9.5.10

burrices sobre um filme excelente


há duas grandes burrices sendo repetidas sobre Tudo Pode Dar Certo:

1) que Larry David é mais um dos clones de Woody Allen no qual o diretor transforma os atores que protagonizam seus filmes quando ele mesmo não o faz.

Larry David não é um ator. Larry David é um brilhante roteirista, criador da melhor série de tv de todos os tempos, Seinfeld, e eventual atuador daquilo que escreve, como em Curb Your Enthusiasm, em que aparece como ele próprio. Larry David sempre interpreta a si mesmo.

o que se opera em Tudo Pode Dar Certo, portanto, não é que Woody Allen tenha contratado um grande ator para encarnar um tipo próximo do que ele consideraria ideal para o papel (como já fez com intérpretes diversos, de John Cusack a Kenneth Branagh, por exemplo). Woody Allen apenas entendeu que o personagem do texto que ele escreveu (muito mais ácido e cáustico do que o próprio Allen jamais foi) poderia ser (de) Larry David. a transmutação é na direção oposta: Larry David é que transforma Woody Allen em Larry David - e não o contrário.

quem não entende isso não sabe nada sobre Larry David (e talvez nem sobre Woody Allen) e não sou eu quem vou explicar.


2) que o filme é "mais do mesmo".

de que "mesmo"?

nos anos 90, Woody Allen dirigiu um climático filme noir sobre um assassino serial em uma pequena cidade perdida no tempo (Neblina e Sombras), um drama atordoante sobre casais em crise (Maridos e Esposas), uma comédia de erros sobre vizinhos, espionagens atrapalhadas e, por que não?, invasão de privacidade (Misterioso Assassinato em Manhattan), uma refinada comédia sobre a cena teatral - e marginal - da Nova York dos anos 20 (Tiros na Broadway), um filme sobre adoção e descendência narrado por nada menos do que um coro grego (Poderosa Afrodite), um delicioso musical sobre amores e família (Todos Dizem Eu Te Amo), uma mordaz sátira metalinguística (Desconstruindo Harry), um painel sobre o mundo da fama (Celebridades) e um falso docudrama sobre um violonista de jazz temperamental, ambientado nos anos 30 (Poucas e Boas).

na década passada, um hilário filme sobre ladrões pé-de-chinelo e novos ricos (Os Trapaceiros), uma trama nostálgica sobre crimes sonâmbulos e guerra dos sexos (O Escorpião de Jade), uma corrosiva comédia ligeira sobre o olhar e a Arte, a partir de um diretor de cinema que fica cego (Dirigindo no Escuro), um drama-cômico existencial juvenil (Igual A Tudo na Vida), um estudo comparativo entre os intrumentos da comédia e do drama (Melinda e Melinda), um retumbante thriller psicológico sobre poder, cobiça e culpa (Match Point), uma divertida trama amalucada e de tintas fantásticas (Scoop), um seríssimo e cinzento embate familiar acerca de um crime (O Sonho de Cassandra) e um reluzente e solar triângulo amoroso em terras espanholas (Vicky Cristina Barcelona).

Tudo Pode Dar Certo é uma devastadora, cínina e amarga comédia contemporânea sobre uma Nova York contemporânea, narrada por um personagem inteligente, prepotente, ambíguo e muito contemporâneo, discorrendo sobre as improbabilidades da vida e a felicidade possível em um mundo tornado caótico por indivíduos que de modo geral fracassaram no projeto humano. ou que dão um jeito de as coisas funcionarem (ou darem certo) apesar de tudo.

se alguém realmente vê nele, em relação aos 18 títulos citados anteriormente, "mais do mesmo", então deus nos acuda! para a burrice de cada um, whatever works.



PS:
e se Patricia Clarkson já há muito é das mais espetaculares e subestimadas atrizes em atividade, que extasiante talento se mostra Evan Rachel Wood.

*

e no mesmo tema, Inácio.

2 comentários:

Ana Elisa Ferreira disse...

clap clap. bravo!
ontem assisti novamente hannah e suas irmãs. o povo confunde a temática com a assinatura do diretor. vc assiste uma cena e sabe que é um filme dele, já que é claro q um filme do woody allen carregará a perspectiva do woody allen, assim como um almodóvar...
dizer que tudo é a mesma coisa é não saber diferenciar questões tão distintas quanto estas.

VAGABUNDO ILUMINADO disse...

To com vc, e com a Ana, Rafael. Acabo de ver o filme, que por sinal é brilhante. Não o melhor filme do Woody, mas brilahnte e contemporâneo.

Mais os criticos são piores que os jornalistas em cima do Dunga, critica é bom, mas tem certos limites.

Clichê é falar que os filme do Woddy Alen é clichê. (assim falaria Celestine).