5.6.06

muitas outras coisas

Alguma Coisa Assim, curta-metragem de Esmir Filho recém premiado no Festival de Cannes, com lançamento nacional amanhã, na fatídica data de 06/06/06, é um filme muito bonito.

Porque a princípio as coisas parecem ser de um jeito, quando na verdade são de outro. E mesmo quando se tornam diferentes, não são só aquilo que parecem ser. São muitas outras.

Numa "noite de aventuras", uma garota e um rapaz de 17 anos saem para se divertir. Acabam por descobrir ou revelar mais do que isso, para si mesmos e para o outro. E revelam à platéia sentimentos e sensações que circundam no máximo incoscientemente suas esferas diegéticas de ação e pensamento.

Essa, talvez, seja a grande qualidade do filme, ao redor da qual orbitam as outras. Caio e Mari são personagens muito bem desenhados em sua origem e muito bem conduzidos por dois competentes intérpretes. De tal forma que a trama não possui um conflito ou um desenvolvimento narrativo tradicional. Não existe um "ponto de virada" ou necessariamente um obstáculo a se transpor, em termos do que se vê habitualmente como ação dramática.

Os acontecimentos sucedem-se, em sutil cadeia de causa e efeito, da forma mais natural possível, deixando para o interior dos personagens os tumultos. Que não são obrigatoriamente debatidos ou explicitados. Numa carpintaria dramática cuidadosa, dá-se à dupla na tela uma existência cinematográfica íntegra e consistente a ponto de não precisar haver dramas.

Os diálogos que testemunhamos, da mesma forma, roçam o ponto nevrálgico e desviam-se dele cuidadosamente. Envolvemo-nos exatamente por aquilo que não sabemos e que queremos descobrir.

E descobrimos muitas outras coisas, enfim. Se o conflito dos protagonistas fica longe de ser solucionado, o que o diretor Esmir Filho nos oferece é uma agitada e acolhedora cantiga de ninar, cheia de esperança, frustração, ilusão e dor.

Que todo rito de passagem é doloroso já se sabe. Mas a sensação de leveza e felicidade plena em resguardar-se dessa dor num supermercado, em uma madrugada urbana, deixando as responsabilidades (de crescer, de reconhecer-se, de assumir-se) para amanhã, atingindo um momento de suspensão em que a alma quer somente ser livre e não arder, não se tem a toda hora.

E nem em qualquer filme.

Em que pese todo o envolvimento afetivo do autor das linhas com o curta em questão e com os responsáveis mais diretos por sua realização, sobressai o espírito crítico puro e simples, em busca da lucidez.

Com a consciência de que algo de valor faz-se notar acima das subjetividades, vale dizer que Alguma Coisa Assim é uma pequena jóia.

Na qual, em um trabalho conjunto dos mais afinados, não se pode deixar de destacar o olhar sensível e terno do realizador acerca dos seres humanos, suas gramáticas sentimentais e conflitos internos, e o brilho da atriz Caroline Abras como um talento a se observar.

Entre tantas outras coisas, vale a pena descobrir essa daqui.

Um comentário:

paula manzo disse...

bela resenha!