24.5.06

os códigos McKellen

O Código Da Vinci utiliza - mal - rigorosamente todos os códigos de uma certa gramática cinematográfica para filmes de "aventura", conhecida como hollywoodiana.

Porcaria de filme que, olhado a rigor, mesmo que sem muito cuidado, é ruim em todos os sentidos.

A começar pelos flashbacks mais assombrosamente pavorosos do cinema recente.

Os personagens são simplesmente patéticos em suas personalidades e alavancam a trama dizendo alguns dos diálogos mais imbecilmente didáticos a já aparecer em um blockbuster.

O desfile de frases feitas - e mal feitas - fazem as pessoas na tela serem tudo menos pessoas. Suas personalidades inexistem, e, mesmo imersos na superficialidade, não há um só pequeno toque que os faça interessantes.

O tom soa errado, enfim. Num carrossel frenético, onde conspirações seculares ganham a cena, crer piamente no que se está fazendo, levando a coisa toda a sério demais, adotando um ar de gravidade que de tão inócuo e in-crível roça os limites do francamente estúpido, é o grande erro da direção e do elenco.

Tom Hanks, Audrey Tatou, Jean Reno, Alfred Molina e Paul Bettany não dão o mínimo às suas composições, não são em nada aceitáveis. São todos caricatos, planos, bestas, ridículos. Bettany, em especial, ultrapassa o suportável, tentando fazer o público realmente acreditar em seu monge albino, um escravo de Deus.

Pensamos que se o tom geral fosse o de assumir a inverossimilhança, como o faz um Indiana Jones ou um Missão Impossível, por exemplo, tudo poderia ser delicioso. Mas não aqui.

(Sean Connery e Judy Dench, participações estreladas em filmes de ação de outrora, são bons exemplos a se reter como guias).

A exceção, como não podia deixar de ser, é Ian McKellen. Ator enorme, entende o que está fazendo e como deve fazê-lo. Longe de salvar um desastre tão grande como esse, ao menos tem ginga e traquejo. Faz rir, dá medo, envolve. Sua entrada em cena ocorre em um momento chave, e com sua presença cênica hipnótica e sua voz cadenciada em palavras bem ditas (calejada em anos de Shakespeare nos palcos londrinos), dá show à parte. Show que mantém firme até sua última e irresistível linha de diálogo.

MacKellen é experiente nesse tipo de trabalho. Ator de capacidades assombrosas, parece ter resolvido curtir, assumindo papéis importantes em diversos filmes, por assim dizer, artisticamente menores. Começou com X-Men, onde agora chega a seu terceiro episódio, e desempenhou papel fundamental nas três partes de O Senhor dos Anéis.

Sabe há tempos, portanto, o que é ser a reserva de qualidade de um blockbuster. Acima da bobagem generalizada, inverte a história a seu favor, carrega a platéia no bolso, saber divertir-se e divertir com aquilo. Lê a partitura a seu modo e esse acaba sempre sendo o melhor modo. Em O Código Da Vinci, é mais do que nunca evidente seu destaque. É o único ser crível, o único que sobrepõe-se à planitude e dá um pouco de gosto a esse caldo tão anódino.

Sem contar que é capaz de mais emoção com uma pequena inflexão do rosto do que Tom Hanks durante toda a projeção - fala-se, atenção!, desse caso específico, já que não é segredo que Hanks é, quando quer, um grande ator.

(E por que, meu deus, por que aquela sugestão de romance entre Hanks e Audrey Tatou??? É o ridículo atingindo picos...)

O New York Times, em crítica recente, recomenda ao leitor que agradeça ao deus de sua preferência pela presença de Ian McKellen. Recomendação refeita, portanto.


Com tudo isso, O Código Da Vinci é um caso de bom-às-avessas, quase sem querer. Tão ruim, tão formulaico, tão desacertado, que acaba sendo uma grande-bobagem-boa. Como McDonald's, por exemplo. Para quem se entrega e permite afundar na lama, deglutível, sem dúvida. E se você é daqueles que vai descobrir a trama no momento mesmo da projeção, você tem sorte. É capaz, e até provável, que você se envolva.

Mas, daqui a alguns anos, quando a febre e o hype passarem (hype que já virou anti-hype, graças à acolhida feroz que a crítica mundial reservou ao filme), vai sobrar rigorosamente nada.


O Código Da Vinci está fadado a ser, no máximo, um item a mais na filmografia de Ian McKellen.

Um comentário:

João Cândido disse...

"Mas, daqui a alguns anos, quando a febre e o hype passarem (hype que já virou anti-hype, graças à acolhida feroz que a crítica mundial reservou ao filme), vai sobrar rigorosamente nada."

Porque você resolveu falar do Ken Loach no meio do texto sobre Código Da Vinci????