Em mais um notável caso associativo, “Free Zone”, “Paradise Now” e “Munique” chegam juntos aos cinemas paulistanos, todos abordando o interminável conflito entre judeus e palestinos.
Se em “Free Zone” Amos Gitai não é sublime como em “Dia do Perdão”, a responsabilidade é certamente deste segundo, por ser tão bom. O filme mais recente do diretor, que é judeu, concentra numa jornada automobilística as tensões políticas e religiosas e as trajetórias pessoais de 3 mulheres.
Há muita humanidade, inclusive com flashbacks construídos em sobreposição imagética que adensam o personagem de Natalie Portman, há humor e há inevitáveis desentendimentos e quase-tragédias.
Parte-se, aqui, do ponto de vista dos indivíduos, que vivem suas vidas e seus problemas de diferente naturezas apesar do macro-conflito que envolve seu povo. E chega-se ao ponto em que esse conflito interfere diretamente, transformando em seculares questões politicas e étnicas o que, em outro lugar do mundo, poderia ser somente mais uma dívida financeira ou um rompimento amoroso.
Do pequeno, portanto, vai-se ao grande, com planos-sequência de certeiro poder dramático e atrizes capazes de transmitir dores que, quase sem querer, possuem dimensões enormes.
Que é o exato oposto do que vemos em “Munique”, de Steven Spielberg, e seus muito milhões de dólares gastos em reconstituições e magnânimas sequências de ação. Aqui, o campo de batalha determina o soldado e é partindo de marcantes acontecimentos históricos que chegamos à moral do herói.
Spielberg, que é judeu, é diretor de imagens habilíssimo, capaz de construções visuais impressionantes, seja por suntuosidade, seja por pura capacidade de discurso. E não deixa por menos: faz um filme poderoso e ambíguo em sua ética interna e hipnotizante em seus planos mirabolantes e alternância eletrizantes de sequências.
Trata-se de um filme bom. Sim, evidentemente há um esquema narrativo consagrado, e por isso mesmo, às vezes, irritante, e permanece uma sensação, durante a projeção, de que algumas coisas mereciam ser mais sucintas. Além disso, em nome da crueza e da exposição verdadeira da dor e do sangue, ultrapassa-se, em dados momentos, os limites do que seria tolerante na espetacularização da morte e da violência. E pode-se ressaltar, igualmente, que o caráter épico da narrativa, apesar de majestoso, não deixa muito espaço para que a organização dramática da subjetividade do herói ultrapasse uma certa superficialidade.
Mas, não obstante, o sentimento mais amplo – de dor, de completa ambiguidade ética – que se extrai e que ecoa desse contundente jogo de imagens faz as falhas perdoáveis. Chamados a compartilhar o estilhaçamento da moral, das crenças e dos princípios éticos do protagonista, somos confrontados com nossa própria certeza do que sejam os limites e o quanto eles podem ser alargados em determinadas circunstâncias.
E a imagem final, que coloca o World Trade Center - com a discrição que Martin Scorcese em “Gangues de Nova Yorque” não teve -, ao fundo, faz arder em qualquer espectador, independente de suas crenças religiosas ou da história antepassada de sua gente, as chagas de uma ferida tão dolorosa quanto insolucionável.
Por fim, “Paradise Now”, dirigido pelo palestino Hany Abu-Assad, é, da trinca, o filme que melhor articula interior e exterior, (micro) conflitos pessoais com (macro) conflitos repartidos. Na improvável situação de se acompanhar as horas finais de dois palestinos convocados a morrem como homens-bomba, o espectador se descobre estupefacto em perceber a real dimensão e a dura realidade desse chamado.
E isso acontece de forma ainda mais impressionante porque Abu-Assad jamais espetaculariza sua história. Trata-se, portanto, de questões literalmente definitivas, entre vida e morte e das forças e caminhos que regem uma e outra, por escolha ou imposição, tratadas de forma próxima e direta, sem arroubos mas com o suficiente e bem medido estofo dramático.
“Paradise Now” é um grande filme, que traz a História e o Humano para uma situação-limite e a retrata de forma desconcertantemente sincera. Desse trio, é o que joga luz e alça ao protagonismo a questão palestina, mas também o que melhor compreende a inexorabilidade dessa permanente luta. E isso, curiosamente, por não tentar articular discursos, preferindo expor dramas com a devida dignidade narrativa.
É provável que o tempo transforme a visão que se tem desses três filmes. Hoje, no entanto, é importante e recompensador vê-los, para concordar, discordar, tomar ou não partido. Mas também para participar de 3 diferentes e instigantes experiências cinematográficas, que dão ao intelecto e à emoção muito com o que se ocupar.
PS: Não é só em temática que esses filmes são irmãos legítimos. A atriz Hiam Abbass, em participações que diferem em tamanho e importância, está curiosamente presente em todos eles, solidificando ainda mais o elo.
3.2.06
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