As pessoas que nasceram na década de 80, ao menos aquelas que tomam tempo para pensar em coisas como essa, vivem com a constante sensação de que vieram para um mundo já envelhecido. A atualidade parece jamais poder igualar-se com a grandiosidade dos feitos passados. Verdade ou não, é uma sensação – que somente se acentua quando o assunto são artes. Se acompanhar o presente já anda difícil, o que dizer de manter-se atualizado com o passado?!
Por isso, invariavelmente, acabamos por descobrir alguns feitos e pessoas bastante depois de eles terem sido “atualidade”. O passado é um baú sem fundo a ser remexido e este é, para os curiosos, um processo lento. Em literatura, artes visuais e, primordialmente, cinema e música, passei algum tempo vivendo com a impressão de estar correndo desesperada e ansiosamente atrás de um trem que já passou, mas no qual, apesar de avistar, nunca conseguia subir. Quantas existências, afinal, seriam precisas para ouvir e ver tudo o de extraordinário que já foi realizado em minha ausência?
Por isso, embora sempre ansioso, fico feliz em perceber que deixei muitas coisas me alcançarem, ou perceber que elas tenham simplesmente o feito sem que eu tenha deixado, requerido ou não. É quase como se o trem da história tivesse dado a volta completa e me encontrasse de retardatário. Novamente não é possível acompanhá-lo de todo, mas, a cada nova volta algo sempre vai ficando.
Quando Pedro Alexandre Sanches passou a escrever para a Ilustrada, caderno de cultura da Folha de SP (jornal ao qual sempre fui fiel), eu tinha 11 anos. Não diria que desde então, mas certamente a partir dos 13 iniciei o processo de moldagem de minha personalidade artística. E esse foi um processo que contou com muita ajuda involuntária de estranhos.
Sempre respeitei os críticos. Antes de poder julgar por mim mesmo se eles escreviam abobrinha ou não (alô, alô, Rubens Ewald!), já procurava ouvi-los e ir descobrir se concordava com o que diziam. Mas o mais importante desse relacionamento era ser constantemente apresentado, através deles, a inúmeras velhas novidades, todas aquelas que eu era muito jovem para já ter conhecido. E acho que jamais ouvi tanto alguém quanto Pedro Alexandre Sanches.
Porque ele era diferente e engraçado e inteligente pra caramba e escrevia textos complexos e acessíveis e sabia do que estava falando e era multi-referencial e sempre lançava olhares e análises amplas e convidava o leitor para compartilhar delas ou não e, principalmente, porque ele era (é) apaixonado pelo assunto de que tratava. A primeira vez que fui fisgado por um de seus textos provavelmente ainda não sabia quem o escrevia. O nome foi fixando-se aos poucos e logo a questão deixou de ser “quem foi que escreveu essa crítica bacana” para “o que será que Pedro Alexandre escreveu dessa vez”. A pessoa sobressaía-se.
Quando PAS lançou “Tropicalismo – Decadência Bonita do Samba” eu já era fã. Comprei o livro de imediato. No entanto (vergonha das vergonhas!) nunca o li. Parei na introdução.
Pausa:
Desde “Titânio”, peça apresentada no Festival de Teatro de Curitiba de 2004, eu comecei a descobrir Roberto Carlos. Já conhecia bem o RC quase sobre-humano em sua grandeza monstruosa, ícone de uma nação. Mas o achava brega. E chato. E besta. E desimportante. Um fenômeno sem substância, como tantos outros. Mas Fernando Kinas, com seu “Titânio”, e Mônica Placha, amiga na platéia (porque justiça tem que ser feita), me fizeram começar a desconfiar que havia mais ali do que o cantor de “Mulher de 40”.
Fim da Pausa.
E em 2004 eu conheci Pedro Alexandre Sanches. E de fã de um nome que assinava os melhores caracteres críticos da imprensa brasileira passei a quase-amigo da pessoa que, veja só, existia por trás das letrinhas. E em 2004 Pedro Alexandre Sanches lançou “Como Dois e Dois São Cinco”, um livro sobre... Roberto Carlos!
Pedro, meu caro, que beleza de livro! Mas não sei escrever críticas – esse é o seu trabalho. E temo que, se escrevesse, esse texto não sairia exatamente conforme o desejado. Então vou “destextificá-lo” e escrever em tópicos.
- Li na ordem, certinho, como o autor pede no Prefácio. E melhor que tenha feito deste modo.
- Você conta uma história e tanto e o faz com uma habilidade narrativa que deixa a mim, cineasta, temeroso de um dia enfrentar sua concorrência no cinema. No melhor estilo das grandes tramas dramáticas, o relato é capaz de conter comédia, suspense, horror, tragédia, ridículo, intriga, choro, sucesso, fracasso, reviravolta, morte e amor, muito amor. É absolutamente contagiante e emocionante sua paixão por Roberto Carlos, amor torto como dois e dois são mil.
- A escrita impecável, o bom humor permanente, a clareza no raciocínio, na argumentação e na condução da linha cronológica e evolutiva (ou involutiva) da trajetória do artista, as idéias firmes e fundamentadas e a óbvia inteligência do texto são coisas que não precisam ser ressaltadas. Chega: todo mundo sabe que é assim.
- É admirável a capacidade de dissecar a carreira artística de RC, e de Erasmo e Wanderléa, realizando uma grande reportagem que abarca, através da obra, o essencial da vida pessoal do artista – só e exatamente aquilo que se precisa saber, aquilo que molda, altera e dialoga com a criação musical -, sem resvalar um mínimo sequer para fofocas e futilidades da vida íntima.
- As pausas são uma maravilha. Para nós, nascidos naquele tal mundo envelhecido, elas são, somadas ao corpo principal do livro e a todas as referências que ele traz, quase uma história completa da música brasileira da época. (A pausa Wilson Simonal é a exceção. Mas eu explico isso melhor via e-mail).
- Igualmente, é impressionante como é possível ter não somente um panorama contextual, mas toda uma verdadeira radiografia da história política e social do Brasil no período abordado. Através de Roberto, que é o Brasil, você, de fato, cuida de contar o Brasil inteiro.
- O cuidado informativo. Cada disco comentado é citado com título e ano no rodapé da página e, para nossos protagonistas, ficha completa das canções que constam em cada obra é oferecida, ajudando o leitor a situar-se e, mais ainda, poder voltar a qualquer momento, sem dificuldade, afim de saber qual era mesmo o nome daquela música daquele LP.
- Não há redundância. É obra de fôlego, fato. Não é qualquer um que a atravessa com a devida concentração e dedicação, fato. Mas fato é, também, que os temas recorrem, sem nunca serem reprisados. Quando necessário, nos é dado o fio necessário para voltarmos à costura do raciocínio e da linha evolutiva da história. Mas é com sincronicidade, sempre.
Mas será, então, que não há nenhuma ressalva?
Sim, talvez haja. O melhor de suas reportagens, textos e críticas foi o fato de elas sempre trazerem, em maior ou menor quantidade, um pouquinho de ficção. Portanto, separar a sua ficção da objetividade do relato pode ter sido uma grande tacada, mas as grandes tacadas podem também falhar.
Os capítulos escritos em “letras deitadinhas, fugindo do papel pela direita por medo do lado esquerdo das páginas” apresentam momentos inacreditáveis, lindos, lindos, lindos, como, por exemplo, “O inimitável: nenhum Roberto”. Mas, em alguns outros momentos, caro PAS, soam reprisados como o resto do livro inteiro não é capaz de ser. Ou soam desinteressantes. Igualmente, embora talvez contradiga elogios feitos acima, em algumas passagens, poucas delas, chega a haver um “rebuscamento” que, embora muitas vezes genial, confunde a objetividade. Juízo subjetivo único deste leitor, mas era necessário haver alguma ressalva, não acha?
O que mais, agora? Agora, Pedro, volte ao e-mail. E escreva a minha dedicatória, que falta neste novo exemplar velho trocado.
Porque eu vou reler “Como Dois e Dois São Cinco” – algo me diz que ele fica ainda melhor numa segunda olhada. Ah, e vou correndo percorrer as páginas de “Tropicalismo”, como há quatro anos eu não fui capaz de fazer. É o trem da história me pegando de novo, no contrapé. Como dois e dois são muitos.
Beijo procê.
Rafael.
27.1.05
25.1.05
CINEMATOGRÁFICAS 1
_1_
A única coisa que há de memorável – e admirável - em “Alexandre”, de Oliver Stone, é o advento de um casal romântico homossexual ocupar o centro da cena mainstream. É a primeira vez, na era da cultura de massa, que Hollywood, com toda sua força e sua invencível máquina de propaganda, dá ao mundo, em proporções épicas, um filme que coloca dois homens como par romântico central de uma superprodução. OK, na há beijo nem sexo, mas os diálogos, a sedução, os olhares e as juras de amor eterno seguem à risca a cartilha do grande amor cinematográfico. E, mais notável, o filme não se incomoda nem um pouco com o fato – não é filme de gênero, não é filme de gueto, nem de circuito de arte. É grande, volumoso e barulhento, louvando com naturalidade o amor – independente de quem o sente.
No alvorecer do segundo mandato George Bush, em que o tsunami neoconservador afia as garras e a estupidez gigantesca dos americanos médios não os deixa ver que é no mínimo uma contradição lutar pela “liberdade” no Iraque e no Afeganistão e, ao mesmo tempo, tolher sumariamente todas as liberdades mais básicas dos indivíduos, como as sexuais, por exemplo, Oliver Stone não deixa de fazer de “Alexandre” o seu quinhão de provocação certeira.
_2_
“Perto Demais”, de Mike Nichols, é interessante e eficiente cinema maduro para adultos. Patrick Marber adapta com competência sua própria peça, “Closer”, em um roteiro que avança fluidamente, recheado de aspereza, e com uma ou duas grandes cenas. Julia Roberts nunca esteve tão bem dirigida, mas, de fato, Clive Owen comanda o show. O talento para uma mise-èn-scene que se equilibra entre o teatro e o cinema já era latente em Mike Nichols desde “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” e reabilitou-se por inteiro desde que ele deu a Emma Thompson o papel de sua carreira, no imperdível e lancinante “Uma Lição de Vida” (lançado diretamente em DVD no Brasil). Desde então, Nichols decidiu só acertar. “Closer” vem suceder “Angels In America” na renovada carreira deste senhor britânico.
A idéia que perpassa o novo filme, em diversos aspectos, é a cruel noção de que todos somos e sempre seremos estranhos uns aos outros, e que isso coloca as relações amorosas no volúvel patamar das ilusões. Nada de novo, mas produto bem reciclado e em bela embalagem.
A única coisa que há de memorável – e admirável - em “Alexandre”, de Oliver Stone, é o advento de um casal romântico homossexual ocupar o centro da cena mainstream. É a primeira vez, na era da cultura de massa, que Hollywood, com toda sua força e sua invencível máquina de propaganda, dá ao mundo, em proporções épicas, um filme que coloca dois homens como par romântico central de uma superprodução. OK, na há beijo nem sexo, mas os diálogos, a sedução, os olhares e as juras de amor eterno seguem à risca a cartilha do grande amor cinematográfico. E, mais notável, o filme não se incomoda nem um pouco com o fato – não é filme de gênero, não é filme de gueto, nem de circuito de arte. É grande, volumoso e barulhento, louvando com naturalidade o amor – independente de quem o sente.
No alvorecer do segundo mandato George Bush, em que o tsunami neoconservador afia as garras e a estupidez gigantesca dos americanos médios não os deixa ver que é no mínimo uma contradição lutar pela “liberdade” no Iraque e no Afeganistão e, ao mesmo tempo, tolher sumariamente todas as liberdades mais básicas dos indivíduos, como as sexuais, por exemplo, Oliver Stone não deixa de fazer de “Alexandre” o seu quinhão de provocação certeira.
_2_
“Perto Demais”, de Mike Nichols, é interessante e eficiente cinema maduro para adultos. Patrick Marber adapta com competência sua própria peça, “Closer”, em um roteiro que avança fluidamente, recheado de aspereza, e com uma ou duas grandes cenas. Julia Roberts nunca esteve tão bem dirigida, mas, de fato, Clive Owen comanda o show. O talento para uma mise-èn-scene que se equilibra entre o teatro e o cinema já era latente em Mike Nichols desde “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” e reabilitou-se por inteiro desde que ele deu a Emma Thompson o papel de sua carreira, no imperdível e lancinante “Uma Lição de Vida” (lançado diretamente em DVD no Brasil). Desde então, Nichols decidiu só acertar. “Closer” vem suceder “Angels In America” na renovada carreira deste senhor britânico.
A idéia que perpassa o novo filme, em diversos aspectos, é a cruel noção de que todos somos e sempre seremos estranhos uns aos outros, e que isso coloca as relações amorosas no volúvel patamar das ilusões. Nada de novo, mas produto bem reciclado e em bela embalagem.
SOBRE O ASSOMBRO DE SER CATE BLANCHET
Cate Blanchett pareia, hoje, em talento, competência, inteligência e dignidade artística com somente duas outras atrizes, considerando sua geração: Emily Watson e Julianne Moore. No Brasil, com Maria Luisa Mendonça.
Em 1997, Cate Blanchett apareceu discretamente para o mundo em dois filmes, “Um Canto de Esperança”, de Bruce Beresford, e “Oscar e Lucinda”, de Gillian Armstrong. Já estavam lá sua visceralidade e seu comedimento, de acordo com o que a cena pedisse. Seu recato e sua extravagância. Seu charme, sua classe, sua beleza. Sua impetuosidade.
Mas 1998 projetaria Blanchett como um cometa, em “Elizabeth”, de Shekhar Kapur. Ela é a alma do filme, capaz de comover com um piscar de olhos, uma inflexão de voz. Sua rainha Elizabeth digladiava-se entre o poder e a fraqueza - e os espectadores absortos em tanta verdade.
“Alto Controle”, de Mike Newell, seria a escorregada de 1999, mas sem perder a compostura. Somariam-se dois belos momentos. “Um Marido Ideal”, de Oliver Parker, é uma das mais subestimadas adaptações de Oscar Wilde para o cinema. Tudo ali funciona perfeitamente, o tempo cômico é preciso e o elenco, chave para o sucesso de um grande texto, bem... o elenco tinha Cate Blanchett, trabalhando, lado a lado com, quem diria, Julianne Moore. E dá-lhe a veia cômica de Blanchett tinindo! Num outro registro, foi necessária pouco mais de uma cena para que ela parasse “O Talentoso Ripley”, de Anthony Minghella.
Em 2000, “Porque Choram os Homens”, de Sally Potter, foi filme que ninguém viu, incluindo o resenhista. “O Dom da Premonição”, de Sam Raimi, é filme ruim que sem a dignidade que Blanchett traz seria pura porcaria. Como em muitos casos, vale por ela.
2001 foi ano cheio. “Vida Bandida”, de Barry Levinson, trazia Cate em seu esplendor cômico. É thriller esperto, divertidíssimo e muito bem humorado. Há, aqui, Billy Bob Thornton, ator que, como Blanchett, não se cansa de ser bom. E, se sozinha ela já faz estrago, o que dizer de quando encontra alguém a altura. A primeira parte da trilogia “Senhor dos Anéis”, de Peter Jackson, assim como as duas seguintes, são notas de rodapé na carreira da atriz – já que ela fez pouco mais que uma figuração de luxo.
“Charlotte Gray”, de Gillian Armstrong, é reencontro de Blanchett com a diretora que a impulsionara com “Oscar e Lucinda”, mas também é filme pouco inspirado. Uma vez mais, havia Cate, sempre ela. E, por fim, em “Chegadas e Partidas”, de Lasse Halström, mais notório desperdício de grande elenco em filme medíocre (havia, além de Blanchett, Kevin Spacey, Judi Dench e... Julianne Moore.), não houve mais do que uma pequena participação no começo da trama. Nesse caso, melhor para ela.
“Paraíso”, de Tom Tykwer, de 2002, é, até o presente momento, cume de uma atriz brilhante. Em momento literalmente metafísico, Cate Blanchett enfeitiça de maneira avassaladora – é verdade demais para tela de menos. Toda vez que se achar que fulano X teve uma atuação excepcional porque fazia com perfeição um homem paraplégico com paralisia cerebral que se comunicava por meio de batuques de colheres metálicas controladas por sua narina direita, pare a projeção e venha a “Paraíso”. Especificamente à cena em que Blanchett vai percebendo aos poucos, em interrogatório na prisão, que matara quatro inocentes. É consumado o assombro. Há a necessidade de oxigênio adicional para a falta de ar do espectador. No mais, “Paraíso” é grande roteiro de Krzysztof Kieslowski e filme de múltiplas leituras e sensações. Uma grande obra.
Depois de tanto, em 2003 Blanchett fez escolhas erradas e protagonizou filmes de mau diretores, onde, com esforço, emergia da bobagem em que se metera. “Desaparecidas”, de Ron Howard, e “O Custo da Coragem”, de Joel Schumacher, não davam chance de grandes momentos, nem sequer de bons personagens.
Tudo isso porque Cate Blanchett está por ser vista, em terras paulistanas, em dois filmes. “Sobre Cafés e Cigarros”, de Jim Jarmusch, e “O Aviador”, de Martin Scorsese. O primeiro, já em cartaz, é uma reunião de curtas, e ela protagoniza um deles, contracenando, veja só, com si mesma. Já no segundo, chegando em breve, ela interpreta Katherine Hepburn. Já é bom antes de se ver. Mas há de ser visto. E, por tais ocasiões, provavelmente, a Cate Blanchett voltaremos mais tarde.
Em 1997, Cate Blanchett apareceu discretamente para o mundo em dois filmes, “Um Canto de Esperança”, de Bruce Beresford, e “Oscar e Lucinda”, de Gillian Armstrong. Já estavam lá sua visceralidade e seu comedimento, de acordo com o que a cena pedisse. Seu recato e sua extravagância. Seu charme, sua classe, sua beleza. Sua impetuosidade.
Mas 1998 projetaria Blanchett como um cometa, em “Elizabeth”, de Shekhar Kapur. Ela é a alma do filme, capaz de comover com um piscar de olhos, uma inflexão de voz. Sua rainha Elizabeth digladiava-se entre o poder e a fraqueza - e os espectadores absortos em tanta verdade.
“Alto Controle”, de Mike Newell, seria a escorregada de 1999, mas sem perder a compostura. Somariam-se dois belos momentos. “Um Marido Ideal”, de Oliver Parker, é uma das mais subestimadas adaptações de Oscar Wilde para o cinema. Tudo ali funciona perfeitamente, o tempo cômico é preciso e o elenco, chave para o sucesso de um grande texto, bem... o elenco tinha Cate Blanchett, trabalhando, lado a lado com, quem diria, Julianne Moore. E dá-lhe a veia cômica de Blanchett tinindo! Num outro registro, foi necessária pouco mais de uma cena para que ela parasse “O Talentoso Ripley”, de Anthony Minghella.
Em 2000, “Porque Choram os Homens”, de Sally Potter, foi filme que ninguém viu, incluindo o resenhista. “O Dom da Premonição”, de Sam Raimi, é filme ruim que sem a dignidade que Blanchett traz seria pura porcaria. Como em muitos casos, vale por ela.
2001 foi ano cheio. “Vida Bandida”, de Barry Levinson, trazia Cate em seu esplendor cômico. É thriller esperto, divertidíssimo e muito bem humorado. Há, aqui, Billy Bob Thornton, ator que, como Blanchett, não se cansa de ser bom. E, se sozinha ela já faz estrago, o que dizer de quando encontra alguém a altura. A primeira parte da trilogia “Senhor dos Anéis”, de Peter Jackson, assim como as duas seguintes, são notas de rodapé na carreira da atriz – já que ela fez pouco mais que uma figuração de luxo.
“Charlotte Gray”, de Gillian Armstrong, é reencontro de Blanchett com a diretora que a impulsionara com “Oscar e Lucinda”, mas também é filme pouco inspirado. Uma vez mais, havia Cate, sempre ela. E, por fim, em “Chegadas e Partidas”, de Lasse Halström, mais notório desperdício de grande elenco em filme medíocre (havia, além de Blanchett, Kevin Spacey, Judi Dench e... Julianne Moore.), não houve mais do que uma pequena participação no começo da trama. Nesse caso, melhor para ela.
“Paraíso”, de Tom Tykwer, de 2002, é, até o presente momento, cume de uma atriz brilhante. Em momento literalmente metafísico, Cate Blanchett enfeitiça de maneira avassaladora – é verdade demais para tela de menos. Toda vez que se achar que fulano X teve uma atuação excepcional porque fazia com perfeição um homem paraplégico com paralisia cerebral que se comunicava por meio de batuques de colheres metálicas controladas por sua narina direita, pare a projeção e venha a “Paraíso”. Especificamente à cena em que Blanchett vai percebendo aos poucos, em interrogatório na prisão, que matara quatro inocentes. É consumado o assombro. Há a necessidade de oxigênio adicional para a falta de ar do espectador. No mais, “Paraíso” é grande roteiro de Krzysztof Kieslowski e filme de múltiplas leituras e sensações. Uma grande obra.
Depois de tanto, em 2003 Blanchett fez escolhas erradas e protagonizou filmes de mau diretores, onde, com esforço, emergia da bobagem em que se metera. “Desaparecidas”, de Ron Howard, e “O Custo da Coragem”, de Joel Schumacher, não davam chance de grandes momentos, nem sequer de bons personagens.
Tudo isso porque Cate Blanchett está por ser vista, em terras paulistanas, em dois filmes. “Sobre Cafés e Cigarros”, de Jim Jarmusch, e “O Aviador”, de Martin Scorsese. O primeiro, já em cartaz, é uma reunião de curtas, e ela protagoniza um deles, contracenando, veja só, com si mesma. Já no segundo, chegando em breve, ela interpreta Katherine Hepburn. Já é bom antes de se ver. Mas há de ser visto. E, por tais ocasiões, provavelmente, a Cate Blanchett voltaremos mais tarde.
20.1.05
RESPOSTA ABERTA A MARIANA
A resposta ao post da querida e estimadíssima Mariana acerca do tópico “Instantâneas 1: Globos dourados, inimigos pardos e burrices alheias” ia ser um e-mail pessoal, mas foi ficando tão extensa e interessante que tomei por bem abrir a discussão. Portanto, a ela:
Sua dissertação a respeito de prêmios é excelente. Agora, tenho que discordar de algumas outras coisas, em tréplica, já que você o fez.
Chega a um certo ponto a consciência crítica de uma pessoa e as limitações qualitativas de um artista em que não é necessário que ambos se encontrem para que aja um juízo de valor. Ou você espera que um filme dirigido por Moacyr Góes venha a ser, algum dia, excelente? Ou que, digamos, Gloria Menezes seja capaz de um grande papel? Algumas coisas, entre as pessoas de bom senso, são fatos. Outras são, de fato, subjetivas.
Naturalmente, quando eu posto dizendo que não precisava ver os filmes, parte é verdade, parte é expressão unicamente de uma arrogância consciente e bem-humorada e a parte final é manifestação de predileções pessoais consolidadas. Todos sabem que eu prefiro Cate Blanchett, independente de quem seja a outra competidora. A não ser, é claro, que se trate de Julianne Moore, Emily Watson, Maria Luisa Mendonça ou Maria Alice Vergueiro. Aí eu prefiro o empate.
Achava que Kate Winslet deveria ganhar, mesmo sem ter visto todas as outras atuações, porque acho que ela é a alma de “Brilho Eterno”. Ali há vigor, humor, emoção e, principalmente, há estofo e há uma personagem. Acho que a atuação conversa muito adequadamente com os propósitos dramáticos e estéticos que Michel Gondry propõe: é descontrolada, mas com muito método. É estridente, mas apaixonante. Enxergo uma verdade muito sincera e pulsante em Clementine.
Concordo que haja atores que são sempre mais eles mesmos do que os personagens, mas não acho que seja o caso de Winslet. Assista a “Fogo Sagrado”, seguido do “Hamlet” de Keneth Branagh, seguido de “Contos Proibidos do Marquês de Sade”, seguido de “Brilho Eterno”. Definitivamente não se reconhece a mesma pessoa. Agora, trate desde já de esquecer “Titanic”. Aquilo não conta.
Há, em variante, também, o caso dos atores que, de tão camaleônicos, acabam sendo sempre eles mesmos, na direção contrária. Porque, de tanta mutação, acabam sempre na imagem midiática que se faz deles. É tão senso comum sua capacidade de transformação que, de tanta qualidade, acabam, às vezes, por eliminar a magia e o jogo cênico e fazer com que se enxergue somente a persona (real?) ali atrás. Exemplo? Meryl Streep, salvo exceções. (E atenção: eu GOSTO de Meryl Streep.)
E há também limites. Eu mudei um pouco minha opinião sobre esse assunto quando conversava com Maria Alice exatamente sobre isso. Falávamos de Matheus Nachtergaele e ela acabou por dizer, sobre a repetição, auto-citando-se: "Mas também, tem uma coisa: dentes tortos são dentes tortos; cavalos sempre tem cheiro de cavalos". E é mesmo, né não? Até mesmo os bons atores possuem determinadas características intrínsecas, que podem ser chamadas, grosso modo, de "personalidade". Se, a seu ver, falta personalidade a Kate Winslet não é porque sobra demais a personalidade de ser Kate Winslet? Até que ponto chega a auto-anulação, afinal?
Atores possuem, então, uma determinada personalidade, que, inclusive, sem exceção, faz com que eles funcionem melhor em determinados papéis do que em outros. Você imagina Cate Blanchett, absolutamente camaleônica como ela é, fazendo “Dançando no Escuro”? Não, claro que não: aquele filme é de Bjork. Agora, será que Blanchett poderia ter feito “Fim de Caso” e o filme continuar no patamar em que está? Sim, talvez. E Julianne Moore poderia fazer o papel de Emily Watson em “Embriagado de Amor”, já que ela foi tão espetacular no filme anterior de Paul Thomas Anderson, “Magnólia”? Não vejo isso acontecendo: só Emily Watson possuía a personalidade adequada àquele papel, assim como só Adam Sandler, que no mais é um mau ator, poderia ter protagonizado aquele filme – e o fez brilhantemente.
(Exemplos desse tipo podem ser infinitos... Que tal abrirmos um fórum, depois, aqui mesmo no Cosmonauta em Órbita?)
Talvez, então, seja uma questão não de exterminar ou faltar a personalidade do ator, que eles têm e terão sempre, mas sim de adequá-la ao papel, ou de adequar o papel a ela. Será que se a Helena não tivesse a personalidade que tem ela faria “InAcqua”? E quantos outros papéis ela poderia fazer, sendo a mesma Helena? No mais, personalidade é uma palavra complexa e de contornos bem mais profundos do que a superficialidade pode fazer supor.
Bom, isso começou como uma resposta e virou uma reflexão, mas é necessário compreender que nunca foi um ataque. Não estou te desdizendo, Mari, de forma nenhuma. A verdade é que a sua inteligência aguçou aqui a minha (a que eu penso que tenho...) e o assunto acabou andando com as próprias pernas pelas minhas sinapses.
Volte sempre. E comente cada vez mais. Já deu pra perceber que é proveitoso.
Beijo grande.
Sua dissertação a respeito de prêmios é excelente. Agora, tenho que discordar de algumas outras coisas, em tréplica, já que você o fez.
Chega a um certo ponto a consciência crítica de uma pessoa e as limitações qualitativas de um artista em que não é necessário que ambos se encontrem para que aja um juízo de valor. Ou você espera que um filme dirigido por Moacyr Góes venha a ser, algum dia, excelente? Ou que, digamos, Gloria Menezes seja capaz de um grande papel? Algumas coisas, entre as pessoas de bom senso, são fatos. Outras são, de fato, subjetivas.
Naturalmente, quando eu posto dizendo que não precisava ver os filmes, parte é verdade, parte é expressão unicamente de uma arrogância consciente e bem-humorada e a parte final é manifestação de predileções pessoais consolidadas. Todos sabem que eu prefiro Cate Blanchett, independente de quem seja a outra competidora. A não ser, é claro, que se trate de Julianne Moore, Emily Watson, Maria Luisa Mendonça ou Maria Alice Vergueiro. Aí eu prefiro o empate.
Achava que Kate Winslet deveria ganhar, mesmo sem ter visto todas as outras atuações, porque acho que ela é a alma de “Brilho Eterno”. Ali há vigor, humor, emoção e, principalmente, há estofo e há uma personagem. Acho que a atuação conversa muito adequadamente com os propósitos dramáticos e estéticos que Michel Gondry propõe: é descontrolada, mas com muito método. É estridente, mas apaixonante. Enxergo uma verdade muito sincera e pulsante em Clementine.
Concordo que haja atores que são sempre mais eles mesmos do que os personagens, mas não acho que seja o caso de Winslet. Assista a “Fogo Sagrado”, seguido do “Hamlet” de Keneth Branagh, seguido de “Contos Proibidos do Marquês de Sade”, seguido de “Brilho Eterno”. Definitivamente não se reconhece a mesma pessoa. Agora, trate desde já de esquecer “Titanic”. Aquilo não conta.
Há, em variante, também, o caso dos atores que, de tão camaleônicos, acabam sendo sempre eles mesmos, na direção contrária. Porque, de tanta mutação, acabam sempre na imagem midiática que se faz deles. É tão senso comum sua capacidade de transformação que, de tanta qualidade, acabam, às vezes, por eliminar a magia e o jogo cênico e fazer com que se enxergue somente a persona (real?) ali atrás. Exemplo? Meryl Streep, salvo exceções. (E atenção: eu GOSTO de Meryl Streep.)
E há também limites. Eu mudei um pouco minha opinião sobre esse assunto quando conversava com Maria Alice exatamente sobre isso. Falávamos de Matheus Nachtergaele e ela acabou por dizer, sobre a repetição, auto-citando-se: "Mas também, tem uma coisa: dentes tortos são dentes tortos; cavalos sempre tem cheiro de cavalos". E é mesmo, né não? Até mesmo os bons atores possuem determinadas características intrínsecas, que podem ser chamadas, grosso modo, de "personalidade". Se, a seu ver, falta personalidade a Kate Winslet não é porque sobra demais a personalidade de ser Kate Winslet? Até que ponto chega a auto-anulação, afinal?
Atores possuem, então, uma determinada personalidade, que, inclusive, sem exceção, faz com que eles funcionem melhor em determinados papéis do que em outros. Você imagina Cate Blanchett, absolutamente camaleônica como ela é, fazendo “Dançando no Escuro”? Não, claro que não: aquele filme é de Bjork. Agora, será que Blanchett poderia ter feito “Fim de Caso” e o filme continuar no patamar em que está? Sim, talvez. E Julianne Moore poderia fazer o papel de Emily Watson em “Embriagado de Amor”, já que ela foi tão espetacular no filme anterior de Paul Thomas Anderson, “Magnólia”? Não vejo isso acontecendo: só Emily Watson possuía a personalidade adequada àquele papel, assim como só Adam Sandler, que no mais é um mau ator, poderia ter protagonizado aquele filme – e o fez brilhantemente.
(Exemplos desse tipo podem ser infinitos... Que tal abrirmos um fórum, depois, aqui mesmo no Cosmonauta em Órbita?)
Talvez, então, seja uma questão não de exterminar ou faltar a personalidade do ator, que eles têm e terão sempre, mas sim de adequá-la ao papel, ou de adequar o papel a ela. Será que se a Helena não tivesse a personalidade que tem ela faria “InAcqua”? E quantos outros papéis ela poderia fazer, sendo a mesma Helena? No mais, personalidade é uma palavra complexa e de contornos bem mais profundos do que a superficialidade pode fazer supor.
Bom, isso começou como uma resposta e virou uma reflexão, mas é necessário compreender que nunca foi um ataque. Não estou te desdizendo, Mari, de forma nenhuma. A verdade é que a sua inteligência aguçou aqui a minha (a que eu penso que tenho...) e o assunto acabou andando com as próprias pernas pelas minhas sinapses.
Volte sempre. E comente cada vez mais. Já deu pra perceber que é proveitoso.
Beijo grande.
19.1.05
DIGNÍSSIMA GRANDE DAMA
Na primeira vez em que vi Maria Alice Vergueiro ela estava descabelada. Andava de um lado para o outro, à minha direita, vestida em soturno vestido preto – não me lembro se já segurando na mão o copo (com bebida) que ela teria insistentemente consigo na hora e meia seguinte.
Ela estava em cena. Em cena de “No Alvo”, montagem tão arrebatadoramente perturbadora que chacoalharia de forma definitiva os meus 14 anos. Entrei, sentei. Maria Alice, então, em interpretação quase dialética e inevitavelmente brechtiana, disparou um espetacular texto de Thomas Bernhard em um quase-monólogo. Ria, chorava, gritava, arrastava-se no chão.
O que pode levar ao entendimento de que Maria Alice Vergueiro é uma dessas atrizes que levantam poeira, bastante dela, para deixar pouco sobrando quando o anuviado se dissipa e os olhos voltam a enxergar bem. Ledo engano: ela é não só força, mas verdade, muita verdade. Dificilmente se esquece uma grande frase ouvida em sua voz – ou qualquer personagem seu.
Faz 8 anos que eu conheci Maria Alice Vergueiro. De sombra de excelência artística do meu início de adolescência, ela transformou-se em amiga, parceira, colaboradora, companheiríssima. E mais: fonte de inspiração infinda. Porque ir ao cinema com Maria Alice é uma delícia. Ao teatro também. Visitá-la, tomar sorvete, comer pizza – estar com Maria Alice é, quase que obrigatoriamente, dar risada.
E assisti-la é inesquecível. O que dizer então de dirigi-la? Porque todo filme que eu escrevo, eu escrevo para ela. Os que não saem para ela, eram para ter saído. Porque quando ela não pode protagonizar, dá-se um jeito de tê-la, de alguma forma. Porque todos os filmes que eu ainda vou escrever serão pra ela. Porque eu quero que Maria Alice ganhe a Palma de Ouro, o Urso de Ouro, o Leão de Ouro. Oscar não – mediocridade demais para talento tão grande.
Talento? Já não sei. Pulsão vital, força, existência, enfim. Disse um crítico uma vez que Maria Alice Vergueiro não faz teatro, ela é teatro. Eu mais do que acredito: sinto, sei, vi, vejo. Conviver com ela é aprender, é divertir-se, é ter idéias, na seriedade e na mais absoluta brincadeira, da qual ela é capaz como ninguém. Maria Alice é exemplo vivo de alguém que sempre acreditou no que acreditava, que sempre buscou o que buscava e que pagou os preços e viveu as glórias de ser fiel a si mesma.
Em meu trajeto de espectador a encenador, o trabalho do ator sempre me exerceu fascínio gigantesco. Por isso, de longe, sempre acreditei, respeitei e valorizei esse trabalho. De perto, em tempos mais recentes, tornou-se mola propulsora de minha transpiração criadora, fagulha de inspiração. Respiração. Ver Maria, no auge de sua maturidade, não se encastelando em prestígio adquirido, como certas figuras mumificadas que há, nem cedendo aos truques e fórmulas consagradas, mas sim se atirando no risco, apreciando o estudo e a investigação constantes e buscando o novo com uma sede de iniciante, inclusive aliando-se, para isso, a novatos como eu, é fato que só reafirma minha convicção nessas pessoas especiais que são os atores.
Maria Alice, essa é uma declaração de amor. E de respeito, e de carinho, e de admiração. Que eu já fiz em filme, em palavra, em texto e vou continuar fazendo. Enquanto houver negativo, palco, papel, força e energia criativa. Ou seja, sempre.
Feliz aniversário!
Rafael.
Ela estava em cena. Em cena de “No Alvo”, montagem tão arrebatadoramente perturbadora que chacoalharia de forma definitiva os meus 14 anos. Entrei, sentei. Maria Alice, então, em interpretação quase dialética e inevitavelmente brechtiana, disparou um espetacular texto de Thomas Bernhard em um quase-monólogo. Ria, chorava, gritava, arrastava-se no chão.
O que pode levar ao entendimento de que Maria Alice Vergueiro é uma dessas atrizes que levantam poeira, bastante dela, para deixar pouco sobrando quando o anuviado se dissipa e os olhos voltam a enxergar bem. Ledo engano: ela é não só força, mas verdade, muita verdade. Dificilmente se esquece uma grande frase ouvida em sua voz – ou qualquer personagem seu.
Faz 8 anos que eu conheci Maria Alice Vergueiro. De sombra de excelência artística do meu início de adolescência, ela transformou-se em amiga, parceira, colaboradora, companheiríssima. E mais: fonte de inspiração infinda. Porque ir ao cinema com Maria Alice é uma delícia. Ao teatro também. Visitá-la, tomar sorvete, comer pizza – estar com Maria Alice é, quase que obrigatoriamente, dar risada.
E assisti-la é inesquecível. O que dizer então de dirigi-la? Porque todo filme que eu escrevo, eu escrevo para ela. Os que não saem para ela, eram para ter saído. Porque quando ela não pode protagonizar, dá-se um jeito de tê-la, de alguma forma. Porque todos os filmes que eu ainda vou escrever serão pra ela. Porque eu quero que Maria Alice ganhe a Palma de Ouro, o Urso de Ouro, o Leão de Ouro. Oscar não – mediocridade demais para talento tão grande.
Talento? Já não sei. Pulsão vital, força, existência, enfim. Disse um crítico uma vez que Maria Alice Vergueiro não faz teatro, ela é teatro. Eu mais do que acredito: sinto, sei, vi, vejo. Conviver com ela é aprender, é divertir-se, é ter idéias, na seriedade e na mais absoluta brincadeira, da qual ela é capaz como ninguém. Maria Alice é exemplo vivo de alguém que sempre acreditou no que acreditava, que sempre buscou o que buscava e que pagou os preços e viveu as glórias de ser fiel a si mesma.
Em meu trajeto de espectador a encenador, o trabalho do ator sempre me exerceu fascínio gigantesco. Por isso, de longe, sempre acreditei, respeitei e valorizei esse trabalho. De perto, em tempos mais recentes, tornou-se mola propulsora de minha transpiração criadora, fagulha de inspiração. Respiração. Ver Maria, no auge de sua maturidade, não se encastelando em prestígio adquirido, como certas figuras mumificadas que há, nem cedendo aos truques e fórmulas consagradas, mas sim se atirando no risco, apreciando o estudo e a investigação constantes e buscando o novo com uma sede de iniciante, inclusive aliando-se, para isso, a novatos como eu, é fato que só reafirma minha convicção nessas pessoas especiais que são os atores.
Maria Alice, essa é uma declaração de amor. E de respeito, e de carinho, e de admiração. Que eu já fiz em filme, em palavra, em texto e vou continuar fazendo. Enquanto houver negativo, palco, papel, força e energia criativa. Ou seja, sempre.
Feliz aniversário!
Rafael.
17.1.05
Quem tem medo de Wong Kar Wai?
Wong Kar Wai é representante do melhor cinema feito atualmente no mundo, o seu próprio. Que, por sua vez, é representante da cinematografia mais bonita, substancial, dramaticamente empolgante e visualmente arrebatadora que há, hoje em dia: a oriental. Naturalmente, isso são somente opiniões disfarçadas de juízos de valor.
Nos Estados Unidos, há um Paul Thomas Anderson, vigorosamente surpreendente. E há, também, grandes pequenos cineastas independentes na terra do cinema, errando e acertando mais ou menos em filmes mais ou menos ótimos.
Um deles é Alexander Payne, que surgiu para o mundo com o afiadíssimo “Eleição” (1999), fez o belo e pouco compreendido “As Confissões de Schimidt” (2001), adaptado do bom livro “Sobre Schimidt”, e agora, ao que tudo indica, acerta em cheio com “Sideways”, ainda por duas semanas inédito em cinemas nacionais e que, em questão de horas, encara prova de fogo no Globo de Ouro 2005.
(Uma radiografia mais profunda acerca da cinematografia independente norte-americana fica pra uma outra hora, porque o assunto não é esse).
E, naturalmente, que há, na Ásia, entre outros, cineastas do porte de um Tsai Ming Liang, capaz de materializar o silêncio, e Hirokazu Kore Eda, capaz de registrar fotograficamente o tempo. Pouco?
Mas o foco é Wong Kar Wai, porque nunca vamos cansar de abordá-lo e porque a Cinemateca exibe, em Mostra, três de seus mais recentes trabalhos, “Anjos Caídos”, “Amores Expressos” e “Amor à Flor da Pele”.
Faltam palavras: é um conjunto de obra que, com o adendo do deslumbrante “Felizes Juntos”, oferece beleza audiovisual para uma vida inteira e diz tudo, tudo, tudo o que se há pra dizer sobre o amor – entre outros assuntos.
Vai encarar?
Nos Estados Unidos, há um Paul Thomas Anderson, vigorosamente surpreendente. E há, também, grandes pequenos cineastas independentes na terra do cinema, errando e acertando mais ou menos em filmes mais ou menos ótimos.
Um deles é Alexander Payne, que surgiu para o mundo com o afiadíssimo “Eleição” (1999), fez o belo e pouco compreendido “As Confissões de Schimidt” (2001), adaptado do bom livro “Sobre Schimidt”, e agora, ao que tudo indica, acerta em cheio com “Sideways”, ainda por duas semanas inédito em cinemas nacionais e que, em questão de horas, encara prova de fogo no Globo de Ouro 2005.
(Uma radiografia mais profunda acerca da cinematografia independente norte-americana fica pra uma outra hora, porque o assunto não é esse).
E, naturalmente, que há, na Ásia, entre outros, cineastas do porte de um Tsai Ming Liang, capaz de materializar o silêncio, e Hirokazu Kore Eda, capaz de registrar fotograficamente o tempo. Pouco?
Mas o foco é Wong Kar Wai, porque nunca vamos cansar de abordá-lo e porque a Cinemateca exibe, em Mostra, três de seus mais recentes trabalhos, “Anjos Caídos”, “Amores Expressos” e “Amor à Flor da Pele”.
Faltam palavras: é um conjunto de obra que, com o adendo do deslumbrante “Felizes Juntos”, oferece beleza audiovisual para uma vida inteira e diz tudo, tudo, tudo o que se há pra dizer sobre o amor – entre outros assuntos.
Vai encarar?
16.1.05
Código 46, encontros e desencontros, samurais e começo do ano em SP
"Código 46", belo filme de Michael Winterbotton, também em cartaz na cidade com "Neste Mundo". Depois de alguns filmes anódinos nos últimos tempos, os lançamentos do finalzinho do ano, ao que parece, estão reacendendo o gosto pelo cinema. E pelo cinema do olhar: aquele que preza a imagem, que enquadra, que movimenta, que treme, que desfoca, que se aproxima, se afasta, não corta.
Bela sonata futurista, com dezenas de referências entrecruzadas, o filme conta o encontro. Como procede o encontro de duas pessoas, afinal? Que tipo de poeira cósmica mágica as une, as faz apreciarem a companhia, encantarem-se, desejarem uma a outra...
Não escolhemos quem amamos, Winterboton, parece dizer, nem como, nem onde, nem em que passado ou em que futuro. Tampouco controlamos a perda, a separação, os milhares de fatores e fatos que adiam a consumação ou simplesmente determinam que aquela história de amor não era pra ser, não é pra ser, não devia ser. Ou não.
E nesse caldo cabem Adão e Eva, Édipo, Maria, observação sócio-política das mais aguçadas e mais um monte de coisas. Ah, as locações são incríveis e a fotografia sabe como enquadrá-las, ah, como sabe!
PS1: Ou não entendi bem "Zatoichi", ou não gostei. Mas estou disposto a reconhecer a incompetência.
PS2: Só os americanos jamais saberão fazer filmes como "Doze Homens e Outro Segredo".
PS3: Jorge Furtado caminha para um preocupante caminho de auto-repetição, como um mago fascinado demais por seus próprios truques. Mas o filme é bacaninha!
Bela sonata futurista, com dezenas de referências entrecruzadas, o filme conta o encontro. Como procede o encontro de duas pessoas, afinal? Que tipo de poeira cósmica mágica as une, as faz apreciarem a companhia, encantarem-se, desejarem uma a outra...
Não escolhemos quem amamos, Winterboton, parece dizer, nem como, nem onde, nem em que passado ou em que futuro. Tampouco controlamos a perda, a separação, os milhares de fatores e fatos que adiam a consumação ou simplesmente determinam que aquela história de amor não era pra ser, não é pra ser, não devia ser. Ou não.
E nesse caldo cabem Adão e Eva, Édipo, Maria, observação sócio-política das mais aguçadas e mais um monte de coisas. Ah, as locações são incríveis e a fotografia sabe como enquadrá-las, ah, como sabe!
PS1: Ou não entendi bem "Zatoichi", ou não gostei. Mas estou disposto a reconhecer a incompetência.
PS2: Só os americanos jamais saberão fazer filmes como "Doze Homens e Outro Segredo".
PS3: Jorge Furtado caminha para um preocupante caminho de auto-repetição, como um mago fascinado demais por seus próprios truques. Mas o filme é bacaninha!
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