26.10.09

Mostra - dia 3: três filmes muito consistentes (entre eles uma obra prima) e um desastre

25/10/2009


Vício Frenético
, de Werner Herzog (EUA)
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Não conheço o filme de Abel Ferrara do qual esse supostamente seria uma refilmagem, mas o trabalho que Herzog faz aqui é sem dúvida pleno de viço. Apesar de se tratar de uma história através da qual é difícil sair impune à sensação de já tê-la visto várias vezes, não se nega a força com que é contada e transmitida - apesar de uma ou outra escolha do diretor não se concretizar claramente, a meus olhos. Minha birra eterna com Nicolas Cage não permite que eu o acompanhe (e o filme o acompanha 100% do tempo) sem a sensação da canastrice latente e a vontade de que qualquer outro ator realmente bom estivesse em seu lugar, mas ele não afunda o filme nem prejudica-o seriamente.















A Fita Branca, de Michael Haneke (ÁUSTRIA, ALEMANHA, FRANÇA, ITÁLIA)
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Haneke vale cada milímetro daquela Palma de Ouro. Um denso, profundo, angustiante e hipnotizante estudo sobre forças do bem e do mal, castrações pessoais, religião como irrestrita propagadora de obscurantismos nojentos e dominação psicológica, família como um grupo de pessoas impondo superioridades deturpantes e até controle econômico, exploração e controle econômico puro e simples, vinganças e ressentimentos, as (muitas) coisas ruins da nossa cabeça. Uma encenação rigorosa em todos os aspectos (de onde, meu deus, saíram aquelas crianças??!!) que trabalha as forças ancestrais da dramaturgia como reflexo do mundo e dos seres, espelho da moral (em seu sentido mais amplo). O peso e gravidade das situações foge ao fatalismo simples na medida em que concentra seu foco na ação dramática (e elas, sim, explodem seus muitos sentidos) e evita, através de sua própria linguagem, um julgamento autoral exterior. Haneke pendura o público na trilha de um mistério e subverte suas expectativas demonstrando que a essência está no processo. Obra de um autor com abissal domínio, filme a se voltar algumas vezes, enfim.















Amreeka, de Cherien Dabis (EUA, CANADÁ, KUAIT)
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Olhar expositivo sobre questões ditas contemporâneas, dentro de um contexto sócio-político recente. A opção pelo foco na família como motor da trama, girando em torno dos embates culturais, preconceitos e intolerâncias, percalços econômicos e pessoais de um mundo globalizado etc, raspa em dezenas de clichês e filma um roteiro escrito dentro do que se poderia entender como uma bem pautada cartilha. Mas existe a sinceridade, a generosidade e o calor que justificam o filme e o iluminam. Não é grande obra, está claro, mas é uma obra abarcadora. E que sabe encaminhar-se sem danos e com alguma sensibilidade.

(Do universo sombrio de A Fita Branca para cá - ainda que Amreeka não seja um filme sobre pessoas felizes, fique dito -, a sensação é de elevar-se do mais rigoroso inverno a um dia outonal de sol.)


Daniel e Ana, de Michel Franco (MÉXICO, ESPANHA)
[zero]
É curioso e absolutamente sintomático que o narrador de A Fita Branca comece o filme dizendo algo como "não sei se essa história que vou contar é verídica..." e que Daniel E Ana estampe sem medo uma cartela que diz que a história a ser narrada deu-se exatamente como será relatada a seguir, tendo somente os nomes dos personagens sido trocados. Expediente que resulta pior para o realizador, muito pior para nós, público - tente imaginar uma voz eletrônica que lesse sem nuances ou emoção um relato e pode-se calcular mais ou menos como se dá a organização narrativa desse filme. Parece haver uma opção radical pela "não autoralidade", como se os aspectos de linguagem (visual e dramatúrgica, principalmente) não devessem obstruir a suposta magnitude (e a possível dose de polêmica) dos acontecimentos verídicos por si. O resultado é um filme natimorto, onde nada possui qualquer existência cinematográfica, especialmente no que diz respeito ao drama, que não se impõe ou é transmitido com qualquer teor, sequer por um segundo. O cinema é o cinema, enfim, porque faz uso da dramaturgia e da linguagem. E se pode haver uma utilidade para essa chatice toda é a comprovação cabal da máxima que diz que as histórias não precisam ser reais, devem ser verdadeiras.

PS: Para completar o pacote, a projeção digital com que o filme foi apresentado era abaixo de qualquer parâmetro aceitável - podre, para dizer o mínimo. Parabéns à Rain pela sua existência, mais uma vez.

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