13.2.05

OURO DE TOLO ou O ESPLENDOR DE CLINT EASTWOOD

Se você ainda não viu “Menina de Ouro”, PARE AGORA DE LER ESSE TEXTO. É sério, é verdade, é para o seu próprio bem: se você ainda não viu “Menina de Ouro”, NÃO PERCORRA MAIS AS LINHAS ABAIXO. Se você ainda não viu “Menina de Ouro”, NÃO LEIA MAIS UMA PALAVRA SEQUER, volte depois. E se você ainda não viu “Menina de Ouro”, por favor, vá logo ver.


Faço cinema porque sou cinéfilo. E vou ao teatro e leio livros e ouço música e assisto à óperas e balés e freqüento (menos do que gostaria) exposições de artes. Porque um filme pode ser uma ópera e um livro pode ser cinema (né, não, Paul Auster?) e um quadro pode ser um balé e o cinema pode ser música. E é tudo bem melhor e bem mais rico quando tudo é tudo.

Mas eu faço cinema. Então, na hora de fazer cinema, qual cinema fazer? Mas por que a pergunta, se não é necessário seguir modelos, e sim convicções?! Mas quase todo grande cineasta tem aquilo que, na falta de melhor palavra, chamamos de “estilo”, não tem? E como admirar tão ardorosamente “estilos” tão diferentes, a ponto de querer fazer filmes completamente diferentes uns dos outros?

Admiro doentiamente, por exemplo, a elegância plástica (filmes-pinturas?), os movimentos de câmera belíssimos e sincopados (filme-balé?) e a trilha sonora conduzindo trama de poucas palavras e muito signo abstrato (filme-sinfonia?) dos filmes de Wong Kar-Wai, como já disse aqui.

Mas também sou capaz de explodir de gostar de certos filmes de Clint Eastwood. E Clint Eastwood faz filmes-livros. Porque não se vê esplendor visual, nem originalidade esplendorosa de linguagem. Mas se vê a boa e velha narrativa. Como um Philip Roth das imagens, Eastwood conta histórias. Cheias de carga moral, leituras sociológicas, políticas e afins, e guiadas por personagens mais do que complexos.

“Menina de Ouro” é o esplendor narrativo de Clint Eastwood.

Round 1
Três personagens brilhantes em suas dores passadas, seus fardos, seus sonhos e aspirações, seus auto-julgamentos, suas vidas. É humanidade a perder de vista.

Round 2
Atores, porque sem eles tais personagens não passariam de descrições vazias. Hilary Swank confirma e Morgan Freeman reafirma um talento calcado no maior dos talentos interpretativos: a simplicidade e a verdade como base. Basta olharmos para o personagem de Freeman, sem que ele abra a boca, e já entendemos tudo. Ah, e Clint Eastwood dilacera a pose de durão (“tough ain’t enough”) para expor-se de maneira inédita em toda a sua carreira.

Round 3
Uma história que vai sendo conduzida de maneira empolgante e crescente opera uma metalinguagem narrativa desnorteante e aplica um nocaute nas projeções e expectativas dramáticas do espectador ao mesmo tempo em que faz isso também com sua personagem principal, diegeticamente falando.

Fim da luta.

Porque a metáfora, óbvia mas não pobre, é que a vida é uma luta de boxe. Há sangue, há feridas, há passes errados, guarda baixa, socos certeiros, vitória por pontos ou nocaute. E há derrotas, naturalmente.

“No boxe, tudo acontece às avessas.”

Sim, e cá na realidade também. Tudo pode dar inacreditavelmente certo ou irremediavelmente errado. Sejamos cristãos, judeus, budistas, pretos, brancos, ricos ou pobres. As cartas podem sempre voltar, a Igreja pode ser um paliativo sem propósito, a teimosia pode nos privar de um campeão como pode nos poupar uma perda. Mas o curso dos acontecimentos não abriga o “se” (alô, alô, Esmir!). O fluxo é continuo.

É um monte de obviedades, sim, que até já fazem o signatário se alongar sem motivo, sim. Mas o importante a dizer é que Clint Eastwood sabe que a vida dói. E nos faz lembrar disso com um filme enorme – história bela, às avessas, de purgação do passado e aceitação dos fracassos. Dói horrendamente, sendo um livro, sendo música, sendo cinema à moda clássica, e mais do que nunca cinema. Sem dogmas, sem gessos, sem originalidades. Simples e bom, como o bom cinema deve (pode) ser.

3 comentários:

paula manzo disse...

rafa, eu vi menina de outro, e concordo com mtas das coisas que vc disse. tb o acho o phillip roth das imagens, mas como é dificil transformar palavras em imagens, não? fiquei esperando mais emoção, sinceramente. e não que os atores fossem ruins ou nada disso. mas se espera mais de morgan freeman, ou não? posso chegar a dizer que é dificil um filme não me tocar de certa forma e me emocionar, mas este não chegou aos pés de provocar sensações deste estilo. eu diria que é um bom apanhado de imagens bem contadas, narradas lindamente. mas são como um livro mediano, que você termina de ler esperando mais e mais. (acabei de me lembrar de budapeste, que me deu essa sensação tb)
bom, é isso. minha humilde opinião.

Anônimo disse...

rafa,
concordo com você.
filme belíssimo.
e a vida é boxe.

menina de ouro é americano em todos os fotogramas (americano no melhor sentido da palavra).

filme de heróis e heroínas do cotidiano. sutil, e maravilhoso.

carol

Anônimo disse...

Torça o filme todo para que Clint lhe dê algo de otimista. Fracasse em cada uma das tentativas. Na sua poltrona do cinema, respire com mais dificuldade que Maggie Fitzgerald na cama do hospital. Tenha a certeza de que o final feliz não é tão legal assim. Saia inebriado de qualquer maneira!
Um soco no estômago seguido pelo cinturão da vitória. SENSACIONAL!