E o Oscar esnoba grandes filmes de grandes diretores, como “Marcas da Violência”, de David Cronemberg, “Match Point”, de Woody Allen e “The New World”, de Terrence Mallick. Mas isso já era previsto.
O que não era exatamente previsível, há alguns meses atrás, era a coroação absoluta de “Brokeback Mountain”, que, como a essa altura todo mundo já sabe, é o filme dos “cowboys gays”. Aclamado criticamente e vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, em agosto, o filme ganhou o que se chama de momentum e foi, progressivamente, tornando-se um acontecimento cultural-midiático. E todos sabemos que é disso mesmo que a Academia gosta.
E, dessa forma, as cabeças e as sociedades mais liberais (como a nossa??) vêm festejando o sucesso de “Brokeback Mountain” na América de Bush como uma resposta liberalizante à insuportável cruzada moral do presidente republicano.
Mas há algo a se observar aí, e com cuidado.
(Sob o risco de saber o final do filme, não leia a continuação desse texto antes de tê-lo assistido.)
“Brokeback Mountain” é um filme muito, muito bonito. Construído com delicadeza e apuro por Ang Lee, é um drama clássico, de grande equilíbrio. As imagens são pensadas de modo a construir um discurso direto - não sobra, nem falta. E a história é narrada com uso muito bem feito dos espaços físicos e temporais ocupados pelos personagens.
Há, aqui e ali, alguns quase-lugares-comuns, mas o espectro maior do filme e de sua trama fazem as pequenas falhas passarem incólumes.
E Heath Ledger, festejadíssimo e com interpretação chamada até de “soberba” por alguns, mostra-se esforçado. Mas não consegue ser maior que os maneirismos que se impõe e seu estofo dramático é poucas vezes mais do que raso, se pensarmos bem. O estoque de verdade e interiorização plenas ficam por conta do subestimado Jake Gylenhall. Ele, sim, é a alma dessa dupla.
E vale notar também o esforço de Michelle Williams, cumprindo um incomum percurso que vai do seriado televisivo adolescente "Dawson’s Creek" para o Oscar – o que certamente está fazendo remoer, nesse exato momento, alguns de seus pares.
Mas, voltando à observação do que se há para observar: "Brokeback Mountain" é um filme de derrota. Retrata uma luta interna e externa pela felicidade de um amor que, por fim, sucumbe. Quem vence, aqui, é exatamente a sociedade castradora, punitiva e completamente intolerante que George W. Bush tão bem representa.
No filme, o outro é inimigo, inventando regras e padrões e bloqueando a liberdade individual e a concretização de um amor que, por qualquer ponto de vista que se olhe, não encontra justificativa lógica para não acontecer.
Porque se os indivíduos soubessem se relacionar, a homossexualidade no ser humano, e tantas outras coisas, da mesma forma, não seriam mais do que meros detalhes, como ter o cabelo comprido ou curto.
Logo, “Brokeback Mountain” é um grito contido, sim, em luta pelo espaço, pela amplidão, pela liberdade plena – exatamente aquela que os cowboys só conseguem alcançar quando estão nas magníficas paisagens da Montanha Brokeback.
Mas é também o retrato claro e sem redenção do sofrimento impingido a quem busca extravasar fronteiras – ainda que essas fronteiras (morais) sejam somente irracionalidades inventadas pelos homens.
A pergunta que fica é: fosse "Brokeback Mountain" um filme em que o amor triunfa por completo, independente do sexo de quem o vive, filme em que dois homens mostrassem para o outro que podem e vão fazer o que bem entenderem, e pobres daqueles que cruzarem seus caminhos, fosse esse o filme, enfim, e não o triunfo da mutilação, como é em sua diegese, seria ele o favorito ao Oscar de melhor filme nos Estados Unidos de 2006?
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Um comentário:
Acho que não iria ganhar oscar, mas eu ficaria feliz e esperançoso em acreditar que relacionamentos homossexuais são possíveis! Os filmes acerca de romances homossexuais sempre terminam assim. Sempre um morre. Pior e ouvir de alguns gays que sempre morre o mais fraco fazendo alusão ao passivo da relação! Não acho que era o caso em Brokeback!
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