Nos primeiros 4 meses de 2006, ou seja, no primeiro terço do ano, estrearam na cidade de São Paulo 114 filmes. Sim, 114! Se contarmos que em 4 meses há, em media, 120 dias, é quase um filme por dia.
Você vai ao cinema todo dia? Nem eu.
Desses, 18 filmes eram brasileiros. Se o ritmo for mantido, teremos, findo o ano, 54 filmes nacionais lançados. Parece expressivo, até mesmo impressionante. Mas quais eram esses filmes? Que tipo de repercussão causaram? Quem os viu? Quem? Quem?
O mês de janeiro viu chegar às telas Didi, O Caçador de Tesouros, Se Eu Fosse Você, Soy Cuba – O Mamute Siberiano e Crime Delicado.
Se Eu Fosse Você foi um sucesso arrasador – mais de 3 milhões de espectadores. É um filme popular e populista surpreendentemente divertido, ancorado em sensacionais momentos cômicos dos protagonistas Glória Pires e Tony Ramos. Previa-se o sucesso. E ele é plenamente compreensível - justo, até.
Aposto que você estava entre essas 3 milhões de pessoas, não?
Soy Cuba, documentário, teve, como é regra para filmes do gênero, lançamento pequeno e discreto, mas recebeu acolhida generosa da critica e causou artigos em cadernos culturais.
Mas você viu? Nem eu.
Crime Delicado dividiu espectadores, angariou amantes deslumbrados e inimigos ardentes na mesma proporção e intensidade. É um filme admirável, corajoso, rigorosíssimo, cheio de recompensas para quem permite-se olhar além e atravessá-lo com as intenções afinadas às suas propostas. Mas “aconteceu”, para o público em geral, de forma bem menor do que O Invasor, filme anterior de Beto Brant. Pelo teor da obra em questão, nem poderia ter sido diferente.
Você, viu?
Fevereiro foi mês tomado pelos filmes “oscarizáveis”. Nada de nacional, portanto.
Março trouxe Mulheres do Brasil, Gatão de Meia Idade, O Veneno da Madrugada, Depois Daquele Baile e A Máquina.
Os dois primeiros eram claras tentativas de sucesso popular, contando com lançamentos catapultados por planos de mídia fortes. Ambos venderam-se como “palatáveis” e “acessíveis”, filmes para se ver no sábado à noite, em suma, e antes da pizza.
Bombardeados, aparentemente com razão, pela critica, e mostrando-se, afinal, de fraco apelo junto ao “consumidor”, sumiram das salas muito antes do que, penso, era esperado por seus distribuidores. Mesmo quem voluntariou-se a conferir a suposta “bomba” não teve muito tempo para tal. O mercado, de uma forma ou de outra, é seletivo, afinal.
Você foi ver? Gostou? Recomendou a alguém?
O Veneno da Madrugada é filme de um ícone do cinema brasileiro, nossa suposta “reserva de qualidade”. No caso, Ruy Guerra. Com lançamento minúsculo, reflexo de um suposto apelo comercial tão pequeno quanto, em uma semana já ocupava somente uma única sala, em horários reduzidos. Na segunda semana, desapareceu. Conclusão, não deixaram que fosse visto.
Eu não consegui ver. E você?
Depois Daquele Baile ocupou, comercialmente, uma faixa intermédiaria entre os dois casos citados acima – foi um lançamento médio. Não durou muito, tampouco, mas resistiu melhor e mais bravamente à enchente de estréias que varreram as salas semana após semana. Imperfeito, mas com charme, sinceridade e muita vontade de acertar, e com um Lima Duarte em plena forma artística, é um filme ao qual fosse dado mais músculos (pela distribuidora) e oportunidades (pelos exibidores, que, sim, fazem-se de bestas e de capitalistas do tipo “o-mercado-determina”, não são nada santos e matam, muitaz vezes, filmes que poderiam ser melhor-sucedidos), teria atingido com pontualidade uma parcela do público.
Chegou a você?
Já A Máquina, embalado pelo poder publicitário da Globo Filmes e pelos nomes e rostos de Mariana Ximenes e Paulo Autran, chegou soltando fogos de artifício, mas a fumaça dissipou-se muito, mas muito antes do que se previra. Lançado para ser um sucesso popular e fazer, digamos, pelo menos um milhão de espectadores, foi exterminado pelos exibidores apos um parco resultado de 50 mil pagantes em sua primeira semana.
No jogo expectativa/resultado, talvez o maior fracasso do nosso cinema nesses meses aqui analisados. Será que o público de fato reagiu mal aos problemas alarmantes e imperdoáveis do filme? Ou não teve tempo, nem “timing” de descobrir algumas encantadoras e consistentes qualidades também presentes? O “julgamento do mercado”, enfim, foi impiedoso.
Você sentiu vontade de ver A Máquina? Foi?
Abril foi quase uma avalanche. Parece que passada a “onda Oscar”, que domina os 3 primeiros meses do ano nas salas de exibição, grande parte das distribuidoras resolveram desovar filmes brasileiros que estavam amargando a fila de espera. O resultado dessa overdose é, na maior parte dos casos, fatal. Às vezes por falta de espaço, às vezes por desleixo de quem lança, às vezes porque os filmes não são tão bons assim – terceiro fator que, em termos, vem explicar os dois primeiros.
Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos, Irma Vap – O Retorno, Árido Movie, Tapete Vermelho, Brasília 18%, Ginga, Achados e Perdidos, Dia de Festa e Vinho de Rosas foram os títulos que nos chegaram nesse mês cheio.
Linguagem engessada, decupagem pobre, pouco criativa e, o que é pior, nem mesmo eficiente em termos narrativos, e diálogos e atuações tropeçando e tropeçando no artificialismo são alguns dos problemas comuns a essas produções.
Boleiros 2 não parece, em tom ou trama, tão sincero, gentil e cativante quanto o primeiro. Em ano de Copa, no entanto, poderia ter encontrado seu público, mas não foi o que aconteceu.
Você tinha visto o primeiro? Interessou-se em repetir a dose?
Lançado para ser um sucesso arrebatador, Irma Vap é uma vergonha. O impulso é deixar a ética de lado e lançar todos os impropérios necessários para classificar o filme, em todos os seus aspectos – alguém pode me explicar a podridão daquela finalização? Mas é melhor não, apesar de valer reiterar que Marco Nanini é um semi-gênio.
Mas, conta aí: Irma Vap te pegou?
Árido Movie é um filme caracteristicamente cult, daqueles que já se prevê que tenha seu pequeno círculo de árduos admiradores, bem como detratores. De fato, há bastante para se gostar e para se odiar ali.
Você?
Tapete Vermelho talvez seja uma das maiores vítimas do inchaço de lançamentos desse 2006. Longe de ser um filme excelente, possui sua integridade, sua proposta, sua visão. É capaz de divertir sem qualquer dano, sem perda de tempo. E o que é mais surpreendente, possui, no reduzidíssimo circuito em que ainda se mantém em exibição, um público lotando as salas. Fosse melhor lançado e tivesse recebido mais atenção das salas de exibição, especialmente aquelas em pontos e shopping considerados “populares”, poderia, acredite, ser um sucesso de bilheteria. E não haveria qualquer absurdo nisso.
Você sabia que Tapete Vermelho poderia te entreter? Procurou descobrir?
Brasília 18% foi saudado como um retrato dos mortos-vivos da política. Cabe estender o pensamento à questão do quanto não é um retrato (triste) dos mortos-vivos do cinema, vários deles.
Você viu? Gostou?
Ginga, documentário sobre futebol patrocinado pela Nike e produzido pela O2-de-Cidade-de-Deus em ano de Copa, ou seja, filme com grife para aspirar a ser blockbuster, assustadoramente foi lançado em apenas uma pequena sala de cinema na cidade de São Paulo. Uma semana depois, aparecia em um único horário, logo após o almoço. Na semana seguinte, sumira. Seja como for, ou por que for, não se deixou ser visto.
Você conseguiu ver?
Achados e Perdidos e Dia de Festa tiveram, da mesma forma, lançamentos tímidos, que ainda não possibilitaram que o autor das linhas os visse.
Você já foi?
E Vinho de Rosas, filme com trailer estapafúrdio e, segundo ecoam os comentários, qualidades quase ausentes, foi o mais sensacional exemplo até aqui. Seu “lançamento” se deu em uma pequena sala do circuito exibidor paulistano, em uma (!!) sessão, às 14h.
Você aí, acredite se quiser.
E, assim, passaram os 4 primeiros meses do ano para os filmes brasileiros.
15.5.06
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3 comentários:
temos aí uma nota errada neste post:
"você vai ao cinema todos os dias? rafael quase."
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