10.4.05

Bethânias cheias de graça e a arte de atuar (Maria, Catalina e Annette)

“Tempo tempo tempo tempo” não faz jus absoluto à artista que é Maria Bethânia, mas tampouco a envergonha . Ao contrário do que se diz, o show não é um tédio ondulante, não se dorme, não se sente sono, não se odeia a si próprio por estar ali.

Sim, o cenário trabalha contra a mise-en-scène, sim, os arranjos redundam. Mas Bethânia é Bethânia, faz o que faz muito bem. Há momentos empolgantes, há momentos realmente muito bonitos, há escolhas acertadas, há faíscas de emoção.

E Maria Bethânia está linda, na juventude de seus quase 60 anos. E está feliz, canta com prazer e ocupa o palco com a propriedade de quem está fazendo aquilo que melhor sabe fazer – ainda que este “aquilo” possa não bastar para alguns. Bethânia é um bicho em cena, uma força vital contagiante e de controladíssimo descontrole, de extravasamento bem ensaiado mas nem por isso menos eletrizante.

É rainha sem equivalentes de um tipo de interpretação e de um tipo de espetáculo. Que vai e volta, rodopia, ocupa melhor ou pior seu espaço eterno no tempo presente, mas nunca cai. Sai-se de lá querendo devolver a Maria Bethânia a benção que ela pede à platéia, por estar, aos 40 anos de carreira, “só começando”.

Porque todos querem, pra bem ou mal, que Maria Bethânia continue sendo Maria Bethânia. E por ser uma das poucas artistas da música que administram tal proeza, ama-se Maria Bethânia querendo ser Maria Bethânia com a plena satisfação da frustração de saber o quão difícil é ser Maria Bethânia.

Maria Bethânia é uma das mais espetaculares atrizes de si mesma.

(Quando você me entendeu, eu não entendia nada. Seu olho me olha, mas não me pode alcançar).

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Outra Maria, a “Maria Cheia de Graça” agora nos cinemas, também merece uma olhada. Construído de forma seca e com estética irmã da trama que narra, este longa metragem de estréia de Joshua Marston é tenso e bem pensado. Toma para si, com propriedade e sem espalhafato, a idéia religiosa de uma jovem predestinada a carregar algo glorioso em seu ventre. Aqui, no caso, o ventre maculado carrega a salvação que é desgraça que é salvação.

É um comentário político, sócio-econômico e bastante humano. Bom.

Catalina Sandino Moreno, indicada ao Oscar, tem uma atuação em tom contido – é um sussurro. Faz muito, fazendo pouco. Seu olhar e sua expressão de revoltada resignação traduzem e demonstram seus conflitos internos premidos pela conjuntura externa que a bamboleia.

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“Adorável Júlia” rodopia, não cai por pouco, alterna achados com preguiças dramáticas. A história faz que vai, fica, e eleva-se com um clímax simplista, porém divertido. E o teatro no cinema, para quem gosta, sempre tem seus diminutos prazeres.

Annette Bening, indicada ao Oscar, tem atuação larga. Surge com histrionismo e caretas, mas vai contornando suas intenções com cuidado e surpreendendo ao longo da projeção. Nos bons momentos, Julia é seu personagem mais humanizado, mais adequadamente desenhado. Tem tessituras fortes. É um grito - mas um bem dado.

2 comentários:

paula manzo disse...

fui muito pouco ao cinema essa semana. compensarei amanhã. não fui a maria bethânia nem compensarei tão falta. talvez ouça, redundante, tempo tempo tempo tempo..como quem nunca teve tanto tempo pra lembrar do que (já) deixou de ter.

Anônimo disse...

Obrigada pelos elogios, querido.