11.1.10

Nova York - dia 10: um arremate Romântico

(um tempo considerável passou e agora esse relato tem tudo menos o calor do momento. então vai ser na base do resumão...)


Fela! é o novo musical da temporada outono/ inverno que qualquer resenhista de qualquer publicação vai te jurar que é imperdível (entre 'melhores do ano' e afins). tendendo a ter um fraco por críticas persuasivas, lá fui conferir a história de Fela Anikulapo-Kuti, com direção e coreografia de Bill T Jones e produção apadrinhada por Jay-Z e Will Smith.

antes de peça, é um recital. chamam-no de "o mais original musical em cartaz na Broadway" e há uma medida de verdade nisso no sentido em que ele faz de uma maneira que nenhum outro faz. a forma é a chave.

um enérgico e estrondoso ator, Kevin Mambo (revezando-se com Sahr Ngaujah), literalmente conta a história de Fela, compositor, músico, cantor e ativista revolucionário. pequenas cenas são encenadas, mas a coisa toda funciona mais como show.

o intuito é envolver o espectador na atmosfera do bar original que Fela possuia na Nigéria em seus anos de esplendor musical e político, onde todas as noites fazia grandes apresentações sonoras e inflamados discursos contra a ditadura governante (e o Imperialismo Britânico).

o teatro inunda-se em Afrobeat, nas canções de Fela, em improvisos intrumentais, em coreografias eletrizantes, cores, projeções, atores e dançarinos movidos a poderosas baterias movimentando-se pela platéia e por todos os outros lugares que eles conseguem preencher com corpos que parecem bombas artísticas.


em 12 espetáculos vistos na cidade, não há nem de longe aplausos tão calorosos e entusiasmados quanto aqui - e a platéia até é convidada a ficar de pé e dançar em dado momento, o que faz sem qualquer inibição. isso transmite a medida precisa de quanto fascínio a arte de uma cultura "exótica", quando bem representada, pode exercer, levando o público a lugares onde ele realmente não fora antes.

legítimo e honesto a seu biografado e aos princípios de fazer viva uma manifestação artística específica e especial, vigorosíssimo em sua realização, Fela! não é o tipo de musical que exatamente faz minha cabeça, embora assisti-lo (ou, antes, experimentá-lo) seja um grande prazer.

e pode-se dizer seguramente que, evitando folclorizações e escapes fáceis ao "estrangeiro", temos aqui, sim, algo de intensa originalidade.

*


Os Contos de Hoffmann, no Metropolitan, com direção do mesmo Bart Sher de South Pacific, veio vingar a letargia e o peso da Elektra vista aqui alguns dias atrás.

a partitura solar e fragmentada de Offenbach vaz vibrar sua leveza em uma encenação delicada, caprichosa, cheia de pequenos detalhes e prazeres. seja na inebriante área de Olympia, cantada com brio e sutil fantasia pela understudy Rachele Gilmore, à intensidade dramática quase fantasmagórica da cena de Antonia, no corpo de Anna Netrebko, a sensação é de uma sedutora e apaixonante viagem pelos sentidos.

(conduzida ela toda com o exato senso de inteligência, o interessante distanciamento e as qualidades dramáticas com que Kate Lindsey interpreta/ canta o duplo papel de Nicklausse/ Musa.)


cores, texturas, luzes, sombras, coreografias, movimentos, tudo gira com a mecânica simples e precisa de um carrossel - o que, de certa forma, dramaturgicamente o libretto sempre fez mesmo.

espetáculo de sonho e encatamento, uma pequena refeição para a alma, um arremate refinado para a temporada de espetáculos nova-yorquinos.

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