Nos dias que ainda restam desse 2005, um olhar rápido sobre o que esteve nas telas no ultimo bimestre. Aí vai:
OLIVER TWIST
Quem poderia imaginar que Roman Polanski seguiria “O Pianista” com mais uma adaptação do romance infanto-juvenil por excelência? Mas assim foi. E nesse “Oliver Twist” sobra capricho de produção e falta material humano. Corretíssimo – o que é, aqui, uma falta grave. Tudo feito de forma burocrática, sem paixão. Vê-se, mas é anódino.
FINAIS FELIZES
Don Roos surgiu para o mundo no ácido e bom “O Oposto do Sexo”. Sua visão de mundo – assim como a escalação de parte de seu elenco – não mudou muito. O que se vê é uma polifonia estimulante e divertida, com vários bons atores em bons papéis. Tudo bastante rápido e eficaz, com a profundidade passando ao largo – mas a idéia é essa mesmo. Aqui, como se sabe, o mundo pode ser tudo, mas definitivamente não é chato.
HERÓIS IMAGINÁRIOS
Em mais um capítulo do “cinema independente norte-americano”, uma história vítima de sua própria (des)ambição. O universo ficcional até consegue ser construído com habilidade e consistência, mas o furor da trama em sobrepor acontecimentos e dramas acaba por tragar a si mesmo para um certo vazio.
O FIM E O PRINCÍPIO
É mais um capítulo de “a incrível arte de mestre Coutinho”, que merece texto e análise próprios. Obrigatório - embora existam, sim, questões e restrições a serem discutidas.
CRASH – NO LIMITE
É um filmaço, na acepção mais simples (e Americana) do termo. O roteiro dá a impressão de ter sido trabalho exemplar, daqueles “nota 10 com louvor”, em uma oficina para roteiristas – do tipo em que se ensina progressão aristotélica, como fazer dezenas de detalhes se encaixar com perfeição e como costurar eficazmente uma incrível multiplicidade de tramas. Tanta “excelência” na forma, no entanto, por vezes incomoda, se faz visível e fica maior que a história em si. Friamente, pode-se condenar a sensação de que tudo está a favor de um ponto de vista, ou seja, de que toda a construção dramática opera para exemplificar a intolerância e o ódio perante o outro, esvaziando a vida interna de cada narrativa particular (salvo pequenas e milagrosas exceções). Mas deixando a frieza analítica em casa, vale a pena se entregar. É um daqueles filmes que derivam da Indústria, que são formulaicos em certa medida, mas que aliam o entretenimento com a pungência moral, em um formato narrativo (conhecido e muitas vezes desgastado) que o cinema Americano domina como nenhum outro e com o qual ainda sabe provocar prazer intelectual.
UMA VIDA ILUMINADA
Os personagens todos são retratados, e devem ser lidos, na chave do burlesco e a história é uma daquelas jornadas de descobertas. Funciona e derrapa em igual medida.
QUERIDA WENDY
O roteiro dogmático não nega as origens – foi escrito por Lars Von Trier. A construção moral dos personagens e o desenrolar instigante da trama, por sua vez, são plenamente bem orquestrados por Thomas Vintemberg. Mas a sustentação de ações, de intenções, e mesmo a verossimilhança que a história tem, são implodida no quarto final por acontecimentos que de tão injustificados passam a ser francamente estúpidos. Discrepante com o caminho que levou até ali, a conclusão não só é incapaz de amarrar de forma coesa o libelo moral empreendido como murcha a força que ele tivera até ali.
BEIJOS E TIROS
É um cinema plenamente derivativo. Se você não acompanhou a cultura pop (especialmente a cinematográfica) e suas mudanças nos últimos 10 anos, esqueça, esse filme não é para você. Mas se você acompanhou a década de 90 como um de seus legítimos filhos, delicie-se. Construído em metalinguagem, com um narrador 100% auto-referente, que metralha comentários ácidos e hilários sobre os aspectos diegéticos e extra-diegéticos do filme, essa é uma anti-sátira breve, superficial, vulgar e deliciosa. É uma narrativa na medida de sua própria pretensão, que é a de ser um reflexo dessa cultura pop em que ela mesma se encerra. Se isso for compreendido pelo espectador, é um programão (para “consumir” com pipoca, claro.)
EM MINHA TERRA
Cheio de boas intenções, repleto de incompetência. Didático, narrativamente truncado, com desenvolvimento dramático tolo e inconvincete, mal montado. Incrível saber que o outrora contundente John Boorman, dirigindo os bons Samuel L Jackson e Juliette Binoche, tenha errado feio em uma história tão simplista em sua ambição de ser poderosa.
O MUNDO DE JACK E ROSE
Rebeca Miller mostrara-se uma cineasta a ser seguida, em seu primeiro longa-metragem, “O Tempo de Cada Um”. No segundo, lança olhar delicado sobre os temas do amor incestuoso e dos espaços dos seres humanos, no mundo e na vida de outras pessoas. Mas sua dramaturgia desequilibra-se em personagens coadjuvantes deslocados e viradas despropositadas.
EM SEU LUGAR
Uma comédia dramática “mainstream”, do homem que deu ao mundo o excelente “Garotos Incríveis”. A história criar uma leve barriga no terço final é o que não deixa esse ser um ótimo filme comercial. Mas há muito do que gostar, desde Cameron Diaz em um de seus melhores papéis, até Shirley MacLaine, redimindo-se de muito tempo sem um bom papel, passando pelas situações cômicas espertas e o drama comovente para os moldes hollywoodianos. Filme para ver sorrindo.
VIDA DE MENINA
Absolutamente surpreendente na qualidade dramática que nasce de seu despojamento. Com um inteligente senso do episódico, Helena Solberg faz a crônica de um tempo, de um lugar e das vidas postas em conjunto nessas circunstâncias. Para arrematar, faz desenrolar na tela uma doce sinfonia do amadurecimento. Ludmila Dayer constrói de forma irrepreensível a protagonista, que conduz o espectador em um passeio estimulante, com muita sagacidade deliciosamente escondida por trás da inocência. Entre as pequenas falhas, a mais notável é o eterno problema do naturalismo das interpretações, uma meta que as telenovelas parecem fazer inalcançável. Porém, uma vez que belamente driblado pela onipresente protagonista, passa a ser desculpável e fica menor que as outras qualidades do filme. “Vida de Menina” não é filme que procura renovar uma cinematografia. Mas é obra essencial para sua consistência e identidade.
AS CRÔNICAS DE NÁRNIA
Depois que o paradigma do cinema épico de fantasia foi estabelecido pelo “Senhor dos Anéis”, fica difícil fazer alguma diferença neste terreno. E esse filme previsível e tedioso confirma a afirmação.
MISTÉRIOS DA CARNE
Destrambelhado e belo. Aborda de forma até certo ponto leve o abuso sexual infantil: em vez de gritos, choro, sangue, vingança ou estardalhaço, há duas trajetórias paralelas de sublimação que se encontram de forma delicada e comovente. Bons atores conduzem uma encenação que varia entre o quase exagero e a simplicidade, mas que se equilibra em sua verdade humana. É exemplar louvável do “cinema independente norte-americano”.
KING KONG
Sim, existe a cativante humanidade do personagem-título e a história de amor instigante que ele desenvolve com sua co-estrela. E, sim, existe o senso do espetáculo que Peter Jackson já está farto de dominar, depois da hercúlea epopéia de “Senhor dos Anéis”. Mas ao mesmo tempo que a relação macaco-mulher cavoca instintos humanos bastante adultos, existe uma infantilidade narrativa irritante. A reiteração chateia e faz pensar por que, afinal, era preciso contar essa história em 3 horas e 10 minutos. Será que é preciso ver 40 batalhas de seres humanos com criaturas perigosas para entender que se trata de uma jornada de risco e que a Ilha em que estão os aventureiros é cheia de perigo? Para um público de que idade mental, enfim, esse filme é narrado? A complexidade, assim, infelizmente se dilui em obviedade e repetição aflitivas.
BENS CONFISCADOS
Não sou admirador nem compreendo o cinema de Carlos Reichembach como um todo. E me incomoda fortemente uma certa “tosquidão” de mise-en-scéne que advém, principalmente, do artificialismo das interpretações e de alguns diálogos. E uma vez que todos os outros aspectos técnicos do filme são bem resolvidos, não se pode nem presumir uma incorporação desse “erro”, como em um filme B. Mas se em “Garotas do ABC” tais características pareciam ser imperdoáveis, em “Bens Confiscados” há uma beleza maior, que parece encobrir as falhas. Não que as redimam: continuo achando que o filme seria mais e melhor se chegasse à verdade plena de encenação de sua dramaturgia. (Atenção: não se trata de se formatar ou se encaixar em padrões de “naturalismo” pré-estabelecidos, e sim de encontrar o seu próprio, sem que esse seja tal que evoque a simples incompetência.) Ainda assim, acredito mais nos erros desse cinema de Reichembach do que nos “acertos” de um Daniel Filho, por assim exemplificar. Se, de fato, alguns dos diálogos não se ajustam e algumas das interpretações não se encontram, ainda assim a trama encerra um discurso, um sentido. Ao subirem os créditos, podem existir uma comoção e uma compreensão amplas do que acabou de ser visto. A frase da música-tema que diz algo como “e no final, quem confiscou os bens de quem, meu amor?” põe as reticências finais nessa história que merece existir, apesar de seus tropeços. Como o cantor que desafina, mas emociona na legitimidade da sua tentativa, “Bens Confiscados” é um cinema que tem alma e beleza.
UFA!
13.12.05
woody!
Há anos Woody Allen não encabeçava listas de premiações. Depois de aclamado em Cannes, em maio, e indicado agora ao Globo de Ouro nas categorias melhor filme, melhor direção, melhor roteiro e melhor atriz coadjuvante (Scarlet Johannson), "Match Point" parece ser a prova definitiva de que o gênio está de volta. Os grandes dificilmente perdem a grandeza.
11.12.05
los hermanos
Shows da banda carioca Los Hermanos podem ser tudo, menos uma experiência propriamente musical.
Porque o público, tomado por adoração messiânica, canta do começo ao fim absolutamente todas as letras. Grita, vibra, aplaude cada virada das canções. O público quer ser (e é) maior que o show. O público (sem querer) quer ser (e é) o show em si.
Há uma fenomenal troca de energia, uma espécie de pulsão própria de apresentações musicais ao vivo. Coisas do tipo "quem esteve lá, sabe".
Contudo, para conhecer e se emocionar com as belíssimas canções do disco "4", deve-se comprar o cd. Porque da histeria coletiva que é o show, a música é a grande prejudicada (o que, para o público presente, jamais se configura como um problema).
Porque o público, tomado por adoração messiânica, canta do começo ao fim absolutamente todas as letras. Grita, vibra, aplaude cada virada das canções. O público quer ser (e é) maior que o show. O público (sem querer) quer ser (e é) o show em si.
Há uma fenomenal troca de energia, uma espécie de pulsão própria de apresentações musicais ao vivo. Coisas do tipo "quem esteve lá, sabe".
Contudo, para conhecer e se emocionar com as belíssimas canções do disco "4", deve-se comprar o cd. Porque da histeria coletiva que é o show, a música é a grande prejudicada (o que, para o público presente, jamais se configura como um problema).
6.12.05
piadas
O júri de um recente festival de cinema concede o prêmio de melhor atriz a uma criança que "atua" em um filme feito inteiramente com "stills", ou seja, fotos estáticas. Explica-se: não há imagens em movimento, somente uma sucessão de fotos.
O filme em questão é excelente - não se discute isso.
Mas o prêmio só comprova, para quem ainda tinha alguma dúvida, que jurados em festivais de cinema são capazes de produzir quase tantas piadas quanto a política nacional.
O filme em questão é excelente - não se discute isso.
Mas o prêmio só comprova, para quem ainda tinha alguma dúvida, que jurados em festivais de cinema são capazes de produzir quase tantas piadas quanto a política nacional.
2.12.05
duas duplas: 2
2.
Todo mundo, a essas alturas, já sabe que “Manderlay” e “Marcas da Violência” são filmes sobre a sociedade americana. Mas e daí? E depois? E durante?
São dois grandes filmes. Agradem mais ou menos parcelas específicas do público, são obras de força moral, que cavocam, remexem, fazem barulho e sujeira.
“Marcas da Violência” é um Cronemberg um pouco afastado das temáticas ditas “esquisitas” que já marcaram sua obra. É um filme sobre o abismo interno do homem – e o quanto esse abismo pode ser relevado. Cutuca a ferida da violência na sociedade, indaga o quanto há de nós em nós mesmos. Busca saber em que medida o passado pode ser apagado, esquecido. Há mudança possível na personalidade de um homem? A superfície suave esconde por quanto tempo um interior turbulento, afinal?
Muito bem filmado, com atores no ponto certo (de ebulição), Cronemberg faz de seu filme uma pistola com silenciador – há explosão e sangue, mas praticamente não ouvimos nada. O que não quer dizer que essa história que contrói, destrói e remenda verdades e mentiras que rondam a família, a sociedade, os desvão de caráter e a força das escolhas, não possua um poder de combustão que se faça sentir de forma latente.
Cronember forja, diegeticamente falando, uma vida cenográfica perfeita, que ele faz ser corrompida pela inevitabilidade de alguns sentimentos humanos. Num cenário de paz e perfeição, a violência é a pólvora que desestabiliza as relações humanas, relativiza certezas e faz mudar mesmo a noção que se tem do personagem principal – e de todos a sua volta, nesse sentido. Até que ponto podemos ser fiéis às máscaras que inventamos para nós mesmos?
Um amigo diria que um filme deve antes ser um filme, ou seja, ser bem resolvido em seus aspectos dramatúrgicos, pra só depois ser uma tese, ou uma experiência estética e/ou moral. A construção, de acordo com esse raciocínio, deve ser em camadas – por sobre a existência “fílmica” de um aglomerado de imagens é que deve nascer uma rede de simbolismos, teorias, significâncias.
Melhor fica quando tudo se mistura. “Marcas da Violência” é uma tese (aberta), ponto de confluência de (des) equilíbrios morais e éticos, ponto de partida para uma série de leituras simbólicas e uma construção cinematográfica que sabe exatamente do que é capaz a linguagem com que está trabalhando e, por isso mesmo, faz-se trabalhada com rigor e precisão.
Não se deixe distrair somente pelo “entretenimento” que o filme pode oferecer. Entre no jogo e, como a própria trama, olhe um pouco mais embaixo. Há prazeres (ainda que conflituosos) à espera.
(Uma análise das mais equilibradas e sensatas sobre “Marcas da Violência” é a crítica que Manhola Dargis escreveu sobre o filme no “New York Times”. Se o inglês estiver afiado, arrisque-se clicando AQUI).
“Manderlay”, por sua vez, é a segunda parte da trilogia de Lars Von Trier, iniciada com “Dogville”, sobre a sociedade americana. Baixada a poeira da inovação do primeiro filme, e repetindo a dose estétiva, é possível olhar, nesse segundo capítulo, o que existe em trama e narrativa.
Há bastante. Grace, a personagem agora interpretada pela boa Bryce Dallas Howard, está mais complexa. Longe de ser uma mártir aparentemente estúpida que sofre durante duas horas e meia para metralhar seus carrascos ao final, ela agora possui conflitos internos. E esses conflitos acabam por pautar, de forma bem-sucedida, as dualidades que o roteiro apresenta.
Sim, há didatismo. Sim, o espectador pode revoltar-se e odiar determinados dogmas morais que podem ser lidos com maior ou menor clareza. Mas fato é que o método ainda funciona. Concebido de forma absolutamente teatral (e brechtiana), a narrativa, porem é conduzida de forma (cinematográfica) plenamente competente e límpida. Corre com precisão e atinge o alvo – graças às concepções e realização das atuações, fotografia e da mise-en-scene em si.
Lars Von Trier é homem de inflamar ânimos, mas algumas de suas habilidades, como a de exímio narrador, não podem ser negadas. “Manderlay” é filme dialético por excelência, poderoso em seu discurso. Perante sua tese, é somente a disposição e dedicação do espectador em contruir sua anti-tese que fará deste um filme melhor ou pior.
(E, se vale alguma coisa saber, o signatário gostou bastante.)
Todo mundo, a essas alturas, já sabe que “Manderlay” e “Marcas da Violência” são filmes sobre a sociedade americana. Mas e daí? E depois? E durante?
São dois grandes filmes. Agradem mais ou menos parcelas específicas do público, são obras de força moral, que cavocam, remexem, fazem barulho e sujeira.
“Marcas da Violência” é um Cronemberg um pouco afastado das temáticas ditas “esquisitas” que já marcaram sua obra. É um filme sobre o abismo interno do homem – e o quanto esse abismo pode ser relevado. Cutuca a ferida da violência na sociedade, indaga o quanto há de nós em nós mesmos. Busca saber em que medida o passado pode ser apagado, esquecido. Há mudança possível na personalidade de um homem? A superfície suave esconde por quanto tempo um interior turbulento, afinal?
Muito bem filmado, com atores no ponto certo (de ebulição), Cronemberg faz de seu filme uma pistola com silenciador – há explosão e sangue, mas praticamente não ouvimos nada. O que não quer dizer que essa história que contrói, destrói e remenda verdades e mentiras que rondam a família, a sociedade, os desvão de caráter e a força das escolhas, não possua um poder de combustão que se faça sentir de forma latente.
Cronember forja, diegeticamente falando, uma vida cenográfica perfeita, que ele faz ser corrompida pela inevitabilidade de alguns sentimentos humanos. Num cenário de paz e perfeição, a violência é a pólvora que desestabiliza as relações humanas, relativiza certezas e faz mudar mesmo a noção que se tem do personagem principal – e de todos a sua volta, nesse sentido. Até que ponto podemos ser fiéis às máscaras que inventamos para nós mesmos?
Um amigo diria que um filme deve antes ser um filme, ou seja, ser bem resolvido em seus aspectos dramatúrgicos, pra só depois ser uma tese, ou uma experiência estética e/ou moral. A construção, de acordo com esse raciocínio, deve ser em camadas – por sobre a existência “fílmica” de um aglomerado de imagens é que deve nascer uma rede de simbolismos, teorias, significâncias.
Melhor fica quando tudo se mistura. “Marcas da Violência” é uma tese (aberta), ponto de confluência de (des) equilíbrios morais e éticos, ponto de partida para uma série de leituras simbólicas e uma construção cinematográfica que sabe exatamente do que é capaz a linguagem com que está trabalhando e, por isso mesmo, faz-se trabalhada com rigor e precisão.
Não se deixe distrair somente pelo “entretenimento” que o filme pode oferecer. Entre no jogo e, como a própria trama, olhe um pouco mais embaixo. Há prazeres (ainda que conflituosos) à espera.
(Uma análise das mais equilibradas e sensatas sobre “Marcas da Violência” é a crítica que Manhola Dargis escreveu sobre o filme no “New York Times”. Se o inglês estiver afiado, arrisque-se clicando AQUI).
“Manderlay”, por sua vez, é a segunda parte da trilogia de Lars Von Trier, iniciada com “Dogville”, sobre a sociedade americana. Baixada a poeira da inovação do primeiro filme, e repetindo a dose estétiva, é possível olhar, nesse segundo capítulo, o que existe em trama e narrativa.
Há bastante. Grace, a personagem agora interpretada pela boa Bryce Dallas Howard, está mais complexa. Longe de ser uma mártir aparentemente estúpida que sofre durante duas horas e meia para metralhar seus carrascos ao final, ela agora possui conflitos internos. E esses conflitos acabam por pautar, de forma bem-sucedida, as dualidades que o roteiro apresenta.
Sim, há didatismo. Sim, o espectador pode revoltar-se e odiar determinados dogmas morais que podem ser lidos com maior ou menor clareza. Mas fato é que o método ainda funciona. Concebido de forma absolutamente teatral (e brechtiana), a narrativa, porem é conduzida de forma (cinematográfica) plenamente competente e límpida. Corre com precisão e atinge o alvo – graças às concepções e realização das atuações, fotografia e da mise-en-scene em si.
Lars Von Trier é homem de inflamar ânimos, mas algumas de suas habilidades, como a de exímio narrador, não podem ser negadas. “Manderlay” é filme dialético por excelência, poderoso em seu discurso. Perante sua tese, é somente a disposição e dedicação do espectador em contruir sua anti-tese que fará deste um filme melhor ou pior.
(E, se vale alguma coisa saber, o signatário gostou bastante.)
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