6.5.10

os muitos teatros de O Idiota


há muitas teatralidades presentes em O Idiota - ou, antes, muitos teatros.

na chegada, há o singelo, o sussurro, o acolhimento de várias pequenas moradias, atores em mais de um sentido nus vestindo-se de personagens com poucos aparatos e muita delicadeza.

num trem que atravessa mundos, há a imediata instituição de um sentimento épico, platéia feita cenário e o encontro dos corpos potencializando a cena.

não tarda para a música mostrar que não está para a brincadeira - este Idiota é também um musical.

trem vira palco e os brincos de Nastássia Filípovna, esmeraldas verdes translumbrantes na escuridão de todo um universo, são a mais preciosa e sutil indicação de que este é um espaço - e um teatro - construído(s) por luz.

é de uma encenação maiúscula que se trata, expansiva, espalhada, fragmentada na ocupação de múltiplos focos para o olhar, vistos sob muitos pontos de vista diferentes. na soma dos sentidos de todos que o testemunham, é um teatro cubista.

mas o trem chega e há movimento. platéia de pé, vagando. a cena assume de vez sua itinerância.

na casa da mãe, somos um corredor, teatro-passagem. a fábula é narrada por um e enfeitada por muitos - teatro coral.

na casa do pai, somos um amontoado de platéia e a cena em andaimes expõe sua mais crua estrutura ilusionista. é um teatro-estádio onde os atores estão nas arquibancadas.

a música nunca para. há um piano em cena, afinal.

na casa da dama, um salão de festas de tijolos aparentes e um largo semi-círculo. taças de champagne e uma fogueira, um teatro do desfrute. no drama, limite.

em Luah Guimarãez, o teatro da exuberância.

antes da segunda parte, uma retrospectiva que nem séries americanas fariam melhor (previously on The Idiot...). um teatro de pontuações e sínteses.

na casa do irmão, o trem virou lago. na água, em mais e maiores andaimes, um teatro de sensações físicas.

no drama, a exaltação. surge a besta do apocalipse e com ela um certo teatro do caos, do transtorno.

na casa do cavaleiro pobre, encontros. em Fredy Allan, o afeto. em Silvio Restiffe, o teatro da energia represada. em Luís Mármora, uma morte de profundos desalentos.

no banco verde, cenas em mútliplas camadas e um teatro do deslumbre.

com o vaso chinês, o teatro do teatro da vida, do teatro ele mesmo, do teatro interior.

em Sylvia Prado, a autoridade sem perder a ternura. a musicalidade.

no quarteto, a beleza do teatro em um auge difícil de ser alcançado. forma e conteúdo, drama e encenação - teatro de constrição, de concisão, de puro maravilhamento.

por todos os cenários, Lúcia Romano e o doce veneno da verdade.

na casa da morte, um teatro de sombras. em Sergio Siviero, a loucura.

na ressurreição, tudo ao mesmo tempo agora. o teatro feito ritual, celebração, densa e transbordante humanidade.

em três jornadas de 7 horas, o teatro do domínio, do propósito, do conteúdo tanto quanto da forma, da comunicação.

na direção, na iluminação, na cenografia, na adaptação, no elenco, na música, nos figurinos, no trabalho de todos os envolvidos, uma arte maior, insubstituível, séria, profunda, justa.

que significa, ressignifica, alimenta e preenche. para isso estamos aqui, afinal.


Um comentário:

Alice Wolfenson disse...

eu estava aqui tão ansiosa para ler oq ia escrever sobre... me fez voltar aquele teatro...