25.4.08

vamos fazer esse barco andar

(segura, Berenice, porque o texto é GRAAAAAANDE)


eu comecei a escrever em algum momento perto de fevereiro isso que se segue aí abaixo. era uma mini-retrospectiva do ano cinematográfico de 2007, mas, entende?, parei no meio, deu preguiça, aquela coisa.

e como eu não vou terminar mesmo mas também não quero perder o que estava feito, vai como está - completo até o mês de maio, totalmente incompleto daí em diante.

é porque é assim: o Festival Sesc dos Melhores Filmes me deu a oportunidade de ver duas obras essenciais exibidas ano passado que eu tinha perdido em telas grandes e sabia que não veria em pequenas.

eram Império dos Sonhos, aquele filme pra e de gente que se acha muito inteligente, e Em Busca da Vida, filme de quem é inteligente de verdade.

daí deu vontade de voltar a esse tópico.

então... pode começar?


*

Manhola Dargins, uma dos três críticos de cinema “oficiais” do jornal The New York Times, abriu com o seguinte texto sua lista dos 10 melhores filmes de 2007 (em tradução livre):

A idéia central de uma lista de “10 Melhores”, um amigo recentemente repreendeu-me, é que ela seja numerada (eu estava me negando a fazê-lo). Meu amigo estava errado, mas somente porque listas de 10 Melhores são exercícios artificiais, afirmações do ego crítico, caprichosas e necessariamente imperfeitas. (Eu tenho uma suspeita de que este intocável “10” tem a intenção de sugerir uma acuidade bíblica, como se os críticos fossem meramente depositários terrenos de alguma sabedoria divina.) Mais do que qualquer coisa, elas são um ritual público, o que é sua função mais valiosa. Eu te digo do que eu gosto e você ou concorda com a minha lista (o que nos lisonjeia a ambos) ou a repreende (o que lisonjeia você). É um círculo perfeito.

Em sua maioria, essas listas me dão a chance de lembrar os leitores de bons e ótimos filmes que talvez eles tenham perdido. Elas me permitem revisitar favoritos, peneirar o ano e partilhar alguns pensamentos que eu não publiquei anteriormente, juntamente com fragmentos, digressões e algumas agulhadas. Em certo sentido, a lista em si é o menos importante de tudo, motivo pelo qual eu vou despachá-la agora com pequenas anotações e, exceto pelos dois primeiros títulos, sem números.



Este blog estava demorando para fazer sua lista. Pelo motivo de achar justo assistir a alguns filmes ainda em cartaz antes de fazer um apanhado geral, mas também pela esperança de conseguir ver, em dvd, títulos importantes que não puderam ser vistos na ocasião adequada.

Então decidimos simplesmente fazer uma espécie de retrospectiva mês a mês do ano cinematográfico de 2007 nas salas de cinema paulistanas. A fatídica lista dos 10 (ou quantos eles forem) preferidos, estará lá embaixo, no fim do texto. Mas, como vimos, ela pode ser o menos importante de tudo.

JANEIRO
Pudemos ver Mais Estranho Que a Ficção, de Marc Forster (em geral um mau diretor), filme tolo mas ainda assim interessante, que tinha Emma Thompson.

A exibição de Dias Selvagens, filme de 1991, nos deu a chance de testemunhar em tela grande o nascimento do idioleto de Wong Kar Wai, dos maiores artistas do cinema em atividade.

* Prêmio “deixe-se enganar se quiser por essa porcaria”: Babel, de Alejandro Gonzalez Iñarritu

* Filmes não vistos: Apocalypto, de Mel Gibson

FEVEREIRO

A Conquista da Honra foi um Clint Eastwood menos brilhante, com simplificação psicológica e cinematográfica além de relações causais e esquematismo estrutural por demais explicitados. O discurso algo generalizante teimava em vencer as verdades particulares dos personagens.

Dias de Glória, de Rachid Bouchareb, era um “filme de guerra” incomum, que lançava um instigante ponto de vista sobre a sempre tortuosa relação entre colonizadores e colonizados, à luz de uma batalha. Seu material humano individual sobrepunha-se ao “discurso”.

Pro Dia Nascer Feliz, de João Jardim, foi uma gloriosa surpresa, revelando as contradições aparentemente invencíveis do sistema educacional brasileiro, misturando acidez e emotividade, sob o ponto de vista de “personagens” cativantes que deslevavam, pelas frestas, as dores e delícias de ser adolescente. Abriu o que seria um “ano de ouro” para os documentários nacionais (a ser completado por Santiago e Jogo de Cena)

Antônia, de Tata Amaral, são limites embaralhados entre vida e cinema, um empurrando o outro para cima e para frente. Ambos confusos mas brilhantemente complementares, translúcidos, indissociáveis, como deve (ou deveria) ser. Técnica caoticamente precisa a serviço de uma verdade cinematográfica capaz de epifanias humanas perto das quais um determinado cinema “de artifício” jamais passa perto.

A Rainha, de Stephen Frears, era Helen Mirren e seu coadjuvante Michael Sheen no ápice de seus respectivos realismos psicológicos, em filme de direção austera para um roteiro quase sempre limpo, algo prático até, embora às vezes pobremente reiterativo.

Borat - o segundo melhor repórter do glorioso país Cazaquistão viaja à América, de Larry Charles, foi aquele filme divertido que todo mundo aplaudiu, com algumas honestas doses de razão, mas que todo mundo esqueceu bem rápido.

* Grande descoberta tardia: a teatralidade (na melhor acepção possível do termo) linda, linda, linda de Uma Mulher Sob Influência, que escancara sua construção temporal como drama, esgarçando as durações dos acontecimentos de forma tão real quanto angustiante. Uma decupagem livre e libertária multiplica as potencialidades da apreensão, pousadas sob uma performance inacreditável de Gena Rowlands.

* Prêmio “deixe-se enganar se quiser por essa porcaria”: Pecados Íntimos, de Todd Field (que soava promissor em Entre Quatro Paredes)

* Provável melhor filme visto em condições que não valeram: Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood

* Filmes “do Oscar” não vistos: À Procura da Felicidade, O Último Rei da Escócia


MARÇO
Mês do arrebatamento absoluto de Maria Antonieta, filme no qual Sofia Coppola faz aquilo que diretores de cinema devem fazer: pensa a História sob a perspectiva de seu próprio tempo, escancara o filtro subjetivo em sua (re)criação audiovisual, organiza elementos técnicos e estéticos em favor de um “projeto”, imprimindo em seu filme as marcas claras de um pensamento cinematográfico. Comete uma encenação praticamente sem falhas e realiza uma obra que é um primor, que enleva a experiência, que possui uma atmosfera de frescor e encantamento, uma respiração desavergonhadamente juvenil - e de júbilo inconteste -, como um delicado e meticulosamente bem cuidado banquete que só serve sobremesas.

Scoop - o Grande Furo
soou como uma grande auto-releitura de Woody Allen. Cantando aquele velho adágio de que um filme “menor” de sua autoria vale mais do que quase toda a produção cinematográfica por aí, pode-se desfrutar de algo divertidíssimo, apoiado em gags fortemente físicas do ator/diretor. E que só consegue ser deliciosamente cheio de prazeres como é porque quem o faz é Woody Allen, já que é preciso muito talento e muitos anos de atividade para alcançar a coesão e a leveza de filmes “menores” como esse.


ABRIL
Cartola, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, tem como mérito sua liberdade formal, sua estrutura de “colagem”. A recriação de uma vida e da obra a ela pertencente, aqui, parece caminhar guiada por um faro mais sensorial do que propriamente intelectual, o que faz ruir tradicionalismos muitas vezes aborrecidos do formato “documental”.

Maria, de Abel Ferrara, requer revisões que este blog não fez. Mas existe uma força de um discurso ferozmente honesto que perpassa as algumas desavenças estéticas que há entre o filme e o signatário.

Ventos da Liberdade
, de Ken Loach, é um filme que envolvia na mesma intensidade com que não se fazia reter.

Perdemos O Hospedeiro (e, sim, sabemos que isso é imperdoável).

* Blockbuster que deu preguiça de ver (fato que hoje causa arrependimento): Piratas do Caribe - No Fim do Mundo, de Gore Verbinski.

* Filme “cult” que não deu tempo de ver: Escola do Riso, de Mamoru Hosi


MAIO
Marcas da Vida é a segura estréia na direção da inglesa Andréa Arnold, que conta sua história de forma primordialmente racional. Ou, antes, abre espaço aos poucos para o coração através do cérebro - e não se trata somente de uma contenção de artifícios sensibilizantes, mas de uma atmosfera e uma pulsão francamente cerebrais, com aquilo de bom e de ruim que isso pode ter. Sua aspereza tem algo de belo e sua encenação multi-imagética, com câmeras de vídeo diegeticamente inseridas da ação, adensa e verticaliza seus sentidos.

Lady Vingança, de Chan-wook Park, é uma mistura de Kill Bill com O Fabuloso Destino de Amelie Poulain. E esta definição encerra seus deleites e suas limitações.

* Blockbuster em série que não perde o fôlego nem o encanto: Homem Aranha 3, de Sam Raimi.


JUNHO

Zodíaco, aquele FILMAÇO.

Cão Sem Dono
é desnorteante. Porque escancara um naturalismo raro, porque não corta, porque possui uma coerência e uma expansão narrativa certeiras, porque encontra em Júlio Andrade um protagonista a altura de sua simplicidade, porque encena diálogos de uma verdade encantadora e sufocante, porque aponta a capacidade e a disposição do diretor Beto Brant em arriscar-se e abrir-se para uma parceria com Renato Ciasca, porque é uma narrativa capaz de despir-se sem perder o equilíbrio, o senso estético ou a racionalidade, porque descobre em Marcos Contreras e Janaina Kasmer os melhores coadjuvantes e uma das melhores cenas de nosso cinema recente, porque une ética e estética em um projeto afinado, porque acredita em si mesmo até o final. Porque é um belíssimo filme.

* Outros filmes “cults” que não deu tempo de assistir: Fora do Jogo, de Jafar Panahi, e 500 Almas, de Joel Pizzini


JULHO

Paris, Te Amo era meio legal, não era?

Medos Privados em Lugares Públicos.

Saneamento Básico - o Filme
. Alguém reparou no quanto, digo o QUANTO Fernanda Torres conseguiu ser ótima sem necessariamente ser de novo Fernanda Torres? E Camila Pitanga, então?!

Em Busca da Vida e aquela relação personagem-espaço que pelamordedeus, além de um último plano dos mais lindos da história (!).

* Acredita que também não deu pra ver Bobby, de Emilio Estevez e Fabricando Tom Zé, de Décio Matos Junior?


AGOSTO
A Comédia do Poder.

As Leis de Família, que a gente acha meio irrepreesível e tem certeza de que quem não gostou não entende nada de cinema nem de sensibilidade.

O Grande Chefe, que a gente não gostou.

Possuídos, que a gente acha ducaralho, entendeu? E que todo mundo percebeu que é uma metáfora do amor, né (ou não é?)

Santiago, que tira a respiração e coloca nossos corações aos pés de João Moreira Salles, mais uma vez.

O Ultimato Bourne, que não nos deixa piscar mas assim nem um segundo. E que é uma espécie de filme bom que só eles sabem fazer. E como sabem.


SETEMBRO
Perdemos Hairspray - Em Busca da Fama.


OUTUBRO
Perdemos Morte no Funeral.

Gostamos, sim, de Tropa de Elite.

Quisemos cortar os pulsos em Y com Piaf - um Hino de Amor e torcemos feito loucos pra Marion ganhar o Oscar.

E não é que simpatizamos sinceramente com O Passado? (mas, olha, se você não leu essa obra-prima de Alan Pauls, o que você ainda está fazendo em frente ao computador?


NOVEMBRO
Achamos uma sacanagem Noel - O Poeta da Vila não ter recebido a atenção que merecia.

Tudo bem a gente não crer que Jogo de Cena é o melhor filme da história do cinema, como querem por aí, mas nunca negamos suas efusivas qualidades.

A Casa de Alice é delicado, sincero, crescente.

Mutum também.

O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford deixa marcas, embora todo mundo saiba que tem pelo menos 1 hora a mais do que o ideal.

Lady Chatterley estabelece bases espaciais e psicológicas, através de cenas simploriamente cotidianas, para depois expor a erupção violenta de uma relação calcada em sentimentos sexuais intensamente primitivos (os amantes não tiram a roupa, não se beijam) e é verdadeiramente admirável. Com um final sensacional, é filme que cresce na cabeça.

Viagem a Darjeeling. Ah, Wes Anderson...

Sou só eu ou A Vida dos Outros é alucinadamente superestimado?

Não vimos O Preço da Coragem, embora acompanhemos atentamente a carreira de Michael Winterbottom.

* Prêmio "obra-prima de pior filme da história do cinema": Mandando Bala

* Prêmio "que saco estrearem tanto filme significativo num mesmo mês": nossas queridas distribuidoras


DEZEMBRO
Novo Mundo é simplesmente um dos melhores filmes desse ano ou dessa década, ou jamais feitos sobre o tema que aborda. Uma maravilha. Existe um apuro estético, capaz de enquadramento e planos irretocáveis, emoldurando uma história contada pelas bordas, com plena iluminação narrativa. Os personagens dão-se a conhecer e encantar aos poucos, conforme pequenos acontecimentos de uma grande jornada tomam a tela sob um olhar histórico de dentro para fora, onde situações corriqueiras e detalhes são o essencial. Com trilha sonora e fotografia exatas, fina dramaturgia e excelentes atores, seu misto de humor terno e de esperança desencantada, conta a imigração por uma ótica nova e arejada, intelectualmente rica e cinematograficamente fascinante. Irmana-se, bem de longe, com o brilhante e homônimo O Novo Mundo, de Terence Mallick, e, em todas as disparidade complementares que apresenta em relação a esse, defende belamente o cinema como grande arte.

Um Amor Jovem foi Ethan Hawke evoluindo como diretor e fazendo um sentimental, belo, divertido e sincero retrato de amores encontrados e perdidos, amadurecimento, vida familiar e aquela adolescência renitente que insiste em perdurar aos 20, aos 30, aos 40 anos. Em tempos onde as liberdades emocionais multiplicam-se, o processo de fazer e desfazer caminhos é o objetivo da jornada em si, mais do que atingir um ponto de chegada ilusório. Essa sensação, somada à bagagem que arrastamos conosco nesse percurso, é a matéria sobre a qual se constrói um filme cheio de frescor, surpreendentemente jovem de espírito (e com participações impagáveis de Sonia Braga – sim, Sonia Braga! – e Laura Linney)

A Culpa É do Fidel nos faz ter certeza que Dakota Fanning abriu uma escola de atuação mirim.

Em Paris soa deliciosamente sem controle e irremediavelmente envolvente.

* Prêmio "gente, olha pra mim porque eu me acho desproporcionalmente genial!": Império dos Sonhos

* Prêmio "melhor pior filme que amamos odiar": Across the Universe

* Prêmio "ok, Seinfeld, mas esperávamos mais de você": Bee Movie - A História de Uma Abelha

* Prêmio "uma atriz coadjuvante a beira de um ataque de nervos" (e isso, não parece, mas é BOM): Conduta de Risco




A Lista? Então A LISTA não é objetiva, e muito mais do que tentar ser "crítica" ela é desavergonhadamente pessoal. Prefere filmes que ficaram na alma e que veríamos repetidas e repetidas vezes com muito prazer a filmes que o intelecto reconhece como "imprescindíveis". Entendeu? Fica assim, então, em ordem alfabética:

Antônia
Cão Sem Dono
Em Busca da Vida
As Leis de Família
Maria Antonieta
Novo Mundo
Possuídos
Santiago
Viagem a Darjeeling
Zodíaco


mas você sabe que pode mudar a qualquer instante.

2 comentários:

the build up disse...

*"Uma Mulher Sob Influência" também foi uma descoberta tardia minha (acho que o festival do Cassavetes que teve em BH foi o mesmo de São Paulo). absolutamente arrasador e Gena Rowlands é um daqueles monstros, inteiramente co-diretora do filme ao lado do marido;

*"Maria" merece revisitadas mesmo pois é uma obra bastante peculiar - e extraordinária;

*concordo plenamente com o comentário sobre "Jesse James";

* "Novo Mundo" é dessas obras maiores que aparecem muito raramente e merecem menção em qualquer restrospecto sobre o cinema;

* vi "Acrosse the Universe" no dia que terminei de assistir "The Sopranos" (este, um dos melhores filmes de todos os tempos). não sei se foi isso ou se o filme é realmente uma bomba de proporções apocalípticas. Julie Taymor deveria ser proibida de fazer filmes.

*meu comentário ficou grande também...rs

pm disse...

zodíaco? pirou.