4.11.11

diários da Mostra, dia 10: a comédia romântica do ano e o cinema francês, de novo

SUBMARINO
* * * 1/2
Inglês, indie, esperto, jovem (seja lá o que isso significa), confortável e transitório, com o ritmo preciso e a melancolia saborosa de uma balada de Alex Turner - cujas composições temperam a trilha sonora e estabelecem (e sintetizam) as dores e delícias desse pequeno filme.



AS NEVES DO KILIMANJARO
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É preciso estar com o coração aberto, não há dúvida. Os cínicos invariavelmente se irritarão com
personagens tão benevolentes, lúcidos, humanistas - iluministas, quase, para ficar num ponto de chegada de uma tradição da civilização francesa tão latente no filme. Socialistas de espírito, pessoas capazes de contrariar impulsos primários de vingança e egoísmo para olhar para o bem comum, para construir uma sociedade igualitária e justa. Pode-se acusar Robert Guédiguian de duas ou três inserções canhestras de trilha sonora, mas nunca de não dar a personagens tão arriscados uma verossimilhanca tão plena. Por um lado, através de um roteiro bem urdido, que justifica seus desdobramentos ao mesmo tempo que os questiona, trazendo a lógica iluminista da reflexão racional para dentro de sua própria engrenagem. E por outro, ou principalmente, pelo nível do irretocável elenco, Ariane Ascaride e Jean-Pierre Darroussin à frente, arquitetando um casal protagonista de redentora honestidade emocional.

(Ou, em exatas palavras do crítico Cássio Starling Carlos, na Ilustrada:
"Em seu compromisso de construir ficções de assumido conteúdo moral, Guédiguian não recusa o prazer narrativo (...) e consegue ser pedagógico sem perturbar a fluência dos pequenos dramas. 'As Neves do Kilimanjaro' impõe-se por como faz vibrar um material banal e, assim, mantém viva a tradição realista que fertiliza o cinema francês.")



SHOCKING BLUE
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Não deu para chegar ao fim. Era desencontrado e tolo demais para ser verdade.



LAS ACACIAS
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Fenômeno argentino, arrebatando prêmios, elogios e louros por onde passa, impressiona, é certo, por sua extrema contenção (ou seria economia? ou concisão?). Trabalha-se com o mínimo: dois atores, um caminhão, um bebê (e que importância tem esse bebê!) e pouco mais. É curioso observar que assim como Ano Bissexto, vencedor do prêmio Caméra D'Or em Cannes em 2010, tal qual Las Acacias foi esse ano, temos um número rarefeito de personagens habitando um espaço de extrema constrição. E de suas solidões individuais, espremidas em locações tão restritas, um mínimo de ação dramática transborda significados e faz surgir, quase sem que se perceba, um filme - somos levados por quase nada e só ao olhar pra trás percebemos a real extensão percorrida. Está é sem dúvida uma obra de esmerada engenharia, dificílima de alcançar com tal eficiência. Mas convenhamos que nem por isso é um feito inédito ou especialmente potente. As plateias cult, no entanto, que gostam de se sentir cultivadas e gostam de saber que aderiram (ou seria "entenderam"?) adequadamente à proposta e experienciaram 80 minutos de caudalosa humanidade (como uma catarata que emanasse de um copo de plástico), adoram. Como vaticinou a amiga Tatiana Fujimori ao final da sessão, com uma ironia tão fina quanto precisa, é a comédia romântica do ano!



SE NÃO NÓS, QUEM?
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As vinhetas documentais, que o diretor Andres Veiel traz de suas passagens pelo gênero (como o excelente Viciados Em Atuar), é o melhor que se consegue. Porque o resto é chato, chato, chato. (E só piora sob a perspectiva de que, com o mesmo enfoque de acompanhar vidas transformadas por acontecimentos políticos históricos, ou inteiramente movidas na direção de combatê-los ou fazê-los acontecer, há um ano houve Carlos, aquela obra prima.)

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