27.5.09

teatro em Londres

O teatro em Londres é grande. E é negocio sério, business. Sua força determinante não é a experimentação ou a investigação de linguagens, e sim grandes textos montados por proeminentes atores, ao lado das invenções musicais da estação ou dos infalíveis revivals.

Comecei com a contagiante inversão de expectativa que foi Billy Elliot, música e dança e texto exatamente onde deveriam estar, num show arrebatador e emocionalmente poderoso. Os meninos atores-cantores-dançarinos ficam voltando à cabeça passado quase um mês, a trilha sonora toca no itunes, eu me rendo repetidamente aos sentimentos mais basicamente cafonas que um espetáculo desse tipo pode provocar.

Depois, fui à ópera ver Lohengrin e a montagem era chata, aborrecida, pesada, apesar de Wagner (e)levar a música a lugares inimagináveis.

No dia seguinte, Judi Dench era o nome mais destacável à frente de um elenco inteiro de competentes intérpretes femininas em Madame de Sade. Como já dito aqui, as coisas não eram muito mais do que corretas (a começar pelo instigante mas de alguma forma pouco inspirador texto de Yukio Michima), mas ver Madame Dench ao vivo pode ser simplesmente um marco histórico na vida de um espectador.

Mas poucas coisas podem realmente preparar alguém para assistir a Ian McKellen fazer Esperando Godot.

O espetáculo admiravelmente tira de si mesmo o pretenso peso ou pessimismo do texto de Beckett. A gravidade do discurso e a paralisia algo apocalíptica que (não) movem Vladimir e Estragon em sua contínua espera ressoam como conseqüência da montagem, sem propriamente estar na base de sua engrenagem.

A leitura é clownesca e Mckellen e Patrick Stewart, bem como Simon Callow e Ronald Pickup, são capazes de transformar as frases em perfeitas punch-lines ou fazer brotar pequenas coreografias circenses através de uma discreta dança de corpos e de chapéus. E que não se entenda mal: não há, nesse expediente, qualquer tentativa de escárnio ou paródia ao texto clássico. Trata-se, isso sim, de dar ao “absurdo” de Beckett sua devida – e dificilmente alcançada – estatura de patético.

O incômodo e a gravidade são ressaltados a partir da leveza, da mesma forma que o número do trapézio é capaz de encantar na exata mesma medida em que jamais abandona o jogo do perigo e a expectativa do desastre – o que o público quer, afinal, é ver o equilibrista cair.

E dois atores extraordinários como esses não só demonstram como Beckett pode não ser hermético, difícil nem chato, mas também justificam a própria existência de seu ofício. Seja em tempos precisos (as pausas, meu deus, que pausas são aquelas?!), em uma pauta corporal perfeita ou na absoluta propriedade em dizer cada palavra. McKellen, dono de inteligência cênica aterrorizante, consegue ser genial somente tirando os sapatos. E isso é algo que comentário nenhum explica, mas que dá sentido à arte do ator, à arte de Beckett e à arte do teatro. Trata-se de muito mais do que um marco histórico na vida de um espectador.

(Uma montagem da peça em cartaz na Broadway, protagonizada por Nathan Lane e Bill Irwin, com John Goodman como Pozzo, também investe, dizem, em uma leitura mais abertamente cômica, o que acrescenta um curioso “espírito do tempo” à coisa toda.)

O dia seguinte era de programa duplo. À tarde, o Shakespeare’s Globe nos esperava com Romeu e Julieta. A montagem, nesse caso, era realmente o de menos. Estar no Globe é ser contaminado aos poucos por seu espírito realmente vivo de teatro popular e livre, aberto, onde a circulação é possível e é parte do espetáculo, mesmo que as costas doam no banco sem encosto, mesmo que haja quem prefira encarar de pé as três horas de peça.

Peça que é aquilo tudo que todo mundo já viu e reviu em leituras e releituras, mas que exibida da forma mais clássica que há, sem luz, efeitos ou truques, mas com bela e contagiante música, encenação dinâmica e defendida por competentes atores (no que pese a quase impossibilidade de compreensão do inglês textual), sempre terá seus prazeres.

À noite, o musical feito de Spring Awakening, a partir da peça original de Frank Wedekind, teve seus encantos – quase todos vindos da energia latente de uma encenação que aposta na força dos atores, nas coreografias e execuções das canções e em sua capacidade de comunhão com o público. Sucesso entre adolescentes, soa como um Rent de uma geração abaixo (em termos etários) e bastante anterior (em termos históricos).

Mas se em Rent as canções eram muito mais carismáticas e o espetáculo radiografava com alguma precisão o tal “espírito do tempo”, quando de seu lançamento em 1996, Spring faz a crônica generalista de uma idéia de adolescência que soa francamente anacrônica e aproxima-se perigosamente da ingenuidade tola. Ou, em outra chave, talvez só eu esteja velho demais para me envolver com questões tão estritamente juvenis tratadas sob uma ótica de desajuste já por demais desgastada (e já incontornavelmente pouco verdadeira).

Para fechar tudo com chave de ouro, no entanto, houve A Little Night Music. E por mais que Marco Dutra sempre houvesse me alertado das delícias das partituras de Stephen Sondheim, há coisas que nós temos mesmo que aprender sozinhos - ou, na melhor das hipóteses, guiados por uma montagem tão afinada quanto essa.

Não há nada fora de lugar, mas a alma de tudo é sem dúvida um elenco que canta tão bem quanto atua e que valoriza com perfeição as muitas nuances (cômicas) do texto. Ressoam pelo palco as comédias mordazes de Oscar Wilde e os labirintos sentimentais de Tchekhov, amarrados em música e cena que são puro deleite intelectual e estético.

Não poderia haver melhor final de temporada londrina, nem melhor porta de entrada de uma paixão por Sondheim.

*

BÔNUS

A pergunta é:
- Can I just ask you, Billy: what does it feel like when you are dancing?

E Billy Elliot responde com a canção Electricity:




(...Something bursting me wide open impossible to hide/ And suddenly I'm flying, flying like a bird/ Like electricity, electricity/ Sparks inside of me/ And I'm free, I'm free)

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