31.10.07

diário da Mostra - dia 10

28/10 – domingo
(cotações de * a * * * * *)



Atrizes, de Valeria Bruni Tedeschi
FRANÇA
* * * *
Pode soar como um filme “banal”, mas pode também ser uma sensível e múltipla investigação sobre a arte humana de representar (e não estamos falando dos atores, nem das atrizes) e sobre o tempo deixando planos e sonhos para trás. E sobre o fracasso, por que não? Há ecos claros da tradição de "filmes-de-palco", como Noite de Estréia, de John Cassavetes, ou Quem Sabe, de Jacques Rivette, e até Tiros na Broadway, de Woody Allen, quem sabe. Filme-egotrip da atriz que o protagoniza e dirige, nem por isso sucumbe ao egocentrismo. Tudo parece fora de controle – e está mesmo, em certo nível. Mas essa capacidade de ser coerente e satisfatório em sua aparente falta de rumo, fazendo com que personagens e situações se desviem de uma rota que parecia já bem traçada, talvez seja o maior atrativo e o ponto de simpatia entre a obra e o público. E vale dizer que o filme vai ficando na cabeça.


depois...


TIM FESTIVAL – Arena Skol Anhembi, São Paulo

A tal da área VIP tinha bebida de graça. E tinha a Thereza, o Marcus, o Santini e a Isabel. E vários outros amigos e conhecidos. E eu consegui trazer o Ricardo para dentro, clandestinamente. Então faltava o que, mesmo? Ah, sim, os shows (e o Arrigo...). Mas por mais sensacional que tenha sido ver/ rever/ re-compartilhar essa música toda, a diversão morou nos entremeios e nos detalhes.

HOT CHIPS
Era pra ouvir Over and Over? Cheguei, tocou, o show acabou. Missão cumprida, mais uma vez.

BJORK
Tudo de novo, tudo tão bom quanto.



JULIETTE & THE LICKS
Ela como cantora é uma ótima atriz.

ARCTIC MONKEYS
Sem Mardy Bum, de novo. Mas excelente.



THE KILLERS
Depois de ouvir Sam’s Town e When You Were Young, achei que tinha cumprido a missão e me deixei vencer pelo cansaço.

diário da Mostra - dia 9

27/10 – sábado
(cotações de * a * * * * *)


Ressaca, outras 6 horas de ônibus de volta a São Paulo e...


Sukiyaki Western Django, de Takashi Miike
JAPÃO
* * *1/3
Um extravagante e divertidíssimo delírio de gênero que presta contas aos faroestes italianos ditos “B”. Tem violência estilizada, cambalhotas visuais e humor negro de altíssima linha, amarrados por uma trama de acerto de contas. Não é à toa que o diretor Quentin Tarantino está escalado como ator, em participação especial, devolvendo – ou homenageando – a influência, numa rocambolesca antropofagia.

diário da Mostra - dia 8

26/10 – sexta-feira

Seis horas de ônibus até o Rio de Janeiro e...

TIM FESTIVAL – Marina da Glória, Rio de Janeiro

Antony and The Johnsons
Show certo no lugar errado. Gente de pé, dispersa, preocupada em conversar, beber e esperar a Bjork. Além de que, Antony iria substituir Feist, três horas mais tarde, em outro palco, o que fez com que ele cortasse pela metade o show, em comparação ao que apresentara em SP na noite anterior. Não fiquei para ver, para não estragar o êxtase adquirido.



Bjork
Fenomenal. Bandeiras, banda feminina de sopros, instrumentos eletrônicos cheios de pompa, a cantora vestida de bombom Ferrero Rocher e soltando teias de aranha pelas mãos. O fato de eu não ter uma relação especial com sua música não mudou em nada o fascínio pela cantora de voz única, gestos encantadoramente desengonçados e uma energia artística fascinante. Valia a pena ver de novo – o que justamente aconteceria dois dias depois.

Hot Chips
Era pra ouvir Over and Over, não era? Ouvi. Foi legal.



Arctic Monkeys
Com aquela cara de garoto de 17 anos, Alex Turner e seus comparsas incendeiam a platéia no primeiro acorde e praticamente emendam uma canção na outra, sempre com a fúria e a potência daquilo que se costuma chamar “rock”. Não há performance propriamente dita além da música em si – como há em Bjork, por exemplo – mas não precisa. Quem gosta do ótimo barulho que eles fazem, está servido com um desempenho limpo e devastador. É deitar e rolar.

Montage, Vanguart e Del Rey
Ah, é! Não teve. Porque a organização do Tim Festival foi capaz de montar um palco em área ao ar livre e cancelar os shows, que lá aconteceriam, por causa da chuva. Porque é difícil prever chuva, mesmo.

30.10.07

diário da Mostra - dia 7

25/10 – quinta-feira


TIM FESTIVAL – Auditório Ibirapuera, São Paulo

Toni Platão
Deu para agüentar três musicas, por curiosidade mórbida.



Cat Power and Dirty Delta Blues
Entrando antes do anúncio oficial que deveria chamá-la ao palco, curvando-se estranhamente, como quem solicita ou dedica uma oferenda, sorrindo, já meio louca e meio lírica – sensação que só se acentuaria ao longo da apresentação – Chan Marshall/ Cat Power era algo hipnotizante. Sua música estava em desacordo com seu corpo. Havia dor em uma, desprendimento em outro. Desconstruiu suas próprias canções e algumas versões, andou freneticamente de um lado para o outro, pediu mais retorno muitas vezes. Cantou triiiiiste e lindo.



Antony and The Johnsons
Um verdadeiro recital. Ao piano, Antony Hegarty era escudado por violão, violino, violoncelo e baixo e com toda a delicadeza do mundo entoava melodias tristes e sublimes. Descontraído e brincalhão nos intervalos das músicas, nem parecia o homem que inundava palco e platéia de caudalosa emotividade assim que elas começavam. E que transformava qualquer coisa em beleza lírica – até mesmo o hino-pop-brega I Will Survive.

diário da Mostra - dia 6

24/10 – quarta-feira

A sessão de Glória ao Cineasta lotada às 12h30 de uma quarta-feira e essa incapacidade de previsão do comportamento do público. Irritou, não vi mais filmes.

24.10.07

diário da Mostra - dia 5

23/10 - terça-feira
(cotações de * a * * * * *)

(É impressão só minha ou a Mostra está desnorteantemente lotada esse ano? Não há mais regra: sessões esgotam no meio da tarde, em dias de semana, exibindo filmes de diretores “desconhecidos”, sem grandes indicações ou atenção de mídia. Melhor assim, sempre, mas pior assim, quando se perde A Questão Humana, filme recomendando e pelo qual a ansiedade era grande.)

Mas...


Longe Dela (Away From Her), de Sarah Polley
CANADÁ
* * * (e 1/2?)
O que é esse sentimento que cimenta um casamento? O que faz duas pessoas ficarem juntas por 44 anos (ou mais)? De onde vem, como se transforma, em que se transforma, pra onde vai, o que faz e o que é isso que chamam amor? Múltiplo como o branco, que não existe em estado puro e é a soma de todas as outras cores, o amor é a palavra na qual se abrigam a soma e o confronto de uma porção de outras coisas, inevitavelmente. Sarah Polley finge que está fazendo um filme sobre a doença de Alzheimer e faz um filme sobre a permanência e a aceitação. Sobre um casal que não passou um mês separado durante 44 anos. E que passa em revista passado, futuro e principalmente presente, diante de uma perspectiva sombria. Algumas convenções por demais convencionais (mas que funcionam sem precisar de muita condescendência) não tiram o mérito da diretora de conter o que poderia ser um dramalhão desregradamente lacrimoso, escudada em Julie Christie e, principalmente, Gordon Pinsent. E em um olhar delicado e esperançoso – ainda que num filme triste – sobre a construção de uma vida conjunta.


El Otro, de Ariel Rotter
ARGENTINA/ FRANÇA/ ALEMANHA
* *
Quando eu estava achando clima e atmosfera parecidas demais (inclusive com o mesmo ator) com o excelente filme O Guardião, de Rodrigo Moreno, dormi. Mas mesmo com o filme mal visto ficou a sensação de uma obra algo pretensiosa, que acaba sendo mais vazia do que sobre o vazio.



Le Voyage du Ballon Rouge, de Hou Hsiao-Hsien
FRANÇA
* * * * *
Deslumbrante. A vida mais banal e mais mágica feita cinema. A resignificação dos espaços. Os anseios, sonhos, dores e contratempos em pianos, fogões, vizinhos, filhos, mães, babás, Paris e um balão vermelho. A inocência da criança e da estrangeira feitas uma só. O olhar mestre e imigrante sobre as pessoas e suas vidas, aquilo que é, enfim, universal.

diário da Mostra - dia 4

22/10 - segunda-feira
(cotações de * a * * * * *)



Um Amor Jovem (The Hottest State), de Ethan Hawke
EUA
* * * * (ou * * * e ½, hem, J.C.??)
De As Paredes do Chelsea Hotel para cá, é notável a progressão do Ethan Hawke cineasta. Adaptando um romance de sua própria autoria (que contém tintas que parecem bastante biográficas) e talvez por isso mantendo acima de tudo a pessoalidade, ele consegue fazer um filme sobre jovens que não é um “filme sobre jovens”, mas sim um sentimental, belo, divertido e sincero retrato de amores encontrados e perdidos, amadurecimento, vida familiar e aquela adolescência renitente que insiste em perdurar aos 20, aos 30, aos 40... Em tempos onde as liberdades emocionais multiplicam-se, o processo de fazer e desfazer caminhos é o objetivo da jornada em si, mais do que atingir um ponto de chegada ilusório. Essa sensação, somada à bagagem que arrastamos conosco nesse percurso, é a matéria sobre a qual se constrói um filme cheio de frescor, surpreendentemente jovem de espírito (e com participações impagáveis de Sonia Braga – sim, Sonia Braga! – e Laura Linney, além da competência dos protagonistas Mark Webber e Catalina Sandino Moreno).

Cristóvão Colombo – O Enigma, de Manoel de Oliveira
FRANÇA/ PORTUGAL
* * *
Chamar de “específico” o cinema de Manoel de Oliveira pode ser diminuir uma arte lapidada em mais de 90 anos. Mas não ocorre palavra melhor, pelo menos não agora, não para esse filme, não no turbilhão da Mostra. Retomando uma espécie de cinema histórico que estava no recente Um Filme Falado (mas não só nele), Manoel remexe a vida e o mito de Cristóvão Colombo, colocando a si mesmo em cena para tal, inclusive. E de uma forma tão especial que dá à obra uma humanidade e uma autenticidade que a resgatam do que poderia ser, maldosamente colocando, uma aula ilustrada de história, apenas.



I’m Not There, de Todd Haynes
EUA
* * * *1/2
As cinebiografias – em especial as musicais – nunca mais serão as mesmas. Pela ousadia, pela criatividade, pela inteligência dramática e cênica, pela “costura” visual que tudo adquire em uma montagem certeira, pelos atores (meu deus, meu deus, será que há limites para Cate Blanchett?!), por um filme que vibra por, sobre, com e além da musica e da vida de Bob Dylan. Uma ópera, uma epopéia, um filme que transborda de som e fúria, imagem e música, que preenche os sentidos e o intelecto exatamente como eles gostam e merecem.

23.10.07

diário da Mostra - dia 3

21/10 – domingo
(cotações de * a *****)



Sonhando Acordado (La Science dês Rêves), de Michel Gondry
FRANÇA/ ITÁLIA
* * * *
Com um atraso inexplicável, finalmente pôde ser visto em nossas telas o filme que Michel Gondry realizou depois de sua obra-prima pop, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Aqui, como lá, há muita fantasia interferindo na realidade e moldando-a, numa via de mão-dupla. O que varia é a forma e o grau de organização e progressão narrativas. Em Brilho Eterno, a história, ainda que de forma não cronológica, era preocupada em contar-se, majoritariamente. Nesse Sonhando Acordado, em acordo com a matéria dramática do filme (centrada em um rapaz que mistura sonho e realidade), há uma maior liberdade associativa conduzindo a trama. Trama essa que vem repleta da inventividade que é marca de seu diretor e também de um carinho enorme que ele parece nutrir por seus personagens. O casal central parece tão livre em cena quanto o filme em si, e tão adorável também. Gondry faz mais um filme em que o amor é a palavra de ordem (e toda a loucura e a fantasia e o onírico associado a ele), e no qual o sentimento é tão claramente vívido porque o cineasta (também roteirista), não cria personagens para levantar teses ou cumprir objetivos, mas sim para que eles existam. E, como demiúrgo, gosta de sua criação e trata-a com todo carinho e desvelo.

De Volta À Normandia (Retour En Normandie), de Nicolas Philibert
FRANÇA
* * *
Na linha de duas obras-primas documentais de nossa cinematografia, Cabra Marcado Para Morrer e Santiago, em que os autores não só colocam-se integralmente em suas obras, mas, antes, utilizam-nas para revisitar seus passados, Philibert, do aclamado Ser e Ter, retorna ao primeiro longa de ficção em que trabalhou, retomando a história passada por trás da realização do filme e a vida presente dos atores não-profissionais que trabalharam nele, então. Acompanha-se tudo com certo interesse, mas tudo quase resvala no desinteressante. Eu disse quase. Porque Philibert sabe conduzir sua jornada e torná-la digna de acompanhamento, mas deixa na tela uma sensação de promessa não cumprida de epifanias (de qualquer tipo, principalmente as mais simples e cotidianas, sempre as melhores). E isso pode ser um problema do filme tanto quanto do espectador.


SOS Saúde (Sicko), de Michael Moore
EUA
* * *
A essas alturas, depois do constrangedor Farenheit 11/09, todos sabemos os problemas do cinema de Michael Moore, sendo que o maior deles é o de utilizar-se de recursos éticos e estéticos que não o tornam aceitável, pelo dito “cânone”, como descendente da tradição do documentário cinematográfico. Seja ou não moralmente digno, seja ou não “verdadeiro”, seja um programa de televisão feito para passar no cinema (e aqui já entramos numa briga que não há tempo nem espaço de levar adiante), a verdade é que ninguém pode negar a inteligência de Moore. E seu talento para a narrativa (ainda que manipuladora) e, principalmente, para a comédia. Radiografando as agruras do sistema de saúde norte-americano, Michael Moore torna-se piegas, sim, manipulador, sim, panfletário, sempre. Mas é também a pessoa que cutuca a ferida (para o bem ou para o mal), que escancara o humor que existe no(s) absurdo(s) cotidiano e que, quando não escorrega em demasia, nos entretém como ninguém (ou justamente como o grande showman que é), ainda que com assuntos trágicos. É refletir rindo, ou rir sem refletir, ou rir para aceitar o inaceitável. É para ser ambíguo como só ele sabe. É o homem que amamos odiar – ou que adoramos amar e ponto.



À Prova de Morte (Death Proof), de Quentin Tarantino
EUA
* * * *
Todo mundo sabe que ele domina a câmera e a linguagem como poucos. A serviço de quê Tarantino coloca sua maestria é que se torna a questão, filme após filme. Em Kill Bill ele engendrava uma verdadeira ópera pop, repleto de referências e, principalmente, com personagens e uma trama capazes de tornar irresistíveis as maiores banalidades e as mais temerosas mortes. Agora, o “cinema de gênero”, que sempre foi a menina de seus olhos e que sempre se fez presente tangenciando as bordas e os centros de seus filmes, assume o centro da cena. Tarantino trabalha com a recriação mais detalhista, enxuga história. Tudo se passa em pouquíssimas seqüências, com tempo interno bem próximo ao real. Personagens, apesar de manter aquela assombrosa chama vital que parece tão própria de seu cinema, agora são mais “funcionais”. Estamos a serviço dos carros – e do mistério e da tensão e da faiscante adrenalina que eles imprimem a espetaculares cenas de ação (será que é assim mesmo que devemos chamar?) e ao filme como um todo. Pessoalmente, Tarantino me atinge com mais exatidão quando, em seu cinema-sobre-o-cinema deixa existir mais vida (ainda que ela venha sempre inevitavelmente manchada de sangue) e menos cinema (pelo simples cinema). Aqui é cinema pelo cinema. (“Eu sou um homem de armas, e um humanista. E essa combinação é difícil em qualquer século.”, diria Mauricio de Nassau em Calabar, de Ruy Guerra e Chico Buarque.) Fãs de cinema (e fãs do Tarantino esteta e referencial, “homem de armas”) podem delirar. Mas fãs de cinema (e fãs do Tarantino que inventa personagens e tramas como ninguém, “humanista”) podem torcer o nariz. É possível, também, como eu, talvez, ficar no meio do caminho.


PS:
Passados 4 dias, amo o filme e acho que Eduardo Valente disse aquilo que eu não soube, AQUI.

diário da Mostra - dia 2

20/10 – sábado
(cotações de * a *****)



O Homem de Londres (A Londoni Férfi), de Bela Taar
HUNGRIA/ FRANÇA/ ALEMANHA
* * * * *
Depois de achar o filme completamente deslumbrante, de uma precisa, fina e bela arquitetura (espacial e dramática), soube, por amigos, que ele foi ridicularizado no Festival de Cannes, por público e imprensa. Um outro amigo chamou-o de “arrogante”. Refleti, mas não diminuí minha admiração por um filme que me parece de um equilíbrio fenomenal, desdobrando sua narrativa aos poucos, como um sofisticado leque. O espaço cênico capturado por extasiantes planos-sequência vai se revelando progressivamente (começamos em uma espécie de observatório marítimo para aos poucos entender a cidade ao seu entorno e as posições claras que os locais ocupam uns em relação aos outros). A fotografia é capaz de criar jogos de claro-escuro de arrombar as retinas. E o que poderia ser só formalismo vazio vai adquirindo um intrincado e pungente sentido dramático na medida em que a trama vai, ela também, se revelando (e revelando suas ambigüidades e reentrâncias) cena após cena. É fácil entender como um filme desses é capaz de afastar os espectadores. Mas não é nada difícil aceitar e fascinar-se com sua proposta. Porque, no fundo, toda obra de arte é mesmo “arrogante”.



Vocês, os Vivos (Du Levande), de Roy Andersson
SUÉCIA/ ALEMANHA/ FRANÇA/ DINAMARCA/ NORUEGA
* * * * *
Como se O Homem de Londres já não tivesse sido combustível intelectual e estético para um dia inteiro (ou mais), Roy Andersson leva adiante a proposta que demarcara claramente no impressionante Canções do Segundo Andar e consegue fazer de Vocês, os Vivos, filme do qual já se tinha todas as referências, uma deliciosa surpresa. O tom algo mais grave, soturno, alarmista até, que sua obra anterior possuía é diminuído em favor de uma ambientação que não seria exagerado chamar de “solar”. O humor e a música entram sem pudor no “universo paralelo” que o diretor constrói utilizando-se de uma direção de arte rigorosa e impecável e de uma fotografia calculadamente esmaecida, que enquadra cenários oblíquos sempre de forma a criar algum ponto de fuga diagonal em seus quadros estáticos. Mas não só. A observação “teatral” que se tem da cena, na medida em que o plano é sempre único, longo e geral, deixa os atores como mágicos centrais da irrepreensível mise-en-scène. Vestidos e maquiados de modo a corroborar um mundo de fantasia que é extremamente real, criam, às vezes apenas com silêncios e gestos, cenas trágicas e hilárias, da mais absoluta humanidade. Há ternura e acidez, remetendo, em seu todo, ao Jacques Tati de Playtime (o que não poderia ser um melhor elogio). Trata-se, enfim, de um filme que dá à vida um filtro estético estarrecedor e, sem trai-la, a torna surpreendentemente atraente. O que mais se pode querer do cinema, afinal?


Control, de Anton Corbijn
REINO UNIDO/ EUA
* *
Cinebiografia de Ian Curtis que começa promissora mas logo cai na vala comum do simplismo dramático - tudo muito bem disfarçado numa embalagem estética pretensamente atraente. Basicamente, o filme não oferece uma chave de envolvimento emotivo com personagens e situações, tampouco os dá vida e compexidade de forma estética (como faz, por exemplo, I’m Not There, a saber). Há quase um maniqueísmo boboca na relação entre o protagonista e sua mulher e impõe-se um distanciamento “cool” entre o filme e seus personagens que me parece, claramente, um tiro no pé. Tudo não demora a ficar chatinho e algo besta. Esse olhar que pode ser lido como “observacional”, onde o gênio precoce e atormentando é mostrado com certa crueza (impressão reforçada pela fotografia em preto-e-branco), é contradito, por exemplo, pelas inserções musicais algo óbvias. É um filme que faz muita gente feliz (especialmente fãs de Ian Curtis/ Joy Division), não há dúvida. Mas que, em sua essência, é um cinema tolo.

diário da Mostra - dia 1

19/10 – sexta-feira
(cotações de * a *****)


A Ilha (Ostrov), de Pavel Lounguine
RÚSSIA
*
As referências eram As Bodas, filme do diretor que esteve em cartaz nos cinemas brasileiros lá para os idos de 2001 e que era bom, até onde a memória deixa saber. Mas este A Ilha mostrou-se de cara aborrecido e desinteressante. Tudo parecia sério e solene demais. Dormi. Quando acordei, o filme era uma comédia (sombria, mas uma comédia). Duas cenas depois, voltou a ser um drama versando sobre amargura e perdão. Mas de forma mais do que aborrecida.

Fay Grim, de Hal Hartley
EUA/ ALEMANHA/ FRANÇA
* * *1/2
Quando um filme começa com a prosaica cena de uma mãe sendo chamada à escola do filho para uma advertência, em uma pequena cidade dos EUA, e termina em uma conspiração terrorista internacional na Turquia, é fácil reconhecer que se está diante de uma obra de Hal Hartley, cineasta não muito afeito à convenção. Parker Posey domina a cena nos diálogos rápidos, afiados e engraçadíssimos do primeiro ato. O filme pousa na França e sua trama se multiplica em vários personagens e conspirações, ainda mantendo um saudável tom de comedia amalucada, no segundo. No terceiro, por mais que as brechas do nonsense fiquem abertas, uma inadvertida seriedade toma conta da história. Tudo acaba um pouco desconjuntado – ou perfeitamente dentro de contexto, num filme que não se limita ao “normal”.




Não Toque no Machado (Ne Touchez Pas La Hache), de Jacques Rivette
FRANÇA/ ITÁLIA
* * * *1/2
Adaptando Balzac, Rivette faz exatamente aquilo contra o que o cineasta Peter Greenaway vem bradando em anos recentes: um “texto ilustrado”. Mas o faz brilhantemente. Dois personagens, defendidos por dois grandes atores, travam um desnorteante jogo de poder em uma relação amorosa – ou, antes, duelam pelo domínio sobre o outro antes mesmo que se estabeleça uma “relação amorosa”,http://www.blogger.com/img/gl.link.gif aos moldes clássicos. Mas que se desenrola de forma tão intensa que pode re-significar, também, o termo “relação amorosa”. E que conduz a platéia entre o deleite e a angústia, dando-a matéria humana de sobra.


PS:
A primeira cena de conflito entre os protagonistas remete imediatamente ao mais belo momento da ópera Manon, de Massenet. Lá, a heroína vinha suplicar ao herói, em retiro religioso, que reacendesse o amor que ele possuía certamente guardado em si, indagando porque o sentimento mudara (“não é mais minha mão, que sua mão aperta, como antigamente?”, “não é mais minha voz, não é mais Manon?”). No filme, é o herói quem, com sua presença, tenta demover a mocinha a entregar-se irremediavelmente ao celibato da religião. Aqui, toda a maravilha da operística cena de Manon.

14.10.07

e em 5 dias começa a MOSTRA.


(será que vai ter diário?)

soda shop

para pular a fala inicial, com uma "polêmica" que já ficou veeeeeelha, e ouvir a música, doce como esse domingo chuvoso. (início aos 2'40")