1.1.10

Nova York - dia 9: tarde de esplendor colorido e musica de à noitinha



é um dia de quase tudo fechado, então por que não dormir até mais tarde, tomar um café da manhã que é quase almoço e se enfiar no cinema?

seguindo a recomendação mandatória de Marco Dutra, decido ver Avatar em "um Imax de verdade, e não esse Imax 'de bolso' que a gente tem aqui no Pompéia". então tá.

bom, a sala de cinema é um negócio realmente monstruoso - defronte à primeira fila de cadeiras há um pequeno abismo. sessão lotada, uma voz falando no auto-falante para as pessoas não deixarem cadeiras vazias entre si, trailers que passam antes da hora marcada.

e o que dizer sobre Avatar? realmente não sei, porque acho que já se disse tanto... em página dupla num anúncio no Times esses dias, era possível ler, por exemplo (em tradução livre e preguiçosa):

* "Abrace o filme - certamente a mais vívida e persuasiva criação de um mundo de fantasia jamais visto na história do cinema - como uma experiência totalmente sensorial, sensual, voluptuosa. 'Avatar' é uma experiência de ponta que, nos anos por vir, definirá aquilo que os filmes podem alcançar." (Richard Corliss - TIME)

* "Restaura um senso de maravilhamento à experiência cinematográfica que estava em falta há tempo demais. O choque e espanto de 'Avatar' merecem ser vistos. Você nunca experimentou algo como ele, assim como ninguém mais. Ver 'Avatar' é sentir que você entende o cinema em três dimensões pela primeira vez." (Kenneth Turan - LOS ANGELES TIMES)

* "Vendo 'Avatar' eu me senti mais ou menos como quando vi 'Star Wars' em 1977. O filme de James Cameron tem sido assunto de um incansavelmente dúbio falatório antecipado, assim como o seu 'Titanic' foi. Uma vez mais, ele silenciou os duvidosos simplesmente entregando um filme extraordinário. 'Avatar' não é simplesmente um entretenimento sensacional, embora ele seja isso. É um evento, um desses filmes que você sente que precisa ver para não ficar de fora da conversa." (Roger Ebert)

* "Glorioso. Se a história de um paraíso encontrado e potencialmente perdido parece ressoante é porque 'Avatar' é tanto sobre a nossa Terra quanto o universo que o sr. Cameron inventou. Mas o mais verdadeiro significado do filme está na audácia de sua realização." (Manohla Dargis - NEW YORK TIMES)

todos esses críticos estão certos, a seu modo, até na medida em que determinadas afirmações precisarão passar pela prova dos anos. para mim, Avatar é o encontro de tantos filmes e referências e experiências e aspectos mitológicos. o mundo intergaláctico de Star Wars, as sociedades e criaturas de Senhor dos Anéis, o encantamento juvenil que tanto me marcaram em Caravana da Coragem, o gênio e pioneirismo de 2001 (não importa quão longe se vá, o homem não escapa de si mesmo), O Novo Mundo de Mallick e a terra maculada, a destruição da cultura nativa, a força da grana que ergue e destrói coisas belas.

em verdade, a metáfora política é quase um panfleto de tão evidente, mas as questões da dominação colonizadora (e aí Malick está lá de novo, acenando na dianteira) empreendem uma reflexão não banal sobre natividade, oposição, Maniqueísmo, o olhar sobre o outro e a mudança que esse olhar sofre diante da efetiva possibilidade de estar em seu lugar.

quem diria que James Cameron é um pacifista e que quer nos dizer que raça, ou aquilo que somos, não é uma predestinação, mas um estado mutável - no fim das contas, somos aquilo que sentimos/ queremos ser, onde pertencemos.

visualmente, acho tudo mesmo um desbunde.

(e as cores, meu deus, as cores... esses diretores de arte devem ter se afogado em Picasso - da fase azul, especificamente - Kandinsky, Paul Klee e tantos etcs...)

na história de qualquer arte, raramente costuma ser à toa que se passa tantos anos sobre uma realização. e nesse sentido, o filme é um império de enorme porte, beleza e significado.

a tecnologia importa na medida daquilo que ela é capaz de fazer. toda a história poderia ser contada sem um segundo de 'efeitos especiais'? claro que sim (como dissemos, Terrence Malick o fez). mas ela não é, aqui, e esse é o ponto. os 'efeitos' passam a ser toda a realidade cinematográfica em si e isso, em termos imaginativos, fantasiosos e escapistas é de fato o que conta.

as qualidades de Avatar, hoje, são ir aonde ninguém foi antes. e me parece que esse sentimento é vivo não por raciocínio intelectual, mas pelas mais primitivas respostas sensoriais, físicas, emotivas e estéticas advindas da experiência que se tem em sentar e assisti-lo.

pelo menos em Imax 3D "de verdade".

(ah, e Sigourney, né?, pondo aquela dignidade na coisa toda... e era só eu que, desde Lost, morria de saudade da masculinidade de Michelle Rodriguez?)

*


A Little Night Music é uma montagem que eu realmente não veria de novo, em tão curto espaço de tempo, não fosse pela atração inescapável exercida pelas presenças de Catherine Zeta Jones e Angela Lansbury no elenco (e, afinal, elas estão lá para isso mesmo).

ao ver a exata mesma produção em Londres, em maio, escrevi:

Para fechar tudo com chave de ouro, no entanto, houve A Little Night Music. E por mais que Marco Dutra sempre houvesse me alertado das delícias das partituras de Stephen Sondheim, há coisas que nós temos mesmo que aprender sozinhos - ou, na melhor das hipóteses, guiados por uma montagem tão afinada quanto essa. Não há nada fora de lugar, mas a alma de tudo é sem dúvida um elenco que canta tão bem quanto atua e que valoriza com perfeição as muitas nuances (cômicas) do texto. Ressoam pelo palco as comédias mordazes de Oscar Wilde e os labirintos sentimentais de Tchekhov, amarrados em música e cena que são puro deleite intelectual e estético. Não poderia haver melhor final de temporada londrina, nem melhor porta de entrada de uma paixão por Sondheim."


continuo achando a mesma coisa, mas algo do frescor se esvai na reprise. em particular, o elenco londrino parecia estar sempre em maior domínio do jogo de cena, indivual e coletivo.

Angela Lansbury é uma lenda e vê-la não tem preço. ela passa pela peça sentada (literalmente) sobre o talento burilado em 84 anos de vida, tantos deles dedicados aos palcos. é perfeita em cada segundo, mas é uma coadjuvante. a atuação de Maureen Lipman em Londres, por exemplo, não deve em absolutamente nada a de Madame Lansbury, no sentido em que essa última não cria um personagem memorável ou arrebata com uma força ou personalidade específicas. seu trabalho é tão afiado quanto pode ser o de qualquer grande atriz, mas trata-se de uma execução, somente.

já Catherine Zeta Jones poderia aprender com Hannah Waddingham, sua equivalente londrina, algumas sutilezas da fina arte de estar ao vivo diante da platéia. Jones desfila pelo palco como se não pudesse conter sua sensualidade e poder de sedução. a flechada da luxúria é efetiva, por certo, mas excessiva também. como disse um crítico, ela atua como se fosse Velma Kelly, sua famosa personagem na adaptação cinematográfica de Chicago, tentando conviver com as convenções da vida social na Suécia da virada do século (passado).

não é nem que Zeta Jones não tenha o wit. mas ela não parece destilá-lo nem nas doses precisas, nem no tempo correto. de onde não se deve inferir, no entanto, que sua performance é uma catástrofe - não é. é satisfatória e o público certamente se encanta. mas lembremos que eu, aqui, tenho uma base muito próxima de comparação, de uma atriz no mesmo papel, na mesma montagem e no melhor de seu jogo. nessa, portanto, Catherine Zeta Jones sai perdendo. como atriz de teatro é quase todo o tempo uma fulgurante estrela de cinema.

na mais estranha das reviravoltas irônicas, no entanto, em seu grande momento, a bela canção Send In The Clowns - a qual Marco Dutra me ensinou que deve ser cantada sem arrebatamento musical e com um complicado equilíbrio entre melancolia triste e resignação confortante -, a estrela de cinema baixa a guarda e a atriz brilha. brilha de verdade. humaniza-se, deixa passar por si um raio de energia honesta, como se conseguisse acessar, ainda que por um momento, a verdade e a essência dessa Desiree Armfeldt. ali, ela vale o show.

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