20.4.09

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Contardo Calligaris, psicanalista, autor da peça “O Homem da Tarja Preta”, respondendo a Bete Coelho, atriz, diretora da peça, na última edição da revista Serafina:

De que maneira uma coisa só é possível no teatro?Para [o crítico francês, 1915- 1980] Roland Barthes, o essencial no teatro é a presença real e física do ator. No teatro, você tem uma relação com o corpo do ator que é...

Erótica?
É. Erótica, no melhor sentido. A gente vive a experiência teatral com uma proximidade que torna algumas pessoas absolutamente fóbicas. Não é por acaso que eu posso assistir a um filme de que não estou gostando sem problema nenhum; enquanto numa peça de que não gosto a dificuldade é enorme. É um mal- estar físico, porque estou envolvido física e eroticamente.


Sobre o assunto, alguns acontecimentos recentes fazem pensar.



Eduardo Coutinho, em Moscou, leva seu cinema a outro nível de articulação. Todo o tão discutido embaralhamento entre real e ficção e teatro e vida, realizado a partir da idéia do que é o “ator”, ou, antes, o próprio "atuar", em vida ou defronte uma câmera, que ele realizara em Jogo de Cena, ganha aqui contornos mais amplos e quiçá mais profundos.

Flertando abertamente com a encenação, Coutinho acompanha a preparação e ensaios que Enrique Diaz comanda junto ao Grupo Galpão da clássica peça As Três Irmãs, de Anton Tchekhov. E se Diaz já desconstruía e resignificava textos fundamentais no teatro, ao lado de sua Cia dos Atores (Ensaio.Hamlet e Gaivota – Tema Para Um Conto Curto), aqui a magia extravasa a esfera do palco e ganha contornos cinematográficos.

Torna-se tênue demais, belo demais, poético demais, claro com a sutileza do sublime o (não)limite entre 1) o ator diante da câmera sendo ele mesmo, 2) o ator sendo seu personagem e 3) o personagem simplesmente existindo num espaço/tempo que é mítico e único à ficção

(a tentar esclarecer: é como se Hamlet, Olga, Macha ou Irina - ou qualquer outro grande personagem - existissem constantemente em algum lugar, um plano contínuo e abstrato das idéias; um ator, quando em cena, reproduz essa vida que nesse outro lugar existe sem cessar; assim, para o público, quando concretizada a mágica do drama durante o instante da encenação, esse ator ocupa ele mesmo esse ser/estar permanente a que as grandes personagens estão eternamente sujeitas; num sentido muito mais amplo do que o truque ou a técnica, portanto, o ator torna-se o personagem, como se desse carne a uma holografia desenhada no espaço).

E esse transitar que as câmeras de Coutinho flagram nos corpos e rostos desses atores, suspensos no texto dramático, é talvez o mais acachapante e sobrenatural feito desse seu novo filme.

Não é o caso de alongar-se em dizer a satisfacão que dá assistir a Moscou, o quanto os intérpretes do Grupo Galpão conseguem ser extra-ordinários, o quanto os diretores afinam-se na precisão em captar a beleza melancólica e ardorosa de uma peça como a de Tchekhov e a forma intensa com que afloram as dores e delícias do ofício de atuar, da arte teatral e de qualquer arte, os mistérios que levam corações e mentes a fascinar-se tão profundamente pela mimese.

Crendo que as qualidades de um documentário podem ser mais ou menos aproveitadas de acordo com as medidas de interesse e identificação do espectador com o objeto abordado, este blog poderia dizer que Moscou foi feito especialmente para seus olhos. O que só reafirma o filme em seu tema e propósito de perpetuar o tal fascínio tão inexplicável e tão poderoso da e pela Arte.

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Dentro da programação de América em Recortes – o Teatro Chileno em Evidência, que o SESC oferece ao público paulistano, é um choque indescritível descobrir a companhia Teatro en el Blanco e o trabalho que fazem em duas peças, Neva a frente delas.

É daquelas experiências sensoriais, intelectuais, estéticas e emotivas completas, que justificam tudo e qualquer coisa. Daquelas que causam choques violentos de júbilo, que descortinam possibilidades, que chegam a remodelar alguns padrões da arte a que se referem - no caso, a teatral.

Na falta de poder explicar o que se vê, vale reproduzir o programa da peça: “é uma reflexão crítica e sarcástica sobre o teatro, passando pelo drama privado da morte e pelo drama público da violência política”. Mas é muito mais.

Tentar narrar ou elucidar o que fazem Paula Zúñiga e Trinidad González, atrizes tão arrebatadoramente plenas quanto duas atrizes podem ser, é vão. Elas são escudadas pelo também excelente Jorge Eduardo Becker e pela direção e dramaturgia de Guillermo Calderón, e esse pequeno grupo de uma coesão assustadora é capaz de provocar tanto com tão pouco - em 80 minutos, sobre um tablado de 3m x 2m, com uma singela caixa de luz inserida na própria cena - que fazem com que todo e qualquer teatro pirotécnico torne-se, em retrospecto, imediatamente pobre. (É o caso mesmo de a gente ficar pensando por que alguém precisou algum dia de mais do que isso para ser fenomenal.)

Diciembre, uma obra de ficção política ambientada num futuro onde guerras territoriais comandam a América Latina, dispõe de uma estrutura cênica e narrativa essencialmente similar. Três atores fantásticos, múltiplas nuances de interpretação, um quase não cenário fixo, luzes diegéticas e operada em cena, uma capacidade atordoante de naturalismo na farsa/ paródia/ melodrama cômico, transições invisíveis e precisas para a tragédia mais pungente, texto que alterna latejantes dramas individuais com questões sócio-políticas coletivas que se insinuam progressivamente para o contexto privado, levando à sua fatal implosão.

Uma vez mais, as tentativas de explicação não dão conta. Saindo do teatro, o comentário mais simplório e mais honesto que se pôde fazer com amigos foi compartilhar o intenso desejo de que a companhia Teatro en el Blanco pudesse vir mais vezes. Ou se instalasse definitivamente por aqui, expandindo nossos gostos, olhares e reflexões com mais frequência.

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Danilo Gangheia e Dagoberto Feliz, dois atores bem distantes do comum, apresentaram Palhaços, nesse ultimo sábado, com os corações despedaços pela morte de um amigo querido.

O fato, naturalmente, só foi dito à plateia ao fim da sessão, mas dada a intensidade e majestosidade do que ambos fizeram entre o terceiro sinal e essa revelação, donos poderosos desse tão complexo, artesanal e delicado ofício, é de se acreditar que nenhum público verá performance dessa mesma peça em que o texto de Timochenko Wehbi receba complementariedade tão iminente e avassaladoramente verdadeira.

Ao abrirem-se as cortinas, o artista, instrumento de si mesmo, precisa fazer seu show. Mesmo que com a alma beirando o absoluto abismo.

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Ainda que com resultados gerais bem distantes daqueles alcançados pelos espetáculos acima, Lilia Cabral enche a colcha de retalhos que é Divã de uma dignidade assombrosa. Faz rir e faz chorar com a desenvoltura do palhaço sensível que conta piada ao andar na corda bamba e narra um conto triste pulando do trapézio.

É realmente de se perguntar porque ela nunca foi atriz mais presente em filmes, com papéis a altura de suas capacidades.

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