz.

lançado em 1949, tudo no espetáculo é velho. comprar as idéias de seu (não) teor dramático, da motivação de seus personagens e de sua mensagem é tão verdadeiro quanto brincar de bonecas.

mas a esperteza do diretor Bartlett Sher é justamente não crer ingenuamente em sua história, mas delinear adoravelmente seu anacronismo, fazendo-a quase vintage. a montagem, dessa forma, soa como uma delicada memorabilia, um objeto em miniatura no qual admiramos o apuro e a 'fofura', que possui em seu prendado verniz a razão principal de sua existência.

e como as músicas são clássicas e imortais, Sher acerta em valorizá-las. enquanto os momentos dramáticos são um teatro de bonecos com a exata nostalgia adocicada já referida, as canções acontecem um pouco como concerto. os intépretes, assim, colocam emoção e intenção a serviço das belas letras e melodias, executando-as com marcações de cena limpas e diretas.

a síntese desse possível 'estilo' é a protagonista Kelly O'Hara, inteligente e sob controle da sutil e terna caricatura que faz de si mesma - é impossível não gostar dela, mesmo que a 'maldade' moral de sua personagem seja um dos conflitos centrais da trama.

Paulo Szot, para desespero do signatário, não cantou nessa terça-feira e seu understudy, apesar das qualidades vocais, era não mais do que um completo canastrão (não que Szot talvez não fosse, mas pelo menos, além de ser o canastrão que venceu o Tony, certamente o seria com uma já comprovada canalhice).

de qualquer forma, chegam vivas e irresistíveis Some Enchanted Evening, Younger Than Springtime, I'm Gonna Wash That Man Right Out Of My Hair, Honey Bun e outras. para tal, contribui definitivamente a numerosa orquestra, que, posicionada literalmente no centro da (semi) arena, faz-se amplamente presente como em nenhum outro show na Broadway.

esse South Pacific, portanto, entrega o máximo que pode dentro de suas limitações de origem. com a música no lugar, tem-se basicamente o que se pode querer dele.





25.12.09

Nova York - dia 5: bem Perto do Normal

[em tempo, três anotações esparsas ainda sobre o Bonde de Cate:

- qual o público que vai ao Brooklyn num sábado à noite, em meio à nevasca, para ver teatro de qualidade? culturetes nova-yorkinos, é claro, que diferem muito pouco (em variação de idade, pose, fanatismo, estilo etc) da platéia que estava em julho no Sesc Pinheiros vendo Isabelle Huppert fazer Quartett, por exemplo (peça, que, aliás, foi apresentada aqui nessa mesma Brooklyn Academy of Music, dentro da mesma temporada de outono, chamada Next Wave Festival - que teve ainda Robert Lepage com Lipsynch, Juliette Binoche com In-I, ópera de Philip Glass e balé de William Forsythe, entre outros...)

- o que impressiona pensando no Bonde agora, em recente retrospecto, inevitavelmente posto ao lado das outras peças e musicais vistos na cidade, é seu exasperante realismo. Liv Ullman faz daquela pequena casa em Nova Orleans uma gaiola onde os personagens existem sem jamais terem qualquer consciência do público. ao contrário de todo o teatro musical - que é cantado para a audiência - e da grande maioria das peças dramáticas (aqui ou em SP, ou em Berlim, ou em Londres, ou onde for), os atores não jogam com a platéia, direta ou indiretamente. não há um tempo ou uma piscada que faça do público um ente diegeticamente presente. e essa quarta parede tão rigidamente erguida torna a verdade de tudo ali no palco ainda mais desesperadora.]

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todo dia eu acordo e digo que usar luvas é a pior coisa que existe.

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segunda-feira é dia de museus fechados, então (mas não só por isso), a decisão é dedicar-se ao passeio consumista. começo passando pela loja da NBC, onde há todo tipo de produto divertido e tentador de velhos e atuais favoritos como Friends, Seinfeld, 30 Rock, Parks and Recreation e por aí vai (Tati e Arrigo, e o tanto de coisa de The Office e Saturday Night Live?!).

depois, umas comprinhas de roupas bonitas e baratas porque, vai?, eu não compro roupa há anos (e eu sei que falo isso toda vez que compro roupa, mas é verdade).

metrô para encontrar papai no Soho, quarteirões e quarteirões de lojas, num clima mais intimista, por assim dizer, do que a magnitude de Midtown Manhattan.

a UNIQLO é Kandinsky feito roupa em escala industrial, ou qualquer outro pintor que o valha, no sentido das cores que chegam a te deixar tonto. e está pra existir um mesmo espaço com tantos japoneses juntos fora do Japão.

ando por ali e vou subindo até a Washington Square (que já é Greenwich Village), toda cheia de neve e reformas. mais alguma caminhada para chegar na Strand, livraria que alegadamente possui 18 milhas de livros - e trata-se mesmo de um labirinto de corredores e prateleiras de enlouquecer. feliz é quem mora nesse bairro.

chego até a Union Square, onde há mais reformas, mais neve e barraquinhas com uma feira de Natal. da praça mesmo, não sobra muito.

volto ao centro do Soho para reencontrar papai e Rose para um almoço-jantar no restaurante Barolo. antes mesmo da conta chegar, levanto correndo e pego o metrô para ir ao teatro.




NEXT TO NORMAL

nada poderia seguir Marry Poppins de forma mais antiteticamente eficiente do que Next to Normal. Tudo o que no show da Disney é exuberância e vistosidade aqui é teor dramático e risco.

Normal coloca no centro do drama uma depressiva mãe de família, diagnosticada 'bipolar', tendo que lidar com os tormentos da ausência do filho morto (alô, Lars Von Trier!) e os desequilíbrios que causa na filha e no marido. ou, antes, a filha e o marido devem lidar com as tormentas de uma mãe instável e o apego que ela estabelece com o fantasma do primogênito falecido.

quer dizer, a coisa funciona como teatro. há personagens complexos, desafiadores, uma trama que progride apoiada em conflitos reais e demasiado humanos. para não dizer que não há fantasia, existe a imagem desse garoto, morto ainda bebê, que aparece com 17 anos, como se a mãe o tivesse mantido efetivamente vivo dentro dela - e essa aparição é a um só tempo uma possível raíz da depressão como também a corporificação física, em termos dramatúrgicos, com que a peça trabalha a doença.

o texto e letras de Brian Yorkey e a música de Tom Kitt conjugam-se em precisa harmonia e constróem um espetáculo vivo e vibrante, colocando, ou extraindo, música de temas e histórias onde não se imaginaria havê-las. nesse sentido, faz lembrar Rent, como um musical contemporâneo que abdica do fantástico para falar de gente de verdade com problemas do mundo real. não à toa, as duas montagens compartilham o mesmo diretor, Michael Greif.

estão ainda em cartaz todos os integrantes do elenco original, impecáveis, sem grande possibilidade de destaques individuais - apesar da irresistível impetuosidade de Jennifer Damiano e de Aaron Tveit ser apaixonante (e embora Alice Ripley, no papel principal, tenha ganho o Tony de 'melhor atriz em musical' de 2009).

eles defendem com brio o score pop-rock talentoso em narrar dramaticamente (e com envolvente dramaticidade) ao mesmo tempo que empolga em termos musicais, resultando em canções fortes, cativantes e belas.


o 'ensemble' de Just Another Day de início coloca a peça - e o público - no trilho de uma promissora montanha-russa emocional, que não falha em manter o vigor sonoro e o nível absolutamente invulgar da dramaturgia.

I'm Alive costura a narrativa com acordes de empatia imediata, assim como Catch Me I'm Falling e You Don't Know/ I Am The One. Superboy and The Invisible Girl é a música que saimos assobiando do teatro. já Everything Else e My Psycopharmacologist and I são exemplos das pérolas do humor ácido, auto-consciente e resignado que é destilado em pitadas bem medidas.

mas o que fica na memória de forma mais profunda são a tocante sucessão de I Dreamed A Dance colada à contundência delicada de There's A World - um terno convite ao suicídio (que, por contraditório que possa soar, soa bem) - e a fragilidade da mão que se estende já perdendo força em A Light In The Dark.

por fim, a cenografia simbólica organiza-se em três níveis verticais, possibilitando dinamismo, criatividade e eficiência às marcações de cena. note-se que não há sequer um passo de dança no espetáculo, mas a sensação é de constante movimento.

Next To Normal é um musical audacioso em sua concepção, inteligente em seu desenvolvimento e formidável em sua execução. adulto e para adultos, áspero, equilibrado entre a acidez realista do cinismo e a doçura edulcorada (e conturbada) das emoções, é pop e sofisticado ao mesmo tempo.

na marquise, letreiros estampam a citação extraída da crítica de algum jornal: "um entusiasmante salto para dentro das possibilidades do teatro musical".

é isso.






23.12.09

Nova York - parênteses

enquanto isso, no New York Times (jornal que, desculpa dizer, chega todo dia de manhã aqui na porta do quarto) de domingo, A.O. Scott elege Where The Wild Things Are como o melhor filme de 2009 - que Manohla Dargis também coloca entre seus favoritos. Já Stephen Holden honoravelmente destaca A Fita Branca e Seguindo Em Frente.

Os únicos dois filmes a figurarem nas três listas? O papa-tudo dessa temporada, The Hurt Locker, e... Horas de Verão!

Nova York - dia 4: Círculo, Espelho, Transformação

domingo em Nova York é dia de peças. duas.

mas antes, Guggenheim Museum, que abriga uma extasiante exposição de Kandinsky - de quem já estávamos nos sentindo íntimos depois da mostra sobre a Bauhaus, no MoMa.

a rotunda inteira do museu é tomada por telas do artista russo, mapeando com clareza elucidativa e desbunde estético seu caminho até a abstração e pelos meandros dela.

dizem sobre o Guggenheim que ele rivaliza (ou às vezes obscurece) com as obras que expõe, dada a opulência de sua arquitetura. mas definitivamente esse não é o caso aqui. primeiro porque trata-se de um conjunto de pinturas não só tão exuberantes quanto as curvas de Frank Lloyd Wright, mas aparentemente, segundo os textos informativos, inspirador delas - o corpo da obra de Kandisnky é motivo ao redor do qual orbitou a contrução do atual prédio do museu.

no mais, ver o derramamento cromático das telas no formato "curva", podendo olhar para uma série delas - através do vão central, para o lado diametralmente oposto ao que se está - e percebê-las evolutivamente, é uma das delícias de existir um espaço expositor como esse.

(e viva a arquitetura - não é não, Thereza?!)

completam a visita uma das fascinantes instalações-escultura de Anish Kapoor, intitulada Memória, e a pequena parte do acervo do museu que se encontrava exposta.

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Circle Mirror Transformation é uma peça com a qual eu topei por acaso, pesquisando a temporada teatral nova-yorquina, alguns meses atrás. a princípio ela encerraria sua exibição antes que eu chegasse à cidade e, interessado por saber como se desenvolvia a premissa que havia me chamado a atenção, procurei mesmo saber se o texto estava disponível editado em livro.

eis que a montagem ganhou uma nova temporada e eu tratei de comprar ingressos assim que soube.

em um teatro pequeno, a "sala B" de pouco mais de cem lugares na sede da Playwright Horizons - uma fascinante organização que subsidia a escrita e encenação de novas peças de dramaturgos norte-americanos - esse espetáculo inédito de Annie Baker apresenta cinco personagens que convivem durante uma série de workshops de atuação, no Centro Comunitário de uma pequena cidade do interior.

dois homens em torno dos 50 anos, uma mulher de 35, uma garota de 16 e a professora, também por volta dos 50, expõe suas personalidades e vidas enquanto fazem jogos teatrais: exercícios de corpo, memória, imaginação e improviso, entre outros, típicos de qualquer aula básica dessa melíflua e sedutora arte que é a do ator.

ao contrário do que possa parecer, no entanto, não se trata de "piada interna", de uma peça para iniciados: em um texto preciso e límpido, tão simples quanto envolvente e rasgadamente bem humorado, com um nível de inteligência dramática bastante alto, Annie Baker acerta no alvo e acerta em todo mundo.

trata-se de pessoas, afinal, em seus desejos e contradições mais elementares e previsíveis, mas retratadas sob uma moldura espertamente escolhida e cuidadosamente manufaturada para dar sustentação e a força ao espetáculo.

evidente que o elenco homogêneo e completamente sem erros - com destaque pessoal para a adolescente de Tracee Chimo e a professora de Deirdre O'Connell (a esposa de Tom Wilkinson, ou Dr Mierzwiak, em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças) -, capaz de corporificar personalidades tão especiais em sua normalidade, é a alma da montagem. os corpos são perfeitos, as vozes são perfeitas, os tempos são perfeitos.

há que se creditar também, nesse tocante, a direção prática e pontual de Sam Gold, colocada a serviço da engrenagem sem precisar chamar atenção para si de forma artificiosa. ou, antes, destacando-se justamente por tornar o desenrolar narrativo orgânico e eficientemente natural.

a meu lado, na cadeira grudada, Peter Dinklage o ator anão festejado por seu papel em O Agente da Estação, de 2004, gargalhava sonoramente.

Circle Mirror Transformation é isso: uma comédia irresistível e um drama sutil e comedido, delicadamente honesto e fiel em sua observação da vida. teatro tradicional, novo e bom.

(e após os calorosos aplausos, descendo as escadas para a rua, tudo o que eu conseguia pensar era qual será o elenco quando eu montar a peça em São Paulo...)

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algum consumismo e passeio pelo meio do caminho e no fim da tarde já era hora de Mary Poppins, uma extravagância, pura confeitaria, doce (e nutritivo) como açúcar. entrega o que promete e não é para outra coisa senão isso que centenas de pessoas lotam o belíssimo New Amsterdan Theater: escapismo, opulência visual e catarse.

meu pai e minha madrasta, que me acompanhavam nessa, não deixam dúvida:
- isso aqui é Broadway pura!, afirmam.

é exatamente isso. os cenários se sucedem, os efeitos de cena se sucedem, a artilharia cenográfica se sucede, a direção de arte e o figurino transbordam em dinheiro (e em precisão, senão necessariamente inventividade), os atores cantam, atuam e sapateiam (até mesmo no teto) sem brilho mas sem desapontar e, sim, Mary Poppins voa.

quer dizer, o que mais se pode querer?





PS:
talvez o ótimo jantar que se seguiu, no duas-estrelas-pelo-Michelin Del Posto. cortesia dos cultivados gostos gastronômicos de Sergio e Rose, é claro.

22.12.09

Nova York - dia 3: a luz de Cate Blanchett (em meio à tempestade) ou como viver sem ela?


sábado em Nova York.

Manhattan, 10 am, e só o que se ouve é o anuncio de uma tempestade de inverno que chegaria na tarde do mesmo dia. ir ou não ao Brooklyn?

após o café da manhã, o tempo parece até clarear. ir ao Brooklyn, na verdade, era um compromisso. um compromisso teatral assumido em setembro e planejado desde o início do ano, quando eu primeiro soube que ela estaria lá fazendo aquilo.

então a decisão é: ir ao Brooklyn, desde já.

metrô e passeio por Brooklyn Heights, para ver a tal vista de Manhattan “de fora” – é preciso sair da ilha para vê-la, lembra?

Brooklyn, 12:30 pm, e o vento que já não dava trégua agora traz algumas pequenas partículas de neve. entro no metrô, em direção ao Brooklyn Museum.

1 pm. saio do metrô para encontrar não neve caindo, mas uma verdadeira tempestade. não dá para levantar a cabeça, sob o risco de (muita) neve te deixar literalmente cego. a estação é a 25 passos do museu, felizmente, e percorro-os o mais rápido possível.

BROOKLYN MUSEUM

o Museu do Brooklyn é um mastodonte comumente negligenciado pelos visitantes da cidade. tanto é que suas galerias estão vazias, vazias... ouso dizer “desertas”.

a coleção é grande e abrangente. passo rápido pela Arte da África, do Pacífico, Arte Chinesa, Coreana, Japonesa, Indiana e do Sudoeste da Ásia e Arte do Mundo Islâmico.

chego na ala das Pinturas Européias, organizadas ao redor de um vistoso e belo átrio central, onde dezenas de funcionários preparam um jantar de gala que ocorreria dali a algumas horas. talvez por isso todas as telas tenham incômodos vidros à frente de seus óleos – não se pode correr o risco de um convidado bêbado estragar uma obra-prima, afinal.

em compensação, todos os quadros possuem elucidativas e pontuais apresentações, em breves textos ao lado de seus títulos. em poucas frases, há o que se precisa saber sobre técnica e contexto histórico.

a divisão é temática, começando por Painting Land and Sea. Corot, o pintor de obras diante das quais Paulo Francis dizia poder passar a vida flanando, encanta com seus cinzas e verdes, enquanto Mesdag consegue colocar o observador no centro da tempestade.

os roxos, azuis e delicados laranjas de House of Parliament, Sunlight Effect, de Monet, são mesmerizantes. nem a floricultura improvisada montada diante da tela desencanta seu efeito inebriante. ademais, a visitação como um todo convive com um progressivamente ruidoso vai-e-vem de funcionários preparando o tal evento.

tem mais Monet em The Doge’s Palace, onde as linhas horizontais do rio dissolvem o reflexo vertical do edifício retratado, numa sinuosa e envolvente dança visual.

Sisley em Flood at Moret. Cézanne com formas “blocadas” em The Village at Gardanne. Matisse com Crossroads at Malabai. fechando a seção, Gabrielle Münter em pequenas porções de abstração e cor em Countryside Near Paris e Nightfall in St Cloud.

dentro do recorte Art and Devotion, basicamente pinturas religiosas italianas (e algumas holandesas) do século XV.

em Tracing The Figure, uma bela estrada que começa no intenso naturalismo de Vermeyen pintando Jean de Carondolet e deságua na descontrução total que Picasso empreende em Woman in Gray. no meio do caminho, a pureza e simplicidade de St Joseph With The Flowering Rod, de Jusepe de Ribera, mais Corot em Young Women of Sparta (um inusitado exercício de “teatro” dentro da pintura), as personalidades que emanam de The Critic – por Lajos Tihanyi e Portrait of Thadé Natanson – por Édouard Vuillard – e, por fim, as pequenas proporções de Woman In an Armachair, de Matisse, plenas de curvas e sinuosidades, com o centro da tela em desvio oblíquo exercendo efeito magnético sobre os olhos.

Narratives Large and Small traz Bonnard, paixão antiga e sempre um bálsamo. o langor delicado de The Breakfast Room aparece cercado de delicadezas de outros autores, como Young Womam in Bed, de Vuillard, e Woman With Three Girls, de József Rippi-Rónai.

em The Elder Sister, de William Bouguereau, impressiona o discurso do amparo, cuidado e responsabilidade assumidos (ou aceitos, ou impostos) que emanam do olhar das personagens. Millet é atmosférico e etéreo em The Sheperd Tending His Flock e Delacroix é dramático e cheio de magia lúgubre em The Disciples at Emmaus.

e já que a questão é a “narrativa”, Albrecht de Vriendt entrega-a desde o título opulento, fazendo jus ao figurativismo apresentado em Philip I, the Handsome, Conferring the Order of the Golden Fleece on His Son Charles of Luxembourg.

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seguindo em frente, alguma Arte Egípcia e uma envolvente demonstração de Artes Decorativas dos séculos XVII ao XX, onde as salas são cenografadas – e eventualmente montadas quase como cenários cinematográficos – como interiores e residências das respectivas épocas. tanto o é que, em uma dessas “casas”, duas crianças de pouca idade passam correndo por mim e dizem: “look, there’s our neighbour!”. eu sorrio, como um vizinho rabugento.

nos corredores dedicados à Arte Americana, uma coleção impressionante, mais uma vez apresentada tematicamente. lá, talvez jamais tenha havido pintura mais caudalosa do que Niagara, de Louis Rémy Mignot. diante dela, a desconcertante monumentalidade misteriosa e convidativa de A Storm in The Rocky Mountains, de Albert Biesstadt, e ao lado, o titulo Everlasting Waterfall encerra e amplifica a beleza áspera da tela de Pat Steir.

a reter, ainda, July, de Lany Rivers, a assustadora veracidade pictórica de The Shepperd of Rolleboise, de Daniel Ridgway Knight - que olhada de longe (ou mesmo de perto) confunde-se seriamente com uma fotografia - e o “depósito exposto”, uma sala de reserva técnica que permanece aberta ao público como uma continuação da exibição.

*

eis que se descobre, então, porque o museu tinha estado tão vazio: todas os visitantes concentravam-se na exposição especial Who Shot Rock & Roll, cobrindo a história do gênero musical através de fortes e reveladoras fotografias.

*

Brooklyn, 6 pm, e a tempestade só piorou. metrô até o Harvey Theater, mas é cedo demais para o espetáculo. em meio ao caos, um McDonald’s a alguns passos oferece um café, um assento e uma trilha sonora devidamente natalia. vendo a neve despencar na rua pela vidraça da lanchonete, penso naquelas cenas de filme em que o personagem perdedor desfruta sua solidão e fracasso.

mas minha trajetória, ali, a medir pelas horas que se seguiriam, era sem dúvida vitoriosa.


conta a história que, abandonado em 1968 depois de ter sido um teatro de mais de 1500 lugares, que exibiu de peças shakesperianas a vaudevilles, e posteriormente ter se transformado em um cinema, o Harvey Theater foi comprado pela Brooklyn Academy of Music em 1987, depois que o então presidente da fundação, Harvey Lichtenstein, e o diretor Peter Brook adentraram seus escombros invadindo-o por uma janela de vidro aberta no 2º andar - quando Brook então vislumbrou ali a locação perfeita para abrigar, nos EUA, sua antológica montagem de O Mahabharata.

desde então reformado e restaurado, convertendo-se em um teatro para pouco mais de 850 espectadores, o Harvey tem a beleza de uma casa de espetáculos ancestral, a imponência de uma arena greco-romana e o acolhimento de uma pequena sala de câmara. é, enfim, um espetáculo em si mesmo.

antes de eu descobrir tudo isso, o lobby de entrada, situado sob a sala propriamente dita, já apresentava-se extremamente receptivo, fazendo lembrar o ‘saguão’ improvisado que, no paulistano Sesc Belenzinho, em 2007, recebia os felizardos espectadores de Les Éphèmeres.


UM BONDE CHAMADO DESEJO

12 anos de vida como espectador profissional não podem te preparar para ver Cate Blanchett em cena. especificamente, para ver Cate Blanchett fazer Blanche Dubois, o maior personagem feminino do teatro americano e um dos maiores da história das artes dramáticas.

da mesma forma, não há muitas palavras possíveis para descrever o que ela faz. sua Blanche é um fantasma, um espectro, um anjo, uma bailarina, uma estrela de cinema, um pássaro ferido, tudo ao mesmo tempo, com vigor, intensidade, profunda coerência e uma verdade acima de qualquer parâmetro.

não é exagero dizer que Blanchett multiplica camadas e significados de simples palavras, ao simplesmente proferi-las (e isso foi algo que o New York Times de fato disse sobre sua performance). sua personificação de Blanche traz em seu centro uma precisão inacreditável, uma solidez tão bem fincada que a permite passear em variações com a paupabilidade dos grandes, dos gigantes.

e o humor, ah, o humor... tentando persuadir a irmã a não varrer a casa, para não ser subserviente ao marido, Blanchett arranca a vassoura de sua mão. Stella (Robin McLeavy) então pergunta a ela:

- e quem vai limpar a casa, você?

a resposta é:

- eu?

e nesse “eu?”, largando a vassoura no chão, a atriz leva a platéia às gargalhadas como não se imaginaria possível em montagem de uma peça tão tradicionalmente densa e trágica como essa.

nesse exato momento, com uma pergunta de duas letras e um gesto preciso, Blanchett dá a dimensão e os limites de Blanche, define sua personagem em cena e esclarece para o público, extra-diegeticamente, o que ela está fazendo e o que ainda se pode esperar dela a partir dali.

efeito semelhante do domínio psicológico e físico que tem sobre si mesma – e sobre nós – é o momento em que, logo apos beijar um jovem entregador de jornal, ela manda-o embora dizendo “eu preciso ser correta... não posso mais por as minhas mãos em crianças”.

nada é possível para explicar o que ela faz com a palavra “crianças”.

e é preciso dizer que esse não é um trem com locomotiva vistosa e vagões irrelevantes. o elenco que acompanha Cate Blanchett (Joel Edgerton completa o trio central) é irrepreensível. o destaque absoluto sobre ela, portanto, vem não só de seu ‘star power’, da proeminência que seu nome adquiriu através do cinema. a montagem como um todo é clara em organizar os elementos dramáticos em torno da personagem Blanche Dubois, como se quisesse resgatar, em efeito, um dos títulos provisórios que Tennessee Williams chegou mesmo a dar para o texto (e que a diretora cita no programa): Blanche’s Chair In The Moon.

o olhar delicado e ao mesmo tempo impiedoso dessa direção de Liv Ullman representa, como se não houvesse esforço algum para isso, os personagens como animais, deixando evidente as motivações mais primitivas (ainda que sempre filtradas, ou quase, por suas psiques particulares) em seus atos. são seres humanos legítimos, esses em cena, com sua irracionalidade transbordando de seu auto-controle, tão naturalmente quanto a vida.

e Blanche, a luz ao redor da qual as mariposas voam (e The Moth foi o primeiro título que o autor deu à peça), é lâmpada e inseto, centro governante e objeto descontrolado ao redor de si mesma. em seus impulsos, em seus modos afetados, em sua sinceridade ingênua, no realismo que ela declaradamente recusa, porque prefere 'a mágica' e quer dar isso ao mundo e dele receber de volta, a personagem existe diante de nós como relâmpago de sensatez em meio à tempestade que ela mesma causa. como se, plenamente consciente de si e no controle da situação, ela possa (ou prefira) permitir que as coisas fluam (ou tentem fluir).

e cantando, dançando, vestindo-se, despindo-se, rindo, chorando, brigando, ludibriando, defendendo-se, flutuando sem jamais tirar os pés do chão, agradecendo e requisitando “gentileza”, Cate Blanchett é nunca menos do que esse assombro.

sentado na terceira fila e olhando para ela a uma distância que às vezes não ultrapassava alguns poucos metros, a sensação era a de que se deveria olhá-la para sempre, porque só isso poderia fazer sentido - e preencher o espírito de uma maneira devastadora.

nos últimos segundos, quando a luz se apaga sobre ela gradualmente, deixando escuros seus pés, joelhos, cintura, torso e por último seu rosto, dissolvendo-o como uma aparição, não resta nenhuma dúvida de que se trata de 3 horas das quais se sentir saudades infinitamente.



PS:

- Brooklyn, 11 pm, quase meio metro de neve nas ruas e a inclemência da tempestade ainda em ação. voltar para o hotel é uma aventura – e um preço baixo, diante da maravilha.

- na platéia, uma fila atrás de mim, Alec Baldwin (alo, alo, fãs de 30 Rock!). uma presença que, vamos não esquecer, traz em si labirintos de intertextualidade, já que ele foi Stanley Kowalski num filme para a TV, em 1995, ao lado de Jessica Lange (e deve ser um labirinto intricado, já que o Sr. Baldwin não retornou apos o intervalo – o que eu chamaria muito simplesmente de ‘inveja’).


20.12.09

Nova York - dia 2


MoMa.

pela manhã, pouco depois de sua abertura, o museu ainda é um lugar transitável. comprar tickets, deixar casacos, pegar o bloco de notas e subir direto para a exposição de Tim Burton.

logo na primeira parede, um moça tira os olhos dos desenhos expostos, direciona-os para mim e diz: "I had no idea he did all this".

nem eu. são dezenas e dezenas de desenhos agrupados sob o rótulo de Character Studies e divididos em 4 séries: girls, boys, creatures e miscelaneous.

em todos, o traço mais do que talentoso, o senso cromático explosivo e, acima de tudo, a imaginação feroz. dentre tantos, os melhores parecem ser aqueles que trazem nomes ilustrativos, capazes de amplificar alguns sentidos. tentem imaginar o que Burton pode ter desenhado sob os títulos "Complexo de Perseguição", "Esquizofrenia", "Adolescência, um Período Esquisito" e "Mickey Mouse Fora de Proporção", por exemplo.

é inteligência narrativa e um bom humor marcante, tão frequente quanto a pura fantasia e o fascínio pelo mórbido. dividida em períodos, a exposição mostra que Burton já era Burton desde cedo, o que é algo não só nada espantoso como simplesmente natural. Surviving Burbank (a cidade onde nasceu e passou a adolescência) cobre de 1958 a 1976, Beautifying Burbank vai de 1977 a 1984 e Beyond Burbank vai daí em diante.

vemos contos escritos a mão, listas de filmes anotadas em cadernos, curtas-metragens em 8mm feitos aos 14 anos de idade, estrelando a si mesmo e amigos em experiências rudimentares com stop motion. nesses filmes, um espírito inquisidor e ávido por contar histórias (em um deles, Burton e um amigo apostam corrida em carros imaginários, ele bate e seu corpo pega fogo; em outro, Burton é perseguido por uma almofada assassina), provando que a adolescência pode ser não o que o mundo faz de você, mas o que você faz daquilo que tem à mão.

prosseguindo, um poema sensacionalmente simples e divertido, chamado "The Blind Date" (em sua própria caligrafia), escrito aos 17 anos. curtas-metragens em 16mm, feitos aos 20. da faculdade, anotações de aula sobre Cézanne e a História da Arte. um primeiro livro infantil, chamado "The Giant Zlig" (ao lado da carta que ele mandou a uma editora, sugerindo publicação, e a resposta da mesma).

a seguir, uma série de cartoons ilustrando literalmente, com esperteza e humor ainda mais apurados, expressões da língua inglesa. numa sala improvisada com almofadas no chão, um especial para a TV baseado em "João e Maria".

daí pra frente, muitos rascunhos, desenhos e estudos dos longas metragens que viemos a conhecer e amar - além de bonecos usados como modelos e peças de figurino - e de todos os outros trabalhos seguintes, como o livro "The Melancholy Death of Oyster Boy", uma web-série baseada no mesmo personagem e uma coleção de polaróides artísticas, entre outras coisas.

para cinéfilos, a exposição é um banquete. e não porque repassa a obra de Burton, mas porque traz a público uma parte dela pouco ou nada conhecida.

saindo daqui, tem-se a impressão de que só fazer filmes é pouco demais para um cineasta.

*

com o tempo gasto em Burton, a visita ao museu que duraria metade de um dia já se anuncia como bem mais longa.

a outra exposição temporária em cartaz é Bauhaus 1919- 1933: Workshops for Modernity, que conta com detalhamento e exímia demonstração de exemplos a trajetória da mítica escola alemã.

aqui, em uma visita para mim altamente didática e recompensadora, vão-se mais algumas horas (e não poder comprar o catálogo, enorme e pesado, é uma grande frustração).

*

hora, portanto, de visitar o acervo permanente. a essas alturas, já é de tarde e multidões de pessoas não param de chegar.

entrando na seção Painting and Sculpture I, o visitante que esteja preparado: de cara, há Cézanne. a placidez de O Banhista é a primeira visão da sala, em meia parede defronte à porta. ao lado, Château Noir é um universo de meios tons entre o verde e o azul. para o Seraut de Evening, Honfleur, nem a moldura escapa ao labiríntico pontilhismo.

ainda na mesma sala, o congestionamento diante de The Starry Night comprova que essa é, mesmo, a Monalisa do MoMa. mas justiça seja feita: a tela de Van Gogh é um balé o qual olhos nenhum superam. e o Munch de The Storm invoca um latente senso de sobrenatural, uma sedutora atmosfera etérea e uma sensação misteriosa do exterior e da natureza como local do desprotegido e do inseguro.

na sequência, muitos e muitos Picassos. do figurativo de Boy Leading a Horse à revolução de Les Demoiselles d'Avignon, vemos paisagens, naturezas mortas e figuras humanas gradualmente perdendo a forma (ou adquirindo novas) - inclusive um Bather que ecoa o Cézanne da entrada.

Braque também vem contraposto, no estilo Fauve em Landscape at La Ciotat e retorcidamente cubista em Road Near L'Estaque e Man With a Guitar. de Matisse, La Japonaise é uma pequena surpresa - e surpresa é também achar a figura feminina em meio a pinceladas tão primitivas.

quando Umberto Boccioni afirma que "para pintar a figura humana deve-se não pintá-la", já que o movimento e luz tratam por si de destruir a materialidade dos corpos, não poderia haver ilustração mais perfeita para a teoria do que sua Dynamism of a Soccer Player, que, hipnotizante e caleidoscópica, torna-se um túnel retorcido de cores que atrai o próprio corpo de quem a vê.

Gustav Klimt, em The Park, consegue pintar todos os verdes do mundo e enquadrar o objeto retratado com surpreendente recorte de proporção. Kirchner pinta Street, Dresden, em 1908, como se usasse aqueles efeitos pré-configurados de fotografia chamado de pop art (ao menos no aplicativo Photo Booth, do Macintosh). na parede ao lado, uma inundação de cor no Chagall de I and the Vilage, no Kupka de Red and Blue Discs e no Delaunay de Simultaneous Contrasts: Sun and Moon.

em 9 telas reunidas em um mesmo espaço, Matisse vale mais do que toda a exposição armada em seu nome recentemente em São Paulo. Dance (I) é icônica e como que abraça o visitante com seu trabalhado senso de primitivismo. em The Red Studio o artista revisita a si mesmo, para em seguida desbundar a forma e a perspectiva em View of Notre Dame, The Rose Marble Table, Goldfish and Palette e The Piano Lesson.

mais Picasso, espelhando Three Women at the Spring em Three Musicians, e vice versa. mas nenhuma delas possui a beleza mansa e aguda de Pierrot. entre Mirós (de quem Hirondelle Amour é flutuante), Magrittes e Modiglianis, Picasso é mesmo o rei do MoMa. Girl Before a Mirror, por exemplo, quase sintetiza a coleção do museu, sendo tantos estilos ao mesmo tempo (alguém falou em pop art?).

há uma sala inteira de Mondrian para chegar em sua Broadway Boogie Woogie, síntese perfeita não só do geometrismo depurado do artista, mas também da cidade que retrata. ali perto, fica a mais famosa roda de bicicleta do mundo, por Duchamp, bem como o derretimento de A Persistência da Memória, que é Dalí demonstrando a força dos significados simbólicos ou como um título pode transformar uma obra.

(e meu deus, e como as pessoas tiram fotos em frente aos quadros, como se estivesem, digamos, em Times Square!)

caminhando para a conclusão do andar, um espaço dedicado à arte mexicana traz um Rivera figurativamente poderoso em Flower Festival: Feast of Santa Anita e Frida Kahlo na dor perene de Self Portrait With Cropped Hair, tela ao lado da qual um americano exclama "the movie was very good!". não era tanto, mas enfim...

nos domínios da seção Painting and Sculpture II, Max Ernts, Mark Rothko e Jackson Pollock. desse último, de quem uma memorável retrospectiva abrigada por esse mesmo MoMa dez anos atrás ainda soa retumbante na memória, uma sala com 8 embriagantes telas.

Jasper Johns brinca com imagens já conhecidas, fazendo vibrar a cor e ressignificando a iconografia. Map é um destaque.

Robert Rauschenberg faz Combines (mistura de pintura, escultura e instalação) dos quais Bed, de 1955, deságua no filme Unmade Beds, de 2009 - em sua esfera semântica, ao retratar a particularidade do indivíduo através do que o cerca e/ou pertence, e na linguagem, organizando-se por fusões de meios.

as sopas Campbell, de Warhol, expostas em "prateleiras", são ainda impressionantes.

saindo de tudo isso, no corredor de acesso, diante da escada rolante, são poucas as pessoas que notam a latente força dramática de Christina's World, de Andrew Wyeth.

um andar antes do térreo, uma breve exposição especial de seis Water Lillies, de Monet, são um paraíso para os olhos se perderem para sempre - fazem cócegas na alma, sério.

*

às 5 da tarde, o MoMa é um formigueiro e o oficial nazista que comanda a fila da chapelaria está constantemente a 1 segundo de bater em alguém.

*

troca de roupa para ir à ópera, no Metropolitan Opera House, Lincoln Center.



ELEKTRA

a música de Strauss, embora não traga células melódicas de tão fácil apreciação, é grandiloquente e poderosa. em um ato, essa é ópera que se apóia no carisma e força dramática de sua protagonista e Susan Bullock dá conta do recado, muito bem amparada por Debora Voigt.

a montagem, no entanto, pesa. seja na marcação de cena engessada e truncada, seja no cenário petrificado, feioso e nada conveniente à movimentação dos atores, a direção sufoca em vez de arejar. a trama adaptada da mitologia grega de fato retrata a liberdade cerceada e o espírito oprimido da personagem título, mas para que sua vivacidade sanguinária e vingativa ecoasse em todas as suas potencialidades cênicas, o pensamento teatral por trás dessa Elektra não poderia ser tão duro.

*

enquanto isso, na cidade, toda a mídia só fala mal de Nine.

19.12.09

Nova York - dia 1

não é preciso nem sair do carro para lembrar, 10 anos depois, que Nova York é a melhor cidade do mundo - ou ao menos a mais precisamente concebida e mantida para ser cidade, essa da potência e tamanho que é hoje.

faz frio, algo como 3 graus negativos. faz sol. o hotel é em localização excelente e a vista para o Parque que a janela de meu pai oferece dá mesmo a vontade de ficar sendo observada por horas.

preciso de um casaco e resolvo isso por um preço razoável e muita qualidade térmica. me transformo em outro, já aquecido, e podemos andar até o Rockefeller Center, ver e lembrar como as coisas - e o Natal, especialmente - funcionam por aqui.

almoço e uma caminhada até Times Square pra coletar os muitos ingressos de teatro para os dias vindouros. e Times Square, um assombro, de alguma forma resume o que é isso que chamamos civilização. em outras palavras (por mais cafonas que elas possa soar), aquela intersecção de duas avenidas sintetiza com clareza quão longe foi o ser humano em sua interferência nesse planeta e que tipo de coisas ele forjou para si mesmo.

*

não é que eu não planejasse intimamente isso há dias, mas passando em frente ao teatro que exibe Billy Elliot, decido entrar e inquirir sobre ingressos para dali a algumas horas. lugar na primeira fila lateral? vou levar.

volto ao hotel para um pequeno descanso, já que Billy me veria de novo, ou eu a ele. não cochilo porque não consigo programar o despertador, mas leio a Time Out.

com o corpo cansado e sem dormir direito há muitas horas, vou ao teatro.

vocês aí lembram como Billy Elliot moeu meu ceticismo lá em Londres, em maio?

pois não vou nem dizer que tudo se confirma: o teatro é a mídia definitiva para essa história, as emoções iluminam-se novamente como se fossem inéditas, é brilhante a maneira como se organiza um musical em torno de temas políticos, econômicos e sociais tão fortes sem que esse entorno interfira excessivamente na reluzente trama humana central, ao mesmo tempo que é absolutamente essencial a ela, a execução técnica das crianças é um negócio de outro mundo (o mundo do teatro realmente profissional), e há números que se poderia ver infinitamente, noite após noite:
- a graça delicada de Shine;
- a safadeza de Grandma's Song;
- a perfeição coreográfica e de justaposição musical e dramática de Solidarity;
- o fulgurante hino de liberdade e libertação que é Expressing Yourself; ("What the hell's wrong with expressing yourself?/ Being who you want to be?/ Will anybody die if you put on a dress? (...)/ If you manna be a dancer, dance");
- a emoção irrefreável de The Letter;
- a contagiante energia de Born To Boogie;
- a potência visual e emotiva de Angry Dance;
- a síntese perfeita de talentos que a bela Electricity demonstra em nome da peça inteira.

isso sem falar, ou repetir, que tudo tem a essência profundamente empolgante e comovente que justifica com que os musicais existam, pra começo de conversa. Billy Elliot é um acontecimento inigualável, uma obra de arte simplesmente irresistível e apaixonante.

e vê-la da primeira fila faz com que se perceba as pessoas fazendo seu trabalho, em vez de só vislumbrar o resultado dele. Trent Kowalik, o Billy da vez, é tão genial quanto qualquer um desses garotos ridiculamente bem treinados para estar ali fazendo o que fazem, e deixa as centenas de pessoas do público irremediavelmente boquiabertas - ao fim de Electricity, faz parar o show para receber aplausos da platéia de pé.

no fundo, o motivo pelo qual cada um dos espectadores vê despencar suas defesas e disparar sua empatia, emoção e envolvimento é que todos nós queríamos ser Billy Elliot.

ou, antes, todos nós, naquele momento, queríamos ser Trent Kowalik.


14.12.09

O MELHOR DO TEATRO EM 2009




Foram 86 peças vistas em palcos paulistanos. A maioria estreadas na cidade esse ano, outras “repescadas” do ano anterior. Algumas montagens originais, outras que já haviam feito temporadas em seus estados de origem. Para completar, algumas produções estrangeiras, reflexo de iniciativas como “América em Recortes – o Teatro Chileno Em Evidência” e o Ano da França no Brasil.

Em algumas categorias aleatórias e refletindo absolutamente nada além do gosto e da apreciação subjetiva desse signatário, seguem os melhores do teatro em 2009, acompanhados de alguns apontamentos esparsos.


  • Foi um grande ano para atuações femininas, em papeis coadjuvantes e protagonistas. Especialmente as duas atrizes empatadas como melhores, vale dizer, foram simplesmente arrebatadoras, inacreditáveis, de tirar (todo) o fôlego.

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Camilla Amado, Sonho de Outono

  • Clarice Abujamra, As Meninas

Luciana Carnieli, em Vestido de Noiva

Sabrina Kogut, Avenida Q


MELHOR ATRIZ

  • Andréa Beltrão, As Centenárias

Betty Faria, Shirley Valentine

Cássia Kiss, Zoológico de Vidro

Dominique Blanc, La Dolleur

  • Gisele Fróes, Rock’n’Roll

Lavínia Pannunzio, Honey


  • Não foi um grande ano para atuações masculinas. Atores veteranos mostraram o que já sabíamos que eles podiam fazer, enquanto outros foram além do que poderíamos esperar. Mas não lembro de ter sentido-me realmente embasbacado pelo trabalho de um ator da mesma forma que determinadas atrizes foram capazes de fazer.


MELHOR ATOR COADJUVANTE

Fred Silveira, Avenida Q

Marcelo Andrade, Memória da Cana

  • Oscar Saraiva, Hamelin

Sidney Santiago, Ensaio Sobre Carolina


MELHOR ATOR

André Dias, Avenida Q

Chico Carvalho, Réquiem

Felipe Rocha, Ele Precisa Começar

Luis Mármora, Gardênia

Otávio Augusto, Rock 'n' Roll

  • Sérgio Britto, A Última Gravação de Krapp/ Ato Sem Palavras I


MELHOR ESPETÁCULO

As Centenárias

La Dolleur

Escuro

  • Neva

Rock 'n' Roll

Zoológico de Vidro


PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI

  • As Centenárias, pelos inúmeros prazeres do espetáculo como um todo, com ênfase no belo texto de Newton Moreno e na sempre criativa e surpreendente mão do diretor Aderbal Freire Filho;
  • Escuro, pelo frescor, pela delicadeza do bordado humano empreendido por um elenco coral e reluzente e pela inteligência estética da cenografia, luz e principalmente da direção.

  • Quartett, pelo gigantismo, pela força incontornável dos protagonistas e da encenação, pela magnanimidade, enfim.
  • X Moradias, por ser um evento de vivência teatral realmente inigualável;


MENÇÕES HONROSAS

  • para a sintonia, o explosivo talento e a afinação precisa entre Paula Zúñiga, Trinidad González e Jorge Eduardo Becker, elenco de Neva e Diciembre.
  • para Hamlet-Máquina, pela improvável e certeira fusão de talentos cênicos que empreendeu;

  • para o verdadeiro gênio cômico de Marcelo Médici, descoberto com atraso em O Mistério de Irma Vap.

  • para a estatura de Fernanda Montenegro e tudo o que representa, na história da arte brasileira e dentro de nós, vê-la atuar em Viver Sem Tempos Mortos.

  • para a concepção e execução cenográfica de Memória da Cana.
  • para a experiência sentimental elevada a outro patamar, a partir do manto do ‘documentário cênico’, por Janaína Leite e Felipe Teixeira Pinto em Festa de Separação.

  • e para dois espetáculos de anos anteriores, mas que tiveram suas muitas qualidades descobertas somente nesse: Cachorro Morto e Palhaços.

OUTRAS COISAS REPLETAS DE SEUS PRAZERES

  • o desabuso de Avenida Q, com atores de musicais que são atores de verdade;
  • a brejeirice doce e irresistível de Dona Flor e Seus Dois Maridos;
  • a sensibilidade e a linguagem de cena poética de Gardênia;
  • o jogo cerebral e meta-teatral de Hamelin;
  • a concisão de Natureza Morta, levada pela entrega da atriz Anna Cecília Junqueira;
  • a dobradinha de Juliana Galdino em O Quarto e Comunicação A Uma Academia;
  • a potência da verdade sem disfarces de Julia Lemmertz em Maria Stuart.