"Bendito Fruto" não é uma comédia romântica, nem uma comédia pastelão. Não é comédia apelativa, não é besteirol, não é sem graça. Não é comédia que se pretende “esperta”. Tampouco imita “sitcoms” americanas, ou filmes de comédia americanos ou de qualquer outro país.
"Bendito Fruto" é uma comédia de costumes brasileira. É um filme ao qual não se faz nada semelhante há um bom tempo no cinema nacional (hum, deixe-me ver... uns 10 anos? Ou mais?). É um roteiro bom de doer, filmado com uma ginga e uma graça contagiantes, com atores sensacionais.
"Bendito Fruto" constrói uma trama inteligente e divertidíssima, descascando de leve a classe média e a sociedade brasileira, enquanto conta uma história de ajustes.
"Bendito Fruto" é filme cheio de um vigor todo especial, que deriva diretamente dos personagens criados com tão bela carpintaria dramática e defendidos por atores simplesmente perfeitos.
"Bendito Fruto" trabalha no registro de um humor que é de uma simplicidade tão tocante quanto explosivamente engraçada.
"Bendito Fruto" é de uma verdade de intenções e honestidade narrativa raras. Ele aborda preconceitos e pós-conceitos raciais, sexuais e sociais no tom do mais genuíno comedimento. As “polêmicas” têm o cuidado de jamais chamar a atenção para si e de aparecerem em integração admirável com a trama.
"Bendito Fruto" não estereotipa. Antes, desconstrói os estereótipos, lidando com eles na base do melhor dos naturalismos.
"Bendito Fruto" tem Zezeh Barbosa, Vera Holtz e Otávio Augusto em estado de graça.
"Bendito Fruto" é o mais delicioso dos triunfos, porque não precisa de polêmica, de sujeira, de favela, de nordeste, de regionalismo, de sangue, de exibicionismo visual ou dramático, de reinvenções ou exageros para ser um grande filme. Um enorme filme.
"Bendito Fruto" é pequeno e é gigante. É aquela maravilha talhada com todo o capricho e amor, que se contenta em existir sem precisar gritar ou fazer estardalhaço. O que só a torna ainda melhor.
"Bendito Fruto" é filme que dá vontade de aplaudir de pé (citando a colega P.)
"Bendito Fruto" é absolutamente imperdível.
Resumindo (e citando novamente): vá ver logo, antes que eu te leve.
25.5.05
23.5.05
Bendito filme
Você aida não foi ver BENDITO FRUTO, extraordinário e divertidíssimo filme brasileiro em cartaz desde sexta feira, dia 20 de maio, em São Paulo e no Rio???
Então CORRA, antes que o circuito exibidor decida escolher por você os filmes que você deve ver ou não.
CORRA!! É IMPERDÍVEL E VOCÊ VAI SE DELICIAR...
(e a "Bendito Fruto" voltaremos mais tarde.)
Então CORRA, antes que o circuito exibidor decida escolher por você os filmes que você deve ver ou não.
CORRA!! É IMPERDÍVEL E VOCÊ VAI SE DELICIAR...
(e a "Bendito Fruto" voltaremos mais tarde.)
13.5.05
a crítica e a crítica
Literalmente tudo o que eu queria dizer sobre "Casa de Areia" foi publicado hoje (13/05) por José Geraldo Couto na Ilustrada, com enorme lucidez e clareza, num justo exercício de crítica jornalística.
Está tudo lá, sem tirar nem por uma única vírgula.
Então, justiça seja feita e, com a licença do colega, reproduzo o texto abaixo:
Waddington retrata deserto maranhense como labirinto cerrado
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
À primeira vista, "Casa de Areia" é um drama sobre três gerações de mulheres perdidas no fim do mundo -mais precisamente, nos Lençóis Maranhenses, Nordeste brasileiro.
Mas o filme pode ser visto também como um exercício audiovisual sobre a relatividade do tempo e do espaço. Ou sobre a pequenez humana em face da imensidão do cosmo.
Curiosamente, é nesses dois planos mais "complexos" que "Casa de Areia" parece se realizar de modo mais cabal. No plano do drama, é possível que o espectador ache que falta algo e não se sinta plenamente envolvido. Mas quem pode antever a reação dessa entidade abstrata e fugidia chamada "o espectador"?
O fato é que "Casa de Areia" é o filme mais pessoal e corajoso de Andrucha Waddington. Em seus longas anteriores -"Gêmeas", "Eu Tu Eles" e "Viva São João"-, a paisagem era mera moldura para uma encenação mais ou menos televisiva, mais ou menos teatral.
Aqui, o espaço é protagonista, agindo diretamente sobre o destino e o espírito dos personagens. Já as primeiras cenas são eloqüentes: o que se vê antes de tudo é uma vastidão de areia, uma paisagem desértica, lunar, onde a presença humana é prenunciada por ruídos de uma caravana.
Só depois começam a aparecer, como pontos indistintos, entre animais igualmente indistintos, os personagens conduzidos pelo ensandecido Vasco (Ruy Guerra). Entre eles, estão sua mulher grávida, Áurea (Fernanda Torres), e a mãe desta, Maria (Fernanda Montenegro).
É uma abertura esplêndida, que faz lembrar os inícios de filmes de Werner Herzog.
Nas seqüências seguintes, a caravana se dispersará (não convém aqui dizer como) e sobrarão apenas mãe e filha. Da gravidez de Áurea nascerá Maria, e as duas Fernandas passarão a se revezar nos papéis das três gerações de mulheres.
Perto de onde elas se instalam, num casebre condenado a ser soterrado mais cedo ou mais tarde pela areia, há uma comunidade de pescadores negros, descendentes de um quilombo. A ação começa em 1910 e termina em 1969, segundo se deduz de várias informações indiretas.
Pois um dos méritos de "Casa de Areia" é o de não mastigar as coisas para o público. Não há narração em "off", não há letreiros explicativos, não há diálogos redundantes. E sobretudo não há música rebarbativa, indutora de emoções.
Naquele mundo inóspito, imperam a elipse e o silêncio, rompido de quando em quando pelo uivo do vento. Respeita-se, assim, a sensibilidade do espectador, sua capacidade de preencher os espaços vazios com a própria imaginação -coisa rara no atual cinema brasileiro.
Há uma atmosfera de Gabriel García Márquez no destino insólito dessas mulheres. A própria repetição dos nomes Maria e Áurea remete aos Aurelianos e Josés Arcadios de "Cem Anos de Solidão".
Mas o fantástico permanece apenas como possibilidade não realizada. Waddington mantém-se firme na senda do realismo e de uma certa verossimilhança.
Talvez resida aí o calcanhar-de-aquiles do filme: é possível que o espectador contemporâneo resista a acreditar que aquelas mulheres não conseguiam sair daquele buraco -assim como talvez seja difícil acreditar em Luiz Melodia (ótimo no papel do pescador Massu na maturidade) como cônjuge de Fernanda Montenegro, dada a diferença de idade entre o cantor e a atriz.
Se essas coisas são problemas, são problemas menores, mesmo que porventura dificultem o êxito comercial do filme.
Jorge Luis Borges escreveu, num conto, que o deserto é o pior dos labirintos, porque dele não existe saída. É essa idéia que Waddington construiu visualmente: um labirinto horizontal (enfatizado pelo cinemascope), onde "o que não é chão é céu", como diz Fernanda Torres a certa altura, e onde os únicos pontos de referência verticais, não raro ínfimos, são as figuras humanas.
O que dá pleno sentido ao longa-metragem, entrelaçando o drama humano e a especulação filosófica, é a subtrama dos astrônomos que vão aos Lençóis Maranhenses fotografar estrelas durante um eclipse.
O diálogo entre Áurea e o romântico militar que conduz a expedição científica (Enrique Diaz) ecoa na conversa final entre mãe e filha e ilumina retrospectivamente tudo o que vimos: uma talvez defeituosa, mas muito bela, representação da idéia de que cada ser humano é um mundo, mas esse mundo, na escala do universo, é um magnífico nada.
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Casa de Areia
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Está tudo lá, sem tirar nem por uma única vírgula.
Então, justiça seja feita e, com a licença do colega, reproduzo o texto abaixo:
Waddington retrata deserto maranhense como labirinto cerrado
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
À primeira vista, "Casa de Areia" é um drama sobre três gerações de mulheres perdidas no fim do mundo -mais precisamente, nos Lençóis Maranhenses, Nordeste brasileiro.
Mas o filme pode ser visto também como um exercício audiovisual sobre a relatividade do tempo e do espaço. Ou sobre a pequenez humana em face da imensidão do cosmo.
Curiosamente, é nesses dois planos mais "complexos" que "Casa de Areia" parece se realizar de modo mais cabal. No plano do drama, é possível que o espectador ache que falta algo e não se sinta plenamente envolvido. Mas quem pode antever a reação dessa entidade abstrata e fugidia chamada "o espectador"?
O fato é que "Casa de Areia" é o filme mais pessoal e corajoso de Andrucha Waddington. Em seus longas anteriores -"Gêmeas", "Eu Tu Eles" e "Viva São João"-, a paisagem era mera moldura para uma encenação mais ou menos televisiva, mais ou menos teatral.
Aqui, o espaço é protagonista, agindo diretamente sobre o destino e o espírito dos personagens. Já as primeiras cenas são eloqüentes: o que se vê antes de tudo é uma vastidão de areia, uma paisagem desértica, lunar, onde a presença humana é prenunciada por ruídos de uma caravana.
Só depois começam a aparecer, como pontos indistintos, entre animais igualmente indistintos, os personagens conduzidos pelo ensandecido Vasco (Ruy Guerra). Entre eles, estão sua mulher grávida, Áurea (Fernanda Torres), e a mãe desta, Maria (Fernanda Montenegro).
É uma abertura esplêndida, que faz lembrar os inícios de filmes de Werner Herzog.
Nas seqüências seguintes, a caravana se dispersará (não convém aqui dizer como) e sobrarão apenas mãe e filha. Da gravidez de Áurea nascerá Maria, e as duas Fernandas passarão a se revezar nos papéis das três gerações de mulheres.
Perto de onde elas se instalam, num casebre condenado a ser soterrado mais cedo ou mais tarde pela areia, há uma comunidade de pescadores negros, descendentes de um quilombo. A ação começa em 1910 e termina em 1969, segundo se deduz de várias informações indiretas.
Pois um dos méritos de "Casa de Areia" é o de não mastigar as coisas para o público. Não há narração em "off", não há letreiros explicativos, não há diálogos redundantes. E sobretudo não há música rebarbativa, indutora de emoções.
Naquele mundo inóspito, imperam a elipse e o silêncio, rompido de quando em quando pelo uivo do vento. Respeita-se, assim, a sensibilidade do espectador, sua capacidade de preencher os espaços vazios com a própria imaginação -coisa rara no atual cinema brasileiro.
Há uma atmosfera de Gabriel García Márquez no destino insólito dessas mulheres. A própria repetição dos nomes Maria e Áurea remete aos Aurelianos e Josés Arcadios de "Cem Anos de Solidão".
Mas o fantástico permanece apenas como possibilidade não realizada. Waddington mantém-se firme na senda do realismo e de uma certa verossimilhança.
Talvez resida aí o calcanhar-de-aquiles do filme: é possível que o espectador contemporâneo resista a acreditar que aquelas mulheres não conseguiam sair daquele buraco -assim como talvez seja difícil acreditar em Luiz Melodia (ótimo no papel do pescador Massu na maturidade) como cônjuge de Fernanda Montenegro, dada a diferença de idade entre o cantor e a atriz.
Se essas coisas são problemas, são problemas menores, mesmo que porventura dificultem o êxito comercial do filme.
Jorge Luis Borges escreveu, num conto, que o deserto é o pior dos labirintos, porque dele não existe saída. É essa idéia que Waddington construiu visualmente: um labirinto horizontal (enfatizado pelo cinemascope), onde "o que não é chão é céu", como diz Fernanda Torres a certa altura, e onde os únicos pontos de referência verticais, não raro ínfimos, são as figuras humanas.
O que dá pleno sentido ao longa-metragem, entrelaçando o drama humano e a especulação filosófica, é a subtrama dos astrônomos que vão aos Lençóis Maranhenses fotografar estrelas durante um eclipse.
O diálogo entre Áurea e o romântico militar que conduz a expedição científica (Enrique Diaz) ecoa na conversa final entre mãe e filha e ilumina retrospectivamente tudo o que vimos: uma talvez defeituosa, mas muito bela, representação da idéia de que cada ser humano é um mundo, mas esse mundo, na escala do universo, é um magnífico nada.
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Casa de Areia
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10.5.05
cardápios e o bom cliente
É mais do que sabido o quão inútil é ir à pizzaria e lamentar que lá não se serve sushi.
É inútil ir a “Ninguém Pode Saber”, de Hirokazu Kore-Eda, e a “Um Filme Falado”, de Manoel de Oliveira, esperando “Cruzadas”. Ou esperando qualquer coisa. Nesse caso, vale avisar de antemão: não espere. Saboreie.
São dois mestres, que praticam cinemas formalmente distintos, mas sempre cinema.
Manoel de Oliveira faz um filme em tudo falado, que empreende uma história ilustrada das civilizações em sua primeira metade e traz toda a civilização para dentro de um navio na segunda. Não há uma trama, estrito modo, e sim uma construção simbólica de uma idéia. Oliveira trabalha com camadas de sugestão, enaltecendo um todo grandioso a partir de um pequeno núcleo particular.
Ele trabalha com mitos, todo o tempo, da Bíblia à História (essa de “H” maiúsculo), sugerindo uma reflexão acerca da evolução, das crenças e das fragilidades humanas. Ou, antes, acerca de como a fragilidade humana, aspecto primeiro e elementar de nossa constituição, é e foi escondida, sobreposta ou ressaltada ao longo da história da raça.
De como esse pequeno e vulnerável ser que é o homem construiu o mundo.
Mas “Um Filme Falado” não é palatável a qualquer platéia. Chamá-lo de difícil é subestimar a arte e o público. Melhor seria dizer que ele foge completamente a padrões cinematográficos banais. É prolixo, é bastante falado, de fato, é esteticamente pobre – mas nenhuma dessas afirmações é juízo de valor.
“Um Filme Falado” deve ser visto e aceito não porque Manoel de Oliveira é, ele próprio, um mito, um cineasta inatacável. Sua obra pode também ser frágil. Mas o caso aqui é lançar o olhar sobre a possibilidade, porque cinema é tudo isso, cinema é isso aí. Esse cinema é audaz em sua forma – exatamente por ser simples e nada “audacioso” – e rico em seus significados.
Hirokazu Kore-Eda, por sua vez, é autor de dois filmes magníficos que chegaram aos nossos olhos. “Maborosi” é um filme que registra fotograficamente o tempo – pense em quão deslumbrante isso pode ser. Já “Depois da Vida” faz uma das maiores declarações de amor ao cinema que se pode fazer, misturando sétima arte, vida, morte, luz, olhar e memória.
Se “Maborosi” era um filme operante em uma esfera espiritual e “Depois da Vida” em uma outra metafísica, “Ninguém Pode Saber” mantém os dois pés bem rentes ao chão. É de tons e tema realistas até a medula, mas com uma leveza onírica que deslumbra os olhos e acentua sua dor narrativa.
Construído com planos de uma simplicidade explosivamente tocante, “Ninguém Pode Saber” é uma casinha audiovisual que constrói a si mesma com vagar, beleza, elipses e, sem querer, muita força dramática.
Porque o universo infantil abordado é filmado de forma tão próxima que se fica contagiado de pureza e inocência. E a perda dessa inocência, a crueldade do mundo implodindo o pequeno apartamento e as pequenas vidas dá-se de forma discreta, cadenciada. Não há arroubos de naturalismo documental, não há câmeras trepidantes e diálogos “verdadeiros” no estilo “somos feios, sujos e malvados”.
Kore-Eda filma com elegância e sutileza desnorteantes uma história dura e triste. E nada deixa de ser menos real visto pelo olhar profundamente estético do diretor, como se poderia supor. Sua câmera está sempre próxima e nunca invasiva. O filme adentra o público pela fresta da beleza e comprime-o por dentro, pela agudez do sofrimento. A catarse é plena e bem feita.
Dizem que deus está nos detalhes. Em grande parte, Hirokazu Kore-Eda parece compactuar dessa opinião.
É inútil ir a “Ninguém Pode Saber”, de Hirokazu Kore-Eda, e a “Um Filme Falado”, de Manoel de Oliveira, esperando “Cruzadas”. Ou esperando qualquer coisa. Nesse caso, vale avisar de antemão: não espere. Saboreie.
São dois mestres, que praticam cinemas formalmente distintos, mas sempre cinema.
Manoel de Oliveira faz um filme em tudo falado, que empreende uma história ilustrada das civilizações em sua primeira metade e traz toda a civilização para dentro de um navio na segunda. Não há uma trama, estrito modo, e sim uma construção simbólica de uma idéia. Oliveira trabalha com camadas de sugestão, enaltecendo um todo grandioso a partir de um pequeno núcleo particular.
Ele trabalha com mitos, todo o tempo, da Bíblia à História (essa de “H” maiúsculo), sugerindo uma reflexão acerca da evolução, das crenças e das fragilidades humanas. Ou, antes, acerca de como a fragilidade humana, aspecto primeiro e elementar de nossa constituição, é e foi escondida, sobreposta ou ressaltada ao longo da história da raça.
De como esse pequeno e vulnerável ser que é o homem construiu o mundo.
Mas “Um Filme Falado” não é palatável a qualquer platéia. Chamá-lo de difícil é subestimar a arte e o público. Melhor seria dizer que ele foge completamente a padrões cinematográficos banais. É prolixo, é bastante falado, de fato, é esteticamente pobre – mas nenhuma dessas afirmações é juízo de valor.
“Um Filme Falado” deve ser visto e aceito não porque Manoel de Oliveira é, ele próprio, um mito, um cineasta inatacável. Sua obra pode também ser frágil. Mas o caso aqui é lançar o olhar sobre a possibilidade, porque cinema é tudo isso, cinema é isso aí. Esse cinema é audaz em sua forma – exatamente por ser simples e nada “audacioso” – e rico em seus significados.
Hirokazu Kore-Eda, por sua vez, é autor de dois filmes magníficos que chegaram aos nossos olhos. “Maborosi” é um filme que registra fotograficamente o tempo – pense em quão deslumbrante isso pode ser. Já “Depois da Vida” faz uma das maiores declarações de amor ao cinema que se pode fazer, misturando sétima arte, vida, morte, luz, olhar e memória.
Se “Maborosi” era um filme operante em uma esfera espiritual e “Depois da Vida” em uma outra metafísica, “Ninguém Pode Saber” mantém os dois pés bem rentes ao chão. É de tons e tema realistas até a medula, mas com uma leveza onírica que deslumbra os olhos e acentua sua dor narrativa.
Construído com planos de uma simplicidade explosivamente tocante, “Ninguém Pode Saber” é uma casinha audiovisual que constrói a si mesma com vagar, beleza, elipses e, sem querer, muita força dramática.
Porque o universo infantil abordado é filmado de forma tão próxima que se fica contagiado de pureza e inocência. E a perda dessa inocência, a crueldade do mundo implodindo o pequeno apartamento e as pequenas vidas dá-se de forma discreta, cadenciada. Não há arroubos de naturalismo documental, não há câmeras trepidantes e diálogos “verdadeiros” no estilo “somos feios, sujos e malvados”.
Kore-Eda filma com elegância e sutileza desnorteantes uma história dura e triste. E nada deixa de ser menos real visto pelo olhar profundamente estético do diretor, como se poderia supor. Sua câmera está sempre próxima e nunca invasiva. O filme adentra o público pela fresta da beleza e comprime-o por dentro, pela agudez do sofrimento. A catarse é plena e bem feita.
Dizem que deus está nos detalhes. Em grande parte, Hirokazu Kore-Eda parece compactuar dessa opinião.
6.5.05
Corpos
"Titânio" é belo espetáculo encenado por Fernando Kinas, com Simone Spoladore e Lori Santos.
Belo e desafiador e dolorido.
"Titânio" dedica-se a pensar um pouco sobre o imenso afeto e a imensa brutalidade que se encerram no que é (se for) aquilo que chamam amor.
[Você pensa que é fácil?]
Mas não só. "Titânio" fala também:
"O teatro é uma forma de luta contra a cultura de massa.
O teatro é atual porque é anacrônico.
Os corpos dos atores e os corpos dos espectadores não podem ser fabricados em série."
E sabe por quê? Porque nada substitui a união dos corpos.
Lenine, Lirinha e Otto misturando "Alzira na Torre" com "Da Lama ao Caos", agora há pouco, no palco do Directv Music Hall, é irreprodutível. Quem esteve lá, viu.
Quem esteve lá sentiu essa energia tão vital e tão cada vez mais rara da união (gloriosa) dos corpos.
Quem esteve em casa vendo novela sentiu, no máximo, sono.
Belo e desafiador e dolorido.
"Titânio" dedica-se a pensar um pouco sobre o imenso afeto e a imensa brutalidade que se encerram no que é (se for) aquilo que chamam amor.
[Você pensa que é fácil?]
Mas não só. "Titânio" fala também:
"O teatro é uma forma de luta contra a cultura de massa.
O teatro é atual porque é anacrônico.
Os corpos dos atores e os corpos dos espectadores não podem ser fabricados em série."
E sabe por quê? Porque nada substitui a união dos corpos.
Lenine, Lirinha e Otto misturando "Alzira na Torre" com "Da Lama ao Caos", agora há pouco, no palco do Directv Music Hall, é irreprodutível. Quem esteve lá, viu.
Quem esteve lá sentiu essa energia tão vital e tão cada vez mais rara da união (gloriosa) dos corpos.
Quem esteve em casa vendo novela sentiu, no máximo, sono.
4.5.05
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