Existem duas reflexões possíveis (talvez as duas únicas) a se fazer a partir da versão teatral de Priscilla - a Rainha do Deserto - que, ademais, é divertido e calórico como um doce de leite.
A primeira diz respeito ao cafona. Do porquê de um grupo de pessoas vestindo roupas (muito) espalhafatosas, fazendo coreografias corporais pouco elaboradas, ao som de músicas que achamos deliciosamente tentadoras há pelo menos uns 20 ou 30 anos, exercer um fascínio tão grande e tão inelutavelmente instintivo aos olhos e ao espírito.
Seja como for, ponto para eles (e à parte o mérito do valor - especialmente o monetário - de produção, que, evidente, há de sobra).
A segunda se refere ao travestismo. Porque se engana quem acha que em uma peça tão completamente gay (ou seria travesti?) predomina uma plateia de gays e mulheres (elas mesmas às vezes tão... travestis). Nada disso! - o programa, no caso, é para a família (a começar pela minha). E dá-lhe homens-brancos-heterossexuais (essa tão solene e hegemônica maioria) sacudindo-se discretamente ao som de I Will Survive.
Porque, em última (primeira?) instância, o travestismo é mais do que um fetiche, uma profissão ou um chamado divino - ele é só uma porção bastante destacável da esquisita e complexa psicologia da sexualidade humana, capaz de chacoalhar desejos, reflexos, disfarces e identificações (quase ousando dizer que na psiquê masculina ainda mais do que na feminina, mas, né, para que ser sexista?).
Mesmo que, soterrado e subconsciente, só se deixe irromper em um lugar tão pretensamente inofensivo e massificado quanto a Broadway.
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