27.10.09

Mostra - dia 4: (des)caminhos suecos e ações dramáticas não convencionais

(26/10/2009)


Esburacando
, de Henrik Hellstrom (SUÉCIA)
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Numa Suécia suburbana, em um condomínio residencial cercado por paisagens naturais, um garoto pré-adolescente observa e narra a vida de seus vizinhos. A colocação da natureza como um ideal (e até uma entidade) maior e a possível força redentora que ela exerce sobre os seres humanos raspa, por exemplo, nos filmes de Terrence Malick. Pouca coisa acontece episodicamente, com desenvolvimentos de trama muito discretos e sutis (ou vazios?). Personagens pouco felizes desdobram vidas que vão se mostrando pouco equilibradas, com muitas sequências digressivas de imagens embaladas por uma música quase sacra, retratando a tal comunhão homem/ Terra. Ironicamente, vem à cabeça, com força, o filme Falkenberg Farewell, de Jesper Ganslandt, diretor de O Primata, a ser visto em seguida. Mas se aquele era um filme belo em sua observação contemplativa, logrando uma aproximação real ao espírito dos personagens, esse aqui esboça a sensação de belezas e sutilezas, mas não tardamos a lembrar que é somente um tanto aborrecido. Mas sueco.

Uma Solução Racional, de Jörgen Bergmark (SUÉCIA, FINLÂNDIA, ALEMANHA, ITÁLIA)
Quem viu, até gostou. Eu dormi (e isso não diz nada sobre o filme em si).















O Primata, de Jesper Ganslandt (SUÉCIA)
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Com uma proposição dramática senão inédita ao menos rara, Jesper Ganslandt faz um filme pungente, tenso, poderoso. Essa Suécia é urbana e a pergunta é: o que acontece na vida de um suposto assassino nas horas que imediatamente se seguem ao crime? Com uma encenação precisa de pequenos acontecimentos envoltos na grande sombra da tragédia, o filme desenvolve gradualmente uma inacreditável força e faz um estudo angustiante de uma mente criminosa a partir do muito pequeno. Esqueça a espetacularização de um Hannibal Lecter, por exemplo. Não há qualquer glamour ou estetização ou discursos morais que saiam da boca dos pesonagens. Não há nem poeira de maniqueísmo - e isso é mais desnorteante do que possa parecer, colocando o espectador em uma posição legitimamente ambígua. Não há uma organização narrativa em busca de respostas, há, sim, uma câmera literalmente perseguidora colhendo restos e agigantando, através de circunstâncias expostas de forma muito acurada, plenamente cinematográficas, os atos que poderiam ser os mais banais - e, daí, dezenas de significados, perguntas e respostas embaralham-se e estimulam. Um grande ator carrega essa jornada e faz do filme a primeira jóia escondida dessa Mostra e de Jesper Ganslandt um diretor a definitivamente se prestar atenção.

Katalin Varga, de Peter Strickland (HUNGRIA, ROMÊNIA)
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Infelizmente, Katalin Varga sofreu as dores do contexto em que foi assistido. Ainda sob o impacto de O Primata, foi necessária, devido ao horário, uma corrida rua Augusta acima que exauriu a mim e a meus acompanhantes. Sem fôlego físico (e ainda com sono), o filme presente trancorria enquanto as cenas e implicações do anterior ecoavam na cabeça. Não obstante, a maneira como, aqui, a trama de vingança é proposta e as relações nuançadas, nada óbvias e estranhamente críveis que algoz e vítima (bem como aqueles à sua volta) estabelecem me parecem o cerne recompensador de mais uma estrutura dramática que foge às convenções. A se reter, também, algumas belas cenas.

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