28.6.05

buenos aires

Tudo em Buenos Aires remete a "Felizes Juntos" - até o que em nada remete.

Ao sentimento avassalador de plenitude cinematográfica alcançado por Wong Kar Wai num retrato estupendo do amor.

A tangos na cozinha.

A tangos em geral, essa música tão fantástica em sua beleza dilacerante.

A Cataratas do Iguaçu despencando como se dançassem Caetano Veloso ("rio que perde o chão é catarata", hem?!)

A extremo opostos.

Ao afeto e à repulsa que se encerram em peitos juvenis explodindo de sentimento.

Ao fim do mundo e seus sons. O que haverá lá?

Ao desterro.

À volta pra casa.

À procura por uma casa.

Às casas tão sólidas que encontramos ou construímos no corpo de outros, na alma de outros.

À dor.

Às cores, aos grãos, às câmeras lentas.

A Astor Piazolla, Frank Zappa, Cucurucucu Paloma e So Happy Together.

À plenitude e ao vazio.

Ao amor, enfim.

21.6.05

fim de semana

PREFÁCIO

Antes mesmo do fim de semana chegar, “O Guia do Mochileiro das Galáxias”. Humor que varia do nonsense ao ácido, o filme é uma surpresa a cada curva de sua viagem alucinante. Há gorduras aqui e ali e pequenas derrapagens de roteiro, mas nada que anule a extrema diversão e a reconstrução visual de um universo ficcional delirante e delicioso. Para se ver com um baldão de pipoca (como eu, de fato, fiz) e surpreender-se em descobrir que esse não é só um entretenimento ligeiro. Vá de olhos, ouvidos e senso de humor abertos.


CAPÍTULO 1

O cinismo de Sergio Bianchi faz com que enxerguem nele um delegado das mazelas nacionais na mesma medida em que se vê um hipócrita francamente apelativo e raivoso. Não vou ficar de nenhum dos lados. “Quanto Vale ou É Por Quilo?” caminha bem, até. Tem bons atores e algumas linhas de trama bem encenadas, como possui diálogos e situações quase risíveis. Surpreende, às vezes, entedia, noutras. É bom que exista, é bom que se veja, porque é filme que desperta o pensamento e o senso crítico, nem que seja na anti-tese – ou, especialmente nela, tanto ética quanto esteticamente.

Não se pode acreditar cegamente no que Sergio Bianchi grita. Mas é sempre interessante rebater as bolas que ele levanta. Leve a percepção com você e vá pronto pra briga.


CAPÍTULO 2

“Contracorrente” não é o bom filme que parte da crítica quer fazer crer. Sua estética exibicionista não justifica-se sob nenhum ponto de vista e sua veia dramática, supostamente contundente, titubeia demais. A narrativa esvazia-se em seqüências intermináveis e tolas de um jogo de gato e rato, esquecendo-se de dar corpo e substância ao por momentos envolvente drama trágico de dois jovens meninos. É o cinema independente americano querendo ser forte, mas falhando na tentativa.

Para falar a verdade, não precisa ir ver.


CAPÍTULO 3

Denise Stoklos é uma artista. Desenvolveu uma persona, estabeleceu uma linguagem, aperfeiçoou uma técnica. Cria expectativas sempre, e sempre as mesmas expectativas. E isso não é ruim, nunca. Vai-se assistir aos espetáculos de Denise Stoklos querendo ver exatamente Denise Stoklos e aquilo de que sabemos muito bem que ela é capaz muito bem. A curiosidade é sempre saber o que Stoklos fez com determinados temas, como ela colocou sua sensacional arte de atriz-performer-comediante-pensadora a serviço de determinado assunto, ou determinado universo pessoal.

Ou, no caso, como Denise Stoklos encontrou Louise Bougeois – ou o que saiu desse encontro.

Muito. “Louise Bourgeois – Faço, Desfaço, Refaço” é um vulcânico e delicado olhar de uma mulher sobre outra, ambas artistas plenas de suas artes. Ao dar corpo, forma e voz às inquietações existenciais, às lembranças infantis e maltratadas de Louise, bem como aos seus anseios estéticos e a alguns breves momentos de sua vida, Denise Stoklos faz, desfaz e refaz tudo ao mesmo tempo agora. Há desespero e poesia e desalento e dor e comédia e lucidez e loucura e arte. Inclusive materialmente falando, em três belíssimas esculturas-instalações de Borgeois que ocupam o palco.

Como um instrumentista hábil em seu violão, por exemplo, e capaz de tirar dele todos os sons possíveis sem que aquilo jamais deixe de ser um violão, a artista Denise Stoklos reinventa-se e alterna-se sendo sempre a mesma, a espetacular mesma. Aqui, mas uma vez, ela não deixa pedra sobre pedra.

Vá vê-la com todos os canais da percepção sintonizados na generosidade da fruição.


CAPÍTULO 4

“Clean” valeria uma visita simplesmente pelo seu jogo de câmera mesmerizante. Mas, por sorte, há muito mais. Há Maggie Cheung, despindo-se da beleza intocável com que (com razão) os cineastas orientais recentemente a retrataram e colocando a cara a tapa em uma personagem maltratada. Maggie interioriza-se em sua resignação e em sua luta paciente pela reconstrução da vida. Seus momentos sublimes estão nos pequenos olhares, nas respirações.

E o filme conta de forma pra lá de competente uma bela e singela história, que tem prazer em desenvolver-se sem pressa e sem arroubos. É admirável como o diretor Olivier Assayas estrutura essa trama de quedas livres e re-erguimentos sem histeria, sem queda livre. Há muito equilíbrio estético e narrativo emoldurando lutas quietas e ferrenhas, convulsão interna e perspicácia. “Clean” é um filme sobre o aspirador que silenciosamente e persistentemente vem recolher os escombros da avalanche da vida.

Veja com atenção.


FIM DO FIM DE SEMANA.

13.6.05

CINEMATOGRÁFICAS 7 + PRIMEIRAS VEZES

“Tentação” é uma chatice só: mal escrito e mal interpretado por bons atores.

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“A Vida Marinha com Steve Zissou” é Wes Anderson usando truques já consagrados a serviço de um besteirol. Todo o inusitado e a estranheza que eram frescor em “Três É Demais” e “Os Excêntricos Tenembauns” soam, aqui, caducos. O roteiro tergiversa, tropeça e não chega a nada. E, antes que isso pareça uma cobrança de linearidade ou sentido, vale dizer que tampouco a trama vale pela jornada, por aquilo que engendra em seu caminho. Não custa muito para a prolixidade se fazer sentir e para tudo começar a ficar um tanto o quanto chato.

Cate Blanchett está lá. Bill Murray também. Mas eles não são o suficiente.

“A Vida Marinha...” ser um filme bem mais vazio e bem menos interessante em sua matéria humana e narrativa do que suas obras anteriores não significa necessariamente que Wes Anderson tenha pegado um caminho sem volta. Há lampejos fortes e claros de invenção e talento. Mas o todo não funciona.

O que só nos deixa bastante ansiosos por seu próximo filme.

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Patrice Chéreau é um cineasta da crueza. Seu cinema, desde pelo menos o anterior “Intimidade”, parece especialista em mostrar. Não há truques, excessos, apelos. O cinema, em Chéreau, vira documentação, sem jamais querer gritar “eu sou cinema”. O prazer estético, se há, vem da ética, porque são as entranhas humanas que importam, são o drama e seus personagens que movem a narrativa – a câmera está a serviço disso, e não importa muito se há foco ou se o plano é suficientemente atraente. O que não é nada surpreendente, tendo Patrice Chéreau o histórico de encenador teatral que tem.

“Irmãos” pega a toada de “Intimidade” e, num batimento sufocante de tão real, registra a morte. Ou, antes, a perplexidade diante do desconhecido, a luta de um ser humano contra seu próprio corpo. E que essa luta tenha desdobramentos nas relações pessoais e na posição mundana ocupada por esse corpo é apenas o natural.

“Irmãos”, vale dizer, é áspero. Afasta, assusta, incomoda. Faz opções pouco óbvias, mas que se encaixam. Cresce depois que acaba. E, como todo mundo sabe, isso é característica da boa arte.

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Estão em cartaz na cidade dois dos melhores filmes já feitos:

No recém-inaugurado Reserva Cultural, que promete ser um oásis de bom cinema ali no coração da Paulista, no prédio da Gazeta, pode-se ver “Amor à Flor da Pele”, de Wong Kar-Wai.
A dez passos dali, no vizinho Top Cine, assiste-se à “A Liberdade É Azul”, de Krzysztof Kieslowski.
Pra quem não viu ou não conhece, vale um mês inteiro de cinema. Ou um ano todo.

PS: Pela delícia dos cinemas de rua, pela delícia da avenida Paulista, pela delícia da Fnac ali logo em frente, pela delícia de salas novas e bem equipadas, pela principal delícia, a de uma programação de qualidade, e apesar do preço salgado e de ainda não conhecer pessoalmente o local, estamos torcendo desde já, com entusiasmo, pelo Reserva Cultural.

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PRIMEIRAS VEZES

Jamais achei que fosse não gostar de um filme de Woody Allen.

Há uma série de diretores de cinema que considero mais geniais do que Woody Allen. Há uma série deles que impulsionaram o cinema como arte de formas bem mais densas e importantes do que Woody Allen. Há cineastas com conjuntos de obras que fizeram uso das possibilidades da imagem em movimento de formas bem mais espetaculares do que Woody Allen. Numa lista de meus 10 filmes preferidos é possível que talvez nem houvesse um Woody Allen.

Mas, por algum motivo, Woody Allen mexe comigo como nenhum outro. Por algum motivo, me identifico com Woody Allen como com nenhum outro. Sofro com Woody Allen, torço por Woody Allen, penso que ele faz os filmes dele para mim.

Woody Allen dirigiu 36 filmes em 39 anos de carreira. Deles, assisti a 29. São 29 ótimos filmes, sem exceção. Há as obras primas, há os excelente e há os apenas ótimos. Mas jamais achei que fosse não gostar de um filme de Woody Allen.

O protecionismo, os anos de paixão cultivada e a identificação fazem com que eu não consiga dizer que “Melinda e Melinda” é ruim. Mas não é bom.

“Trapaceiros” foi o último filme excelente de Allen. Depois dele, “O Escorpião de Jade” foi divertidíssimo, “Dirigindo no Escuro” foi acima da média dos filmes em geral, mas “Igual a Tudo na Vida”, apesar de uma boa história muito bem contada, demonstrava uma preguiça com determinados aspectos do fazer cinematográfico, como com a fotografia, por exemplo. Woody parecia estar ficando preguiçoso.

E essa preguiça se consuma de forma triste, muito triste, em “Melinda e Melinda”. Porque a premissa do filme é incrível, mas seu desenvolvimento em roteiro passa longe da capacidade de reinventar, parodiar e subverter fórmulas narrativas de Allen. E, mesmo que não fosse essa a proposta, passa longe da competência habitual de simplesmente contar uma história, da dramaturgia tinindo de boa, dos diálogos afiados e inigualáveis, dos personagens memoráveis que são prato cheio para atores fenomenais. Passa-se longe de tudo isso.

O ritmo capenga, há cenas de um estranhamento que beira a incompetência em termos dramáticos, os planos estão decupados com desleixo e a câmera está preguiçosa. A ida e vinda entre a tragédia e a comédia não se consumam, não aparecem costurada de forma a justificar essa opção narrativa. Estão ali dois filmes distintos, sem que eles conversem propriamente, ou sem que se faça presente qualquer jogo cinematográfico que abrilhante ou mesmo sustente a proposta. E são dois filmes simpáticos, na melhor das hipóteses.

E, por incrível que pareça, ri-se muito pouco.

Resumindo, “Melinda e Melinda” é triste de ver. Porque passa a sensação de que Woody Allen o fez em piloto automático, sem a paixão que tão freqüentemente extravasa de suas obras.

Ou então Woody Allen fez um estudo aguçado de como construir a tragédia e a comédia, e confundiu a platéia que esperava mais uma comédia “nonsense”, como vinham sendo seus últimos filmes. Mas aí suspeito que já é a condescendência de fã incondicional entrando em cena. Paro por aqui antes que retire tudo o que disse.

PS: Estreado no Festival de Cannes desse ano, “Match Point”, o último filme de Woody Allen, recebeu acolhida calorosa até mesmo dos que já estavam incrédulos com o diretor depois de “Melinda e Melinda”. O que só nos faz não ver a hora de assistir ao filme.