o Prado é um desses grandes museus com vastas e deslumbrantes coleçoes de arte européia. se nao é nenhum Louvre, é capaz ainda assim de facilmente ocupar mais de um dia de visita, dependendo da dedicaçao, e definitivamente esgotar qualquer par de pernas.
nao podendo ver tudo, portanto (e até porque já havia bem visitado o Prado na primeira vez), fui direto a Rembrandt, em exposiçao especial e temporária. depois, tratei de caçar as masterpieces que o próprio guia/mapa do museu convenientemente lista para o visitante incauto. das 50 apontadas, vi 40.
sob o título Rembrandt - Pintor de Historias, estavam reunidas obras de quase 20 importantes museus de mais de 11 países, representando telas narrativas e/ou religiosas do pintor holandês. ou seja, uma bênçao, dessas oportunidades raras com as quais se tem a sorte de topar em grandes museus de grandes cidades (em sorte parecida, já vi uma retrospectiva de Georges de La Tour, outra de Jackson Pollock; mais recentemente, Ingres e Bonnard).
Rembrandt:
* a admirável busca pelo movimento, pela figura humana em sua realidade e imperfeiçao orgânica. formas arredondadas e eventualmente "mal acabadas", contrapondo-se ao classicismo apolíneo e perfeitamente harmônico.
* a devoçao a Rubens.
* a luz. fontes de luz fortes, marcadas, precisas e profundas.
* o monocromatismo-cheio-de-cores. às vezes predomina o ocre, às vezes investiga-se formas do esverdeado. apesar de fulgurantes vermelhos, por exemplo, há uma sensaçao de que o artista pinta como se trabalhasse em uma escala de cinzas - é como se as diferentes cores fossem variaçoes de tonalidades de um todo cromático predominante.
* a espiritualidade. as figuras humanas parecem dotadas verdadeiramente de almas. há uma aura metafìsica colada ao assunto da pintura. as composiçoes de luz, por sua vez, fazem com que o quadro em si emane um espírito. difícil de explicar, como se pode perceber, mas fácil de sentir.
* a reter: Simeon no Templo, Jesus e a Mulher Adúltera, Judas Devolvendo as Trinta Moedas de Prata, Descanso na Fuga Para o Egito, todas telas com cenas onde personagens estao inseridos na magnitude do espaço, ocupando-o em harmônico diálogo.
para o lado do intimismo, o desconsolo da casada Betsabé, ao saber que foi requisitada como amante do rei e terá de atendê-lo, e o retrato de Sao Bartolomeu.
A Coleçao
as salas de exibiçao do Prado parecem consideravelmente mudadas em relaçao ao que eram nos tais 10 anos atrás. de fato, na época o museu passava por severas reformas.
comentar (e ter cabeça limpa para apreciar)a coleçao nao é fácil, menos ainda para um neófito em artes visuais.
evidente que repousam ali grandes obras de grandes pintores espanhóis. de Velászquez, Las Meninas já é quase clichê (é a Monalisa do Prado), mas é mesmo (e ainda) fascinante em seu jogo de pintura metalinguística. dele, coloca-se também entre os tais 50 destaques As Fiandeiras, tela capaz de reter os olhos por horas com seu jogo de perspectivas e múltiplas açoes.
mas ouso dizer que irresistível mesmo em sua faísca vital é Os Bêbados, onde um sedutor e faceiro deus Baco brinda com feios e sujos (e malvados?) companheiros de copo. aquele Baco juvenil, no esplendor do poder e beleza de sua juventude, incorpora com malícia e precisao os inelutáveis, irresistíveis e fugazes poder e beleza da juventude, bem como os prazeres mundanos da carne, do espírito e seus catalisadores naturais, como o vinho.
de um vastíssimo acervo de pinturas de Goya, sao destacadas cinco. Três de Maio é figurativamente um clássico da representaçao dos horrores da desavença humana, com sua cena de um fuzilamento. A Maja Desnuda está emprestada para o Grand Palais de Paris (e lá chegaremos em mais alguns dias). A Família de Carlos IV é de fato um eloquente e vistoso plano-conjunto da realeza em todo seu (oco) esplendor.
o poder expressionista de Saturno Devorando Seu Filho é inegável, aquele do ser humano levado ao máximo das circunstâncias e das consequências. faz pensar em Medéia, é claro, o que faz pensar em Georgette Fadel e sua Joana, o que liga Madrid às arenas teatrais paulistanas, Goya e Chico Buarque de maos dadas.
e a surpresa fica com a aparente futilidade, mas de composiçao geométrica e cromática fascinante que é O Guarda Sol, cena idílica da vida campestre em perfeita luz e sombra, azul e amarelos dos mais puros.
a sessao Prata da Casa ainda nos dá El Greco, Zurbarán e Ribera (de quem O Sonho de Jacob nos leva imediatamente à ilha de Lost...), entre outros, mas a talvez mais interessante jóia do Prado esteja também em sua coleçao de arte flamenca dos séc. XV e XVI.
de Rubens, por exemplo, As Três Graças possui a indolência e o encanto da mitologia que coloca os pés na terra. mas o êxtase vem mesmo na sala que reúne três outros grandes artistas.
de Patinir, paisangens-narrativas de tamanha riqueza e dimensionalidade que tragam os olhos para seus horizontes. de Brueghel, O Triunfo da Morte é obra mítica em sua eloquência dramática e conceitual - poderosa e aterrorizante. e de Bosch, se a Mesa dos 7 Pecados Capitais já parece provocativa e instigante, ela é só um ensaio para O Jardim das Delícias Terrenas, o artista sendo surrealista em 1500, num tríptico que instaura o estranho e o onírico na iconografia religiosa e que tira o fôlego com sua riqueza de detalhes e sua imensa capacidade de envolver e fascinar.
e para nao dizer que nao se falou da Itália, Fra Angelico está lá com sua deslumbrante Anunciaçao e Caravaggio, mestre dos mestres, faz A Vitória de David Sobre Golias parecer literalmente uma brincadeira de criança.
*
depois de tanta arte, uma tentativa de assistir a algo no Teatro Real falha e a perna pede arrego. janta-se um sanduíche de jamón e encontra-se o grupo, já tao no final do dia, para um Dunkin Donuts, uma caminhada e um monte de fotos.
29.12.08
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