28.12.07

enquanto ainda dá tempo

Entra ano, sai ano, não adianta – a insanidade toma conta completa dos distribuidores de filmes nos meses de novembro e dezembro, com 6, 8, às vezes 10 lançamentos por semana (!!), muitos deles de certa importância.

Nesta penúltima semana de 2007, por exemplo, chegaram aos cinemas de São Paulo nada menos do que 11 filmes simultaneamente, sendo dois infantis brasileiros com lançamentos grandes e 7 produções “de arte” – ou seja, disputa-se em tempos ruins um público que já não é grande. O resultado, ainda mais em época sabidamente de recesso coletivo, é não só pouquíssima gente nas salas mas também a perda de um público grosso modo cativo.

Antes que o ano termine e venha uma lista de “melhores de 2007” (já que esse blog não é imprensa, não assiste a cabines e não pode, de maneira alguma, ser justo consigo mesmo fazendo uma lista antes que Em Paris, por exemplo, com estréia programada para amanhã, 28/12, seja visto), vejamos o que há pra se notar por enquanto:



O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford poderia e deveria ter 1 hora a menos. E isso não é estultice daqueles que perderam a capacidade de concentração. Ademais, é mais do que evidente que foi dirigido por alguém (Andrew Dominik) que viu e gostou muito dos filmes de Terence Malick (Dias de Paraíso, Além da Linha Vermelha), porque há aqui, como lá, uma tentativa de fotografia (no sentido cinematográfico mesmo do termo) espiritual do caráter, um tempo de observação que aspira a um certo sublime. Pode valer um Oscar de ator coadjuvante a Casey Aflleck, que será algo honesto, e, a despeito de sua excessividade contemplar um vazio narrativo, sua meia hora final eleva-se portentosa e deixa fortes marcas.


Sombras de Goya é chatiiiiinho... Alguns críticos querem ver um libelo e um filme poderoso onde só há mesmo um narrativa desencontrada, um Javier Bardem de maneirismos e caretas risíveis e um determinismo moral de arrepiar a espinha. Longe, muito longe do sentido de espetáculo humano que Milos Forman já conseguiu em Amadeus.


O Sobrevivente é um Werner Herzog discursivo, querendo afirmar que a liberdade pode ser alcançável até pelo sacrifício e que a esperança é mesmo a última que deve morrer. E para ser veemente, não economiza nas apoteoses dramáticas regadas a muita trilha sonora triunfante e filma ao modo classicamente convencional uma história de provações e persistência que, somos capazes de jurar, já vimos umas 20 vezes.


Bee Movie – a História de Uma Abelha é um filme de um Jerry Seinfeld rendido. Porque existe ali uma faísca do humor ácido e espantosamente observacional que marcou sua brilhante série de televisão, mas não existe chance de ele sobressair-se em um filme que se curva servente à “jornada do herói”. E não adianta: parece que nunca haverá uma animação que saiba unir o convencionalismo da estrutura narrativa necessária para agradar à massa com o tempero da excelência intelectual e estética da forma como o fez Procurando Nemo. (Alguém aí sussurou Ellen DeGeneres?)


Crimes de Autor é legal.


Garçonete sobrevive de um fiapo de integridade emocional que Keri Russell tenta impor à protagonista, lutando contra toda sorte de babaquices e lugares-comuns rasteiros com que o roteiro a massacra impiedosamente. Só mesmo a morte da diretora em circunstâncias misteriosas (um suicídio que depois virou assassinato) explica a simpatia crítica que o filme recebeu em sua terra natal. (Ademais, quem ainda precisa justificar a burrice dos críticos norte-americanos?)


No Vale Das Sombras é um filme dirigido por Paul Haggis. E isso o define melhor do que qualquer outra coisa. (Mas, para quem ainda precisa entender melhor, trata-se de um roteiro que se estrutura da forma mais óbvia possível e que, transposto para a tela, passa duas horas reiterando e ilustrando suas obviedades, sem espaço algum para sutilezas ou algo que se possa remotamente chamar de perspicácia narrativa – ou, pior, é um filme que se crê de perspicácia narrativa exemplar e por isso mesmo é odiável. Nem mesmo Charlize Theron, no que é talvez a atuação mais honesta de sua carreira, nem Tommy Lee Jones, convertendo a habitual canastrice em uma canastrice contida, salvam.)


Across The Universe é o naufrágio de sua diretora, Julie Taymor. Quando as coisas ali podem talvez tornarem-se cafonamente adoráveis ou exageradamente encantadoras, tudo passa do limite do limite. Nem entremos nos méritos de uma história que é um anti-roteiro, ou antes um arremedo de trama, uma desculpa minimamente palpável para o enfileiramento de videoclipes. Cheira a filme que daqui a 10, 15 anos, tornar-se-á cult. E quem sabe venhamos a apreciá-lo.


Novo Mundo é simplesmente um dos melhores filmes desse ano ou dessa década, ou jamais feitos sobre o tema que aborda. É o máximo que se pode querer em elaboração visual e dramática, de um cineasta em domínio de sua arte, levando público junto dele em uma mesmerizante viagem. (Mas ao filme voltaremos mais tarde.)


Os Donos da Noite é envolvente, competente, bem urgido. Mas mais e melhores filmes já se fizeram com a mesma noção de fidelidade, honra e glória familiar no mundo do crime.


Conduta de Risco é um daqueles thrillers que só a máquina hollywoodiana sabe fazer desse jeito. Pode valer um Oscar a George Clooney que ele não merecerá (está bem, é certo, mas sabemos que há melhores), mas vale duas horas de suspense psicológico dos mais eficazes – e aquele eterno regozijo da deliciosamente maniqueísta luta entre gigantes do mal e nanicos do bem. Tom Wilkinson enlouquece com classe e Tilda Swinton é dona de uma eletrizante cena final que, essa sim, lhe vale prêmios.


Quem foi mesmo que achou A Vida dos Outros uma obra-prima?! É quase um anti-Conduta de Risco, um thriller como os europeus teimam em fazer, em que os mecanismos da narrativa são escravos de uma mensagem política ou humanista que deve vir primeiro e que os sacrificam, portanto. Se Conduta fecha forma e conteúdo numa só unidade, A Vida balança entre ambos, perdendo um pouco da consistência de sua construção. É como se fosse estabelecido um ponto de chegada a priori, para o qual toma-se um caminho nem sempre muito bem pavimentado – e o problema maior é essa lógica deixar-se notar. Mas há um grande ator e não se pode negar que, diferentemente do que ocorre nos filmes de Paul Haggis, a mensagem ecoa com certa força.


Viagem a Darjeeling é emocionante e envolvente e irresistível. Isso é tudo que o blogueiro pode dizer sem revê-lo.


Lady Chatterley possui a inestimável qualidade de traduzir um romance literalmente em imagens. Pouco é dito, muito é mostrado e a decupagem da câmera, embora jamais seja estritamente subjetiva, de alguma forma transmite o ponto de vista e a subjetividade da protagonista de forma admirável. São 2 horas e 40 minutos que não se fazem notar se o espectador entrar a contento no universo cuidadosamente coeso que é apresentado. A maneira como a diretora estabelece bases espaciais e psicológicas, através de cenas simploriamente cotidianas, para depois expor a erupção violenta de uma relação calcada em sentimentos sexuais intensamente primitivos (os amantes não tiram a roupa, não se beijam) é verdadeiramente admirável. Com um final sensacional, é filme que cresce na cabeça.


E por fim, um filme muito especial. Quando o viu na Mostra de Cinema, no dia 22/10/2207, esse blog disse sobre Um Amor Jovem:

De "As Paredes do Chelsea Hotel" para cá, é notável a progressão do Ethan Hawke cineasta. Adaptando um romance de sua própria autoria (que contém tintas que parecem bastante biográficas) e talvez por isso mantendo acima de tudo a pessoalidade, ele consegue fazer um filme sobre jovens que não é um “filme sobre jovens”, mas sim um sentimental, belo, divertido e sincero retrato de amores encontrados e perdidos, amadurecimento, vida familiar e aquela adolescência renitente que insiste em perdurar aos 20, aos 30, aos 40... Em tempos onde as liberdades emocionais multiplicam-se, o processo de fazer e desfazer caminhos é o objetivo da jornada em si, mais do que atingir um ponto de chegada ilusório. Essa sensação, somada à bagagem que arrastamos conosco nesse percurso, é a matéria sobre a qual se constrói um filme cheio de frescor, surpreendentemente jovem de espírito (e com participações impagáveis de Sonia Braga – sim, Sonia Braga! – e Laura Linney, além da competência dos protagonistas Mark Webber e Catalina Sandino Moreno).

Na Ilustrada do último dia 21, Cassio Starling Carlos terminou de dar forma ao que ainda pensávamos sobre o filme. Leia a seguir:

Elenco livra drama da banalidade
Com tom contido e foco em pequenas emoções, filme de Ethan Hawke não cede ao sentimentalismo

CÁSSIO STARLING CARLOS

CRÍTICO DA FOLHA 



Cinéfilos e críticos gostam de cinema de autor, aqueles em que o nome do diretor indica um universo temático, uma moral e um modo de filmar pessoais e inconfundíveis. Público e viciados em premiações como o Oscar costumam preferir filmes de ator, aqueles em que o nome do intérprete e sua atuação guiam a escolha na hora de comprar o ingresso ou pagar a locadora. Entre um campo e outro, costuma emergir um híbrido que poderia ser definido como "cinema de ator". 


Desta categoria, os nomes que mais brilharam ao passar para trás das câmeras foram John Cassavetes e Paul Newman. Outros, como Jack Nicholson, Robert De Niro, Sean Penn e Ed Harris, arriscaram-se a praticá-lo, com mais ou menos brilho. Ethan Hawke vem ensaiando seus passos. 
Neste "Um Amor Jovem", seu segundo longa, não tropeçou nem caiu. 


"Cinema de ator" não se resume a filmes dirigidos por atores. Uma das características do "gênero" é que um ator, ao dirigir outros atores, investe no que se supõe ser seu maior talento: a interpretação. Mas não se trata de estimular aquelas performances ganhadoras de Oscar, e, sim, de levar o ator ao ponto em que se apaga o trabalho de interpretação, em que a simbiose com o personagem enche esta tanto mais de vida quanto mais se apaga a "persona" do ator que o encarna. 


Em "Um Amor Jovem", Hawke obtém essa mágica, e é ela que injeta diferença num drama romântico que parte de premissas banais: jovem encontra garota; ele a encara como a alma gêmea; eles viajam juntos para uma semana idílica em que só o amor existe; ela subitamente o abandona; ele passa o resto do tempo comendo o pão que o diabo amassou. 

Hawke investe no par central e mantém os personagens acessórios à margem (incluindo ele próprio e uma aparição estranha, mas saborosa, de Sonia Braga). O embate, portanto, fica a cargo do delicioso par composto por Mark Webber e Catalina Sandino Moreno. 
De partida, os dois atores são filmados do ponto de vista dos corpos. A câmera os visa a meia distância, captura-os na dança da sedução, perambulando na saída de um bar, brincando de se apaixonar, na fissura do sexo dos primeiros encontros. 


Do mesmo modo contido, a narrativa não impõe um ponto de vista de um ao outro. Cada um evoca seu passado em forma de auto-apresentação, e o relato os segue, sugere se perder em um atalho e depois retoma o que interessa. 
Quando se dá a ruptura, o filme nos deixa isolados com a personagem do jovem abandonado. É através dele que o diretor representa a perda, e esta se faz mais sensível no reencontro pendular com os pais, figuras ausentes que redefinem o espaço da solidão no qual William enxerga seu esforço de tornar crônica a doença que ele chama de amor.


Desse modo, nem tão perto nem tão longe, Ethan Hawke consegue escapar dos riscos do sentimentalismo e manter vibrantes as pequenas emoções. 
E é isso que torna "Um Amor Jovem" um belo filme.






Até já. E feliz Ano Novo, para quem se importa!

Um comentário:

João Cândido disse...

Puxa, não vimos a mesma cópia de O sobrevivente!