A experiência de ver John Hurt fazendo Krapp's Last Tape (papel que foi dele desde a monumental série Beckett On Film) começa pelo Harvey Theater, esse templo - com o perdão do clichê. Não é possível entrar ali e não ser muito feliz.
(Afinal, jamais esqueceremos de Cate Blanchett por lá.)
Hurt carrega essa aura de um ator vocal - da estirpe inglesa onde cada palavra precisa se encaixar em sua pronúncia perfeita para só então merecer ser proferida. Beckett decidiu escrever Krapp ao ouvir no rádio o ator irlandês Patrick Magee, de modo que a enunciação, como a peça não deixa dúvida, pode ser a chave do baú. Assim, Hurt seria talvez um dos atores imbatíveis para o papel.
Sim. E não. Vir da memória recente do Krapp de Bob Wilson e também do de Sergio Britto coloca luzes (e sombras) na apreciação.
Hurt e Michael Colgan, o diretor, limpam tudo - há a mesa, a cadeira, o gravador, os rolos e as bananas (Bob Wilson não suportaria um palco tão grande tão vazio). Em seus primeiros minutos mudos, Hurt estabelece uma presença física forte, mas ao mesmo tempo, por assim dizer, flutuante. Seu Krapp está lá, mas é como se não estivesse exatamente lá.
Wilson não é ator para levar Krapp - e por isso não o fazia, relegando a responsabilidade à sua sempre elaborada mise en scène. De toda forma, em sua encenação o personagem era quase robotizado, um boneco dele mesmo - Wilson, mas também de Beckett. Britto aterrava Krapp de forma terrivelmente bela. Hurt faz Krapp quase não ser.
Sua voz ao gravador (e nas poucas palavras ditas so vivo) é imbatível. Mas seu Krapp ressente-se da ausência de uma força trágica. E esse blog, sabemos, prefere quando o horror da condição humana pesa um pouco a mais.
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