não é preciso nem sair do carro para lembrar, 10 anos depois, que Nova York é a melhor cidade do mundo - ou ao menos a mais precisamente concebida e mantida para ser cidade, essa da potência e tamanho que é hoje.
faz frio, algo como 3 graus negativos. faz sol. o hotel é em localização excelente e a vista para o Parque que a janela de meu pai oferece dá mesmo a vontade de ficar sendo observada por horas.
preciso de um casaco e resolvo isso por um preço razoável e muita qualidade térmica. me transformo em outro, já aquecido, e podemos andar até o Rockefeller Center, ver e lembrar como as coisas - e o Natal, especialmente - funcionam por aqui.
almoço e uma caminhada até Times Square pra coletar os muitos ingressos de teatro para os dias vindouros. e Times Square, um assombro, de alguma forma resume o que é isso que chamamos civilização. em outras palavras (por mais cafonas que elas possa soar), aquela intersecção de duas avenidas sintetiza com clareza quão longe foi o ser humano em sua interferência nesse planeta e que tipo de coisas ele forjou para si mesmo.
*
não é que eu não planejasse intimamente isso há dias, mas passando em frente ao teatro que exibe Billy Elliot, decido entrar e inquirir sobre ingressos para dali a algumas horas. lugar na primeira fila lateral? vou levar.
volto ao hotel para um pequeno descanso, já que Billy me veria de novo, ou eu a ele. não cochilo porque não consigo programar o despertador, mas leio a Time Out.
com o corpo cansado e sem dormir direito há muitas horas, vou ao teatro.
vocês aí lembram como Billy Elliot moeu meu ceticismo lá em Londres, em maio?
pois não vou nem dizer que tudo se confirma: o teatro é a mídia definitiva para essa história, as emoções iluminam-se novamente como se fossem inéditas, é brilhante a maneira como se organiza um musical em torno de temas políticos, econômicos e sociais tão fortes sem que esse entorno interfira excessivamente na reluzente trama humana central, ao mesmo tempo que é absolutamente essencial a ela, a execução técnica das crianças é um negócio de outro mundo (o mundo do teatro realmente profissional), e há números que se poderia ver infinitamente, noite após noite:
- a graça delicada de Shine;
- a safadeza de Grandma's Song;
- a perfeição coreográfica e de justaposição musical e dramática de Solidarity;
- o fulgurante hino de liberdade e libertação que é Expressing Yourself; ("What the hell's wrong with expressing yourself?/ Being who you want to be?/ Will anybody die if you put on a dress? (...)/ If you manna be a dancer, dance");
- a emoção irrefreável de The Letter;
- a contagiante energia de Born To Boogie;
- a potência visual e emotiva de Angry Dance;
- a síntese perfeita de talentos que a bela Electricity demonstra em nome da peça inteira.
isso sem falar, ou repetir, que tudo tem a essência profundamente empolgante e comovente que justifica com que os musicais existam, pra começo de conversa. Billy Elliot é um acontecimento inigualável, uma obra de arte simplesmente irresistível e apaixonante.
e vê-la da primeira fila faz com que se perceba as pessoas fazendo seu trabalho, em vez de só vislumbrar o resultado dele. Trent Kowalik, o Billy da vez, é tão genial quanto qualquer um desses garotos ridiculamente bem treinados para estar ali fazendo o que fazem, e deixa as centenas de pessoas do público irremediavelmente boquiabertas - ao fim de Electricity, faz parar o show para receber aplausos da platéia de pé.
no fundo, o motivo pelo qual cada um dos espectadores vê despencar suas defesas e disparar sua empatia, emoção e envolvimento é que todos nós queríamos ser Billy Elliot.
ou, antes, todos nós, naquele momento, queríamos ser Trent Kowalik.
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