25.4.05

do DVD

“O Espanta Tubarões”, ao contrário de “Formigaz”, “Vida de Inseto” ou o inigualável “Procurando Nemo”, não traduz o mundo humano para um determinado habitat, optando por copiá-lo. Colocam-se, simplesmente, os peixes vivendo em uma civilização subaquática humana. Por que um peixe usaria elevador ou moraria em um edifício, mesmo no terreno da fantasia?

Mas não é só isso que esvazia sua força de sugestão e seu humor. Apesar do peixe-bolha de Martin Scorcese, não há grandes personagens, nem muito charme, nem sacadas de roteiro que tirem essa animação do terreno da diversão ligeira.

Para um fim de noite em feriado, na companhia de amigos, diverte. Mas, até aí, novelas também.

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“Sob o Domínio do Mal” coloca bons atores a serviço de uma trama rocambolesca em excesso. Não há credibilidade suficiente na conspiração armada na narrativa, o que faz a tensão cair em descrédito aos olhos do espectador e faz a agulhada política embaralhar-se e doer menos do que poderia (em quem tem que doer, leia-se George W Bush).

Mas, para assistir no feriado, com amigos já um tanto dispersos, não é entediante. Nem ruim. Só fica aquém de suas possibilidades.

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“Respiro” é um retrato em fotografia estonteante de uma sociedade arcaica. Em uma ilha na Sicília italiana, homens vivem relações emocionais brutas em uma civilização de economia simples e modernidade nula.

É uma pena que Valeria Golino seja atriz sem carisma, sem técnica e sem personalidade para segurar o papel de demônio e mártir desse núcleo familiar e social pedregoso. A loucura e o descontrole de sua personagem emergem (ou flutuam) como verdadeiro respiro na rudeza e limitação de pessoas aprisionadas (não necessariamente para o mal) em suas próprias vidas. Mas falta atriz para que a sucessão de belas imagens e algumas fascinantes cenas alcance o esplendor da tessitura poética e deixe de ser apenas belas imagens e algumas fascinantes cenas.

Para o feriado, com parte dos amigos, é sobremesa para os olhos.

18.4.05

DE VOLTA AO SAMBA (teatral) - pensou que eu não vinha mais, pensou?

De volta ao teatro, duas vezes por semana, como deve ser (regularidade que, espero, possa perdurar).

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“Coda” é uma proposta e uma experiência. É daqueles convites para se liquidificar todas as expectativas e pré-conceitos sobre uma determinada forma de arte, porque já se sabe (ou se deveria saber) que não vai sobrar quase nada do convencional. Experiências como essas, “vanguardistas” (essa palavra ainda existe, meu deus?!) fazem, necessariamente, um dos seguintes efeitos: ou bem descortinam toda uma nova perspectiva de percepção, revelando possibilidades antes pouco percebidas, ou colocam em questão os limites dos veículos artísticos, despertando o faro para a linha separatista de dicotomias como a genialidade e o blefe, a inovação e o vazio.

Simplificando, não é susto nem descabimento alguém sair de “Coda” achando tudo chatíssimo e sem propósito. Tampouco é surpreendente ou inexplicável que o espectador tenha, de fato, algumas de suas sensibilidades renovadas. Porque esse é daqueles espetáculos que são mesmo um chacoalho – colocam conceitos e convenções na mira, saraivando-os até.

Se eu gostei?

Ainda não decidi.

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Não é de hoje que a poeta Elisa Lucinda ocupa lugar de apreço em minhas preferências. No entanto, com “Parem de Falar Mal da Rotina”, imperdível espetáculo até dia 01 de maio em cartaz, a atriz/comunicadora/mulher/poeta Elisa Lucinda alargou seu espaço dentro das cavidades nem sempre tateáveis da minha sensibilidade.

Porque conhecer Elisa (somente) através de seus textos é deliciar-se com um tino aguçado para o ritmo, a melodia, o sabor das palavras. É compartilhar de visões simples – e nunca simplificadas - e muito bem expressas acerca do cotidiano, do amor, do mundo, dos seres. Ler a obra de Elisa Lucinda é a partir do mínimo chegar ao todo e, dessa forma, de volta ao essencial.

Mas vê-la no palco é bem outra história. Porque ela conduz esse “one-womam-show” com um molejo, uma simpatia, um talento para a palavra e uma facilidade para o humor que só tornam ainda mais contagiantes a sua intensa alegria de viver, de escrever, de estar em cena e de compartilhar.

Porque nada substitui a união dos corpos.

Elisa Lucinda possui, hoje, atualmente, ontem, no palco do Teatro Augusta, uma espontaneidade e uma energia impressionantes. Entre ela e a platéia faísca. E é dessa troca tão sincera e direta que o teatro é feito, que a arte é feita.

Você não conhece Elisa Lucinda?

Corra.

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“Reencarnação” é um filme maior que si.

Porque Jonathan Glazer propõe uma premissa absolutamente fascinante e leva-a a cabo com impressionante capacidade de construção de climas, com pesados e ricos silêncios, com atores competentíssimos.

Nicole Kidman, por exemplo, ganhou de presente uma personagem que é tão complexa, mas tão complexa, que é acerto máximo da direção rondá-la cuidadosamente, sem tentativas rasas de “aprofundamento”. É vital que seu mistério, sua dúvida, seus pensamentos largamente questionáveis fiquem na grandeza do não-dito. Extravasamento em lágrimas e gritaria seriam sua ruína total.

Mas “Reencarnação”, com tanta pegada em seus 2 primeiros terços, não sabe concluir sua trama com a mesma maestria com que a propõe. E dizer que a culpa é dos realizadores talvez não seja o caso. Porque fosse qual fosse a conclusão desta bela história, ela dificilmente deixaria de soar inverossímil ou simplesmente boba.

Nesse sentido, a parte final do filme ser “ruim” é quase uma inverdade. Porque “boa”, de fato, ela não é. Mas seria “ruim” por que exatamente? Porque traz para a objetividade “explicativa” e comezinha uma trama que, sem tirar os pés do chão, habitava de forma inebriante o metafísico? Porque soluciona o insolucionável?

Mas fica, como boa lembrança, o oceano de conflito interior que é a Anna de Nicole Kidman. Sem que tenhamos que ter seus atos explicados, como os de seu co-protagonista mirim, entendemos tudo. Ou, antes, compartilhamos plenamente de sua não-compreensão, de seu estupefato e da violenta maré de sentimentos tumultuosos que nela residem.

15.4.05

CINEMATOGRÁFICAS 6 - uma questão de roteiro

Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri são tidos como especialistas em roteiro. A tal ponto que Alain Resnais os convoca para que escrevam para ele. A tal ponto que levam, fácil, fácil, o prêmio de melhor roteiro em Cannes.

E o premiado é esse “Questão de Imagem”, agora em cartaz, que plenamente corrobora a reputação de casal de roteiristas.

Porque Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri sabem plenamente como eleger uma idéia e criar alguns personagens riquíssimos para desenvolvê-la. Sabem (re) criar um punhado de situações inusitadas e bastante atípicas (no cinema) por serem absolutamente comuns (na vida). Sabem escrever ótimos diálogos, de inteligência simples e humor certeiro. Sabem perfeitamente como amarrar as pontas de uma história, como encadear sub-tramas e desenvolvê-las, unindo-as em um todo coeso e coerente. E, principalmente, sabem que o drama da vida rende sempre uma ótima comédia.

Os títulos de seus filmes resumem tudo, sem revelar nada. Depois da projeção, as palavras “O Gosto dos Outros”, filme anterior roteirizado pela dupla, e “Questão de Imagem” não só adquirem ambivalências e perspectivas como amarram com perfeição o conceito abordado.

Vale dizer que, longe de serem formulaicos, seus filmes possuem uma cara – ou, antes, uma “personalidade”. Melhor que entre essas características bem definidas estejam, além do já mencionado, atores com incrível capacidade para a comédia dramática (incluindo os próprios Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri) e uma direção (de Jaoui, somente) capaz de transmitir uma humanidade nos personagens e um senso de realismo raros – para o que essa mesma direção é, imageticamente, limpa, a serviço da trama.

Afinal, se o negócio aqui é o roteiro, para que “estragá-lo” com imagens, né mesmo?

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“Quase Dois Irmãos”, filme que recebe elogios e indiferença com a mesma intensidade, tem, sim, mais méritos do que problemas. Não que esses últimos não abundem. Há passagens de roteiro “roteirizadas” demais (ah, que falta que faz a capacidade de realismo cinematográfico de uma Agnès Jaoui), diálogos ruins no papel e mal conduzidos na tela.

Mas como falar mal dos colegas nunca foi elegante, vale ater-se ao que o filme de Lucia Murat tem de melhor. Ele foge de estigmas visuais da teledramaturgia. Ele tem uma cadência em seu encadeamento temporal bastante interessante, fluída. Tem um tema mais do que pertinente. Tem alguns bons atores.

E é um filme de pulso, para dizer o mínimo. Uma história de desagravo, de incômodo. Não vem para divertir, nem vem com lenga-lenga asséptica de roteiros “de bem com a vida” (alguém aí disse “A Dona da História”?). Nem com seriedade história ridiculamente solene (“Olga”, alguém?).

(Quem foi que disse que falar mal dos colegas não era elegante?)

Bem, ao que interessa: “Quase Dois Irmão” é filme louvável. E não só porque o nível geral é péssimo fazendo-nos aceitar o imperfeito com espanto. É filme bom de fato, que resiste a uma segunda olhada, que se comunica bem com o público em geral e que tem uma certa força, até mesmo nos seus erros.

10.4.05

Bethânias cheias de graça e a arte de atuar (Maria, Catalina e Annette)

“Tempo tempo tempo tempo” não faz jus absoluto à artista que é Maria Bethânia, mas tampouco a envergonha . Ao contrário do que se diz, o show não é um tédio ondulante, não se dorme, não se sente sono, não se odeia a si próprio por estar ali.

Sim, o cenário trabalha contra a mise-en-scène, sim, os arranjos redundam. Mas Bethânia é Bethânia, faz o que faz muito bem. Há momentos empolgantes, há momentos realmente muito bonitos, há escolhas acertadas, há faíscas de emoção.

E Maria Bethânia está linda, na juventude de seus quase 60 anos. E está feliz, canta com prazer e ocupa o palco com a propriedade de quem está fazendo aquilo que melhor sabe fazer – ainda que este “aquilo” possa não bastar para alguns. Bethânia é um bicho em cena, uma força vital contagiante e de controladíssimo descontrole, de extravasamento bem ensaiado mas nem por isso menos eletrizante.

É rainha sem equivalentes de um tipo de interpretação e de um tipo de espetáculo. Que vai e volta, rodopia, ocupa melhor ou pior seu espaço eterno no tempo presente, mas nunca cai. Sai-se de lá querendo devolver a Maria Bethânia a benção que ela pede à platéia, por estar, aos 40 anos de carreira, “só começando”.

Porque todos querem, pra bem ou mal, que Maria Bethânia continue sendo Maria Bethânia. E por ser uma das poucas artistas da música que administram tal proeza, ama-se Maria Bethânia querendo ser Maria Bethânia com a plena satisfação da frustração de saber o quão difícil é ser Maria Bethânia.

Maria Bethânia é uma das mais espetaculares atrizes de si mesma.

(Quando você me entendeu, eu não entendia nada. Seu olho me olha, mas não me pode alcançar).

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Outra Maria, a “Maria Cheia de Graça” agora nos cinemas, também merece uma olhada. Construído de forma seca e com estética irmã da trama que narra, este longa metragem de estréia de Joshua Marston é tenso e bem pensado. Toma para si, com propriedade e sem espalhafato, a idéia religiosa de uma jovem predestinada a carregar algo glorioso em seu ventre. Aqui, no caso, o ventre maculado carrega a salvação que é desgraça que é salvação.

É um comentário político, sócio-econômico e bastante humano. Bom.

Catalina Sandino Moreno, indicada ao Oscar, tem uma atuação em tom contido – é um sussurro. Faz muito, fazendo pouco. Seu olhar e sua expressão de revoltada resignação traduzem e demonstram seus conflitos internos premidos pela conjuntura externa que a bamboleia.

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“Adorável Júlia” rodopia, não cai por pouco, alterna achados com preguiças dramáticas. A história faz que vai, fica, e eleva-se com um clímax simplista, porém divertido. E o teatro no cinema, para quem gosta, sempre tem seus diminutos prazeres.

Annette Bening, indicada ao Oscar, tem atuação larga. Surge com histrionismo e caretas, mas vai contornando suas intenções com cuidado e surpreendendo ao longo da projeção. Nos bons momentos, Julia é seu personagem mais humanizado, mais adequadamente desenhado. Tem tessituras fortes. É um grito - mas um bem dado.

7.4.05

Mapa-múndi

o mapa-múndi é tão bonito
uma pintura onde o mar
é todo azul
ilusão o sexo o mapa
porque quando o amor acaba
nada é azul

todo fim de amor é infinito
todo fim de amor é infinito
todo fim de amor é parecido
descora as caras pálidas
descola os corpos frios
apaga os fogos-fátuos
afunda os navios
cerra os lábios
fecha os olhos
mais nenhum arrepio
todo fim de amor é infinito
todo fim de amor é infinito
todo fim de amor é infinito
todo fim é infinito


de Beatriz Azevedo, "Mapa-múndi"

3.4.05

Da poltrona à tela (ao apagar das luzes)

Tomo bronca (dos meus dois ou três leitores) por falta de atualização e por textos breves demais - (será que alguém ainda tem paciência de ler?).

Não tenho ido ao cinema tanto quanto gostaria/deveria.

Tenho feito um pouquinho de cinema.

Nas últimas semanas, todas as atenções estiveram/estão em um curtinha chamado "Tudo o Que É Sólido Pode Derreter", terceiro filho, filho caçula.

Mais do que os filmes, os roteiros são filhos. Porque os escrevemos e vemos eles ganharem trezentas mil colaborações externas e semi-controláveis para tornarem-se aquilo que imaginamos, sendo outra coisa. Assim como os filhos (de verdade) que se bota no mundo para o mundo acolher/transformar.

Aos tios, irmãos, primos, padrinhos, avós, bisavós, cunhados, genros, noras, vizinhos, conhecidos e amigos desse "Tudo o que é sólido pode derreter", o meu muito obrigado.

PORQUE É POR AMOR QUE A GENTE FAZ CINEMA.

(não é?)