De: Rafael Gomes
Data: 12 de junho de 2010 19h56min42s GMT-03:00
Para: Thiago Ledier
Assunto: o homem do lado
amor,
"Sideman" é mesmo teatríssimo.
sinto naquele texto o peso da tradição da dramaturgia 'clássica' norte-americana, aquelas peças de O'Neill, Tennessee e Miller, uma maneira de radiografar um período, um grupo, uma sociedade, compondo cenas do simples fluir da vida (como no 1º ato de vocês) e de sua natural derrocada (como no 2º ato de vocês), sem necessariamente uma grande explosão, um grande incidente ou propósito engatilhador de um conflito dramático principal e progressivo. e a moral do perder e ganhar, o ímpeto e a desistência em construir algo.
há beleza de sobra no pequeno drama e nós sabemos disso. e quanta não fervilha na melancolia do jazz (eita música para cortas os pulsos, essa...), no desacerto que é a convivência, na busca por um espaço (para a arte, para si mesmo, para estar, para se esconder). nos escorregadios entremeios dos solos de trompete que conseguimos alcançar, que cansamos de fazer, nos quais não somos creditados.
que maravilha é acompanhar Zé Henrique de Paula (e você ao lado dele), sendo essa coisa tão difícil e exigente que é o encenador. quanto êxito colocando de pé de forma tão competente espetáculos tão díspares como os dos últimos anos e quanto cuidado em se ater ao particular de cada um deles, em não aplicar fórmulas mas empreender de dentro pra fora esse árduo e ardiloso trabalho da direção, erguendo a cena sobre o texto - isso que poderia ser tão básico mas cujo resultado eficaz tão usualmente sequer é esboçado.
que glória são Otávio e Sandra. que glória! atingem a plenitude do arquétipo sem descuidar da individuação.
que bonito é o desnudamento e a coragem de Slaviero em encarar essa 'peçona' literalmente de frente, ele que deve saber-se tão sujeito a pré-conceitos e críticas apressadas, derivados de sua carreira na televisão.
que medo de Eric Lenate, amor. que medo! nunca pensei (naturalmente porque não o conhecia como ator) que ele fosse capaz desse negócio tão difícil que é transcender o naturalismo para tão inteiramente conseguir fincar-se nele, embebedando-se em verdade (e que cena estupenda aquela em que ele é preso!)
que coesão o elenco inteiro, enfim (mas, olha, diz pra Gabriela que ela precisa falar um pouco mais alto).
e cenografia, figurinos, iluminação, sons e todos os afins...
é teatro de se aplaudir de verdade, sabe (porque quantas e quantas vezes aplaudimos protocolarmente, não é?)? e que fenomenal é constatar que pode ter gente capaz de fazer, por exemplo, O Idiota, uma jóia tão fora (e tão dentro, também) de padrões secularmente estabelecidos para essas tais "artes cênicas", e também esse Sideman, tão clássico e tão translumbrante em seu equilíbrio e limpidez, em sua atenção ao padrão e ao convencional (extraindo desses conceitos qualquer carga pejorativa). porque quem consegue fazer teatro "clássico" com essa elegância, esse controle e essa inteligência (emocional, acima de tudo) que atire a primeira crítica.
(quantos parênteses, né? acho que a peça abre parênteses na gente.)
e olha só, não tem nada de "muito longo", não. isso é coisa de gente estúpida que não passa mais de meia hora sem checar iphone ou sem mudar de canal. para eles, os guias de programação agora até possuem toda uma sessão separada para aquelas peças ditas de "Humor".
salve os artistas de teatro!
um beijo
R
Um comentário:
vc pode imaginar o qt me sinto feliz ao ler isso, né, amor?
vc sabe o qt de amor há nesse trabalho.
e como fico feliz de ter vc como amigo. ai, rafael, viu!
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