20.1.05

RESPOSTA ABERTA A MARIANA

A resposta ao post da querida e estimadíssima Mariana acerca do tópico “Instantâneas 1: Globos dourados, inimigos pardos e burrices alheias” ia ser um e-mail pessoal, mas foi ficando tão extensa e interessante que tomei por bem abrir a discussão. Portanto, a ela:

Sua dissertação a respeito de prêmios é excelente. Agora, tenho que discordar de algumas outras coisas, em tréplica, já que você o fez.

Chega a um certo ponto a consciência crítica de uma pessoa e as limitações qualitativas de um artista em que não é necessário que ambos se encontrem para que aja um juízo de valor. Ou você espera que um filme dirigido por Moacyr Góes venha a ser, algum dia, excelente? Ou que, digamos, Gloria Menezes seja capaz de um grande papel? Algumas coisas, entre as pessoas de bom senso, são fatos. Outras são, de fato, subjetivas.

Naturalmente, quando eu posto dizendo que não precisava ver os filmes, parte é verdade, parte é expressão unicamente de uma arrogância consciente e bem-humorada e a parte final é manifestação de predileções pessoais consolidadas. Todos sabem que eu prefiro Cate Blanchett, independente de quem seja a outra competidora. A não ser, é claro, que se trate de Julianne Moore, Emily Watson, Maria Luisa Mendonça ou Maria Alice Vergueiro. Aí eu prefiro o empate.

Achava que Kate Winslet deveria ganhar, mesmo sem ter visto todas as outras atuações, porque acho que ela é a alma de “Brilho Eterno”. Ali há vigor, humor, emoção e, principalmente, há estofo e há uma personagem. Acho que a atuação conversa muito adequadamente com os propósitos dramáticos e estéticos que Michel Gondry propõe: é descontrolada, mas com muito método. É estridente, mas apaixonante. Enxergo uma verdade muito sincera e pulsante em Clementine.

Concordo que haja atores que são sempre mais eles mesmos do que os personagens, mas não acho que seja o caso de Winslet. Assista a “Fogo Sagrado”, seguido do “Hamlet” de Keneth Branagh, seguido de “Contos Proibidos do Marquês de Sade”, seguido de “Brilho Eterno”. Definitivamente não se reconhece a mesma pessoa. Agora, trate desde já de esquecer “Titanic”. Aquilo não conta.

Há, em variante, também, o caso dos atores que, de tão camaleônicos, acabam sendo sempre eles mesmos, na direção contrária. Porque, de tanta mutação, acabam sempre na imagem midiática que se faz deles. É tão senso comum sua capacidade de transformação que, de tanta qualidade, acabam, às vezes, por eliminar a magia e o jogo cênico e fazer com que se enxergue somente a persona (real?) ali atrás. Exemplo? Meryl Streep, salvo exceções. (E atenção: eu GOSTO de Meryl Streep.)

E há também limites. Eu mudei um pouco minha opinião sobre esse assunto quando conversava com Maria Alice exatamente sobre isso. Falávamos de Matheus Nachtergaele e ela acabou por dizer, sobre a repetição, auto-citando-se: "Mas também, tem uma coisa: dentes tortos são dentes tortos; cavalos sempre tem cheiro de cavalos". E é mesmo, né não? Até mesmo os bons atores possuem determinadas características intrínsecas, que podem ser chamadas, grosso modo, de "personalidade". Se, a seu ver, falta personalidade a Kate Winslet não é porque sobra demais a personalidade de ser Kate Winslet? Até que ponto chega a auto-anulação, afinal?

Atores possuem, então, uma determinada personalidade, que, inclusive, sem exceção, faz com que eles funcionem melhor em determinados papéis do que em outros. Você imagina Cate Blanchett, absolutamente camaleônica como ela é, fazendo “Dançando no Escuro”? Não, claro que não: aquele filme é de Bjork. Agora, será que Blanchett poderia ter feito “Fim de Caso” e o filme continuar no patamar em que está? Sim, talvez. E Julianne Moore poderia fazer o papel de Emily Watson em “Embriagado de Amor”, já que ela foi tão espetacular no filme anterior de Paul Thomas Anderson, “Magnólia”? Não vejo isso acontecendo: só Emily Watson possuía a personalidade adequada àquele papel, assim como só Adam Sandler, que no mais é um mau ator, poderia ter protagonizado aquele filme – e o fez brilhantemente.

(Exemplos desse tipo podem ser infinitos... Que tal abrirmos um fórum, depois, aqui mesmo no Cosmonauta em Órbita?)

Talvez, então, seja uma questão não de exterminar ou faltar a personalidade do ator, que eles têm e terão sempre, mas sim de adequá-la ao papel, ou de adequar o papel a ela. Será que se a Helena não tivesse a personalidade que tem ela faria “InAcqua”? E quantos outros papéis ela poderia fazer, sendo a mesma Helena? No mais, personalidade é uma palavra complexa e de contornos bem mais profundos do que a superficialidade pode fazer supor.

Bom, isso começou como uma resposta e virou uma reflexão, mas é necessário compreender que nunca foi um ataque. Não estou te desdizendo, Mari, de forma nenhuma. A verdade é que a sua inteligência aguçou aqui a minha (a que eu penso que tenho...) e o assunto acabou andando com as próprias pernas pelas minhas sinapses.

Volte sempre. E comente cada vez mais. Já deu pra perceber que é proveitoso.

Beijo grande.

3 comentários:

Anônimo disse...

Caríssimo,
Gostaria de expressar o meu contentamento com a discussão substancial e construtiva sem ataques.
Vou me expressar novamente aqui, de maneira bem simples, já sabendo que talvez você discorde de algumas coisas, mas que feliz ou infelizmente estou convicta, por enquanto.
Os personagens que Kate Winslet interpreta são sempre muito específicos, diferentes e bem construídos (exclua, mesmo, o de "Titanic"). E o que acontece na minha impressão é que ela os torna um pouco menos interessantes do que poderiam ser. Talvez por ausência de traços físicos interessantes (apesar dos olhos grandes, vantagem de grandes atrizes, vide Marília Pera, Fernanda Montenegro, etc), talvez porque seja essa mesma a intenção, mas não acredito muito nessa última alternativa.
Pensei a respeito da sua teoria sobre a "sobra" de personalidade. Achei interessante. Diria que quase fui convencida. Mas não. Quando penso em Kate, não me ocorre nenhuma característica muito marcante, o que é comum entre as pessoas de personalidade. Kate cumpre os papéis com competência, é uma atriz longe de colocar um filme em risco, por favor. Mas não o torna sensacional também. Penso que dificilmente, não nunca, porque ela é uma das jovens atrizes em boa evolução, eu diria "esse filme vale pela Kate".
Concordo plenamente que cada personagem pede um tipo de atriz diferente. Alguém ousaria discordar disso? Mas a verdade é que a minha certeza quanto ao desempenho de Kate, nasce de uma fonte muito primária e intuitiva e se revela assim:
Se eu procurasse uma atriz para qualquer papel em que Kate coubesse, antes estariam na lista Winona Ryder, Rachel Weisz, a mal aproveitada Drew Barrymore e Camilla Rutherford por exemplo, pensando muito rápido e não necessariamente nessa ordem. Preferiria "Clementine" com qualquer uma delas e quem sabe até arriscando a promissora Eva Green e talvez empatando a Leonor Watling.
Mas Kate mereceria um teste, por que não?
Merece um prêmio? Aí já não sei.
Talvez, afinal se Halle Berry ganhou o mais cobiçado...
Sim, se fosse garantia de impulso para que ela aparecesse cada vez melhor nos próximos filmes.Mas isso não depende de nós.
O único fato, querido, é que Gloria Menezes jamais concorreria.
Beijos
Mari Bastos

Anônimo disse...

ESSE É O QUE VALE.

Caríssimo,
Gostaria de expressar o meu contentamento com a discussão substancial e construtiva sem ataques.
Vou me expressar novamente aqui, de maneira bem simples, já sabendo que talvez você discorde de algumas coisas, mas que feliz ou infelizmente estou convicta, por enquanto.
Os personagens que Kate Winslet interpreta são sempre muito específicos, diferentes e bem construídos (exclua, mesmo, o de "Titanic"). E o que acontece na minha impressão é que ela os torna um pouco menos interessantes do que poderiam ser. Talvez por ausência de traços físicos bem demarcados (apesar dos olhos grandes, vantagem de grandes atrizes, vide Marília Pera, Fernanda Montenegro, etc), talvez porque seja essa mesma a intenção, mas não acredito muito nessa última alternativa.
Pensei a respeito da sua teoria sobre a "sobra" de personalidade. Diria que quase fui convencida. Mas não. Quando penso em Kate, não me ocorre nenhuma característica muito marcante, o que é comum entre as pessoas de personalidade. Kate cumpre os papéis com competência, é uma atriz longe de colocar um filme em risco, por favor. Mas não o torna sensacional também. Penso que dificilmente, não nunca, porque ela é uma das jovens atrizes em boa evolução, eu diria "esse filme vale pela Kate".
Concordo plenamente que cada personagem pede um tipo de atriz diferente. Alguém ousaria discordar disso? Mas a verdade é que a minha certeza quanto ao desempenho de Kate, nasce de uma fonte muito primária e intuitiva e se revela assim:
Se eu procurasse uma atriz para qualquer papel em que Kate coubesse, antes estariam na lista Winona Ryder, Rachel Weisz, a mal aproveitada Drew Barrymore e Camilla Rutherford por exemplo, pensando muito rápido e não necessariamente nessa ordem. Preferiria "Clementine" com qualquer uma delas e quem sabe até arriscando a promissora Eva Green e talvez empatando a Leonor Watling.
Mas Kate mereceria um teste, por que não?
Merece um prêmio? Aí já não sei.
Talvez, afinal se Halle Berry ganhou o mais cobiçado...
Sim, se fosse garantia de impulso para que ela aparecesse cada vez melhor nos próximos filmes.Mas isso não depende de nós.
O único fato, querido, é que Gloria Menezes jamais concorreria.
Beijos
Mari Bastos

paula manzo disse...

mudei de face, de tema, de tudo.
a cena está quase lá.