23.10.11

diários da Mostra - dia 2: depender da gentileza de estranhos

HANEZU
* * * 1/2
Como em Um Mundo Misterioso, aqui o olhar não pode ter pressa. Se lá habitávamos o movimentado espaço de um ser urbanóide, aqui somos transportados para uma cidade rural japonesa, supostamente berço do país, para testemunhar o fluir da vida de corpos bem mais, digamos, espiritualizados. Mas, de novo, o convite é para que habitemos uma espacialidade e um modo de vida muito próprios (transmitido, pelas imagens, com o mesmo grau de detalhamento e especificidade). E embora esbarre num espiritualismo que, por excesso, às vezes ensaia ser só boboca (ou 'para turista'), na maior parte do tempo Naomi Kawase erege uma fábula delicada sobre a relação do homem com os aspectos naturais que o cercam (ou podem cercar) na esfera mais imediata da existência e sobre essa Natureza verticalizando-se em linha sucessória - avós, pais, filhos, vida em transformação e continuidade. Seu olhar para microprocessos cotidianos (tingir um pano, esculpir em madeira, cozinhar etc) constrasta e potencializa os sentidos que percorrem sutilmente o filme, cujos personagens vivem dramas silenciosos e/ou subexpostos.


UMA RUA CHAMADA PECADO
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Revê-lo, ainda que em cópia mais ou menos, é puro prazer. De Hanezu para cá, o pulo é gigantesco: aqui o drama explode. Muito deleite na beleza do texto de Tennessee Williams, em seu sentido mais literal mesmo (das palavras que são ditas), na direção inteligente de Elia Kazan, articulando os personagens no espaço, e no magnetismo indelével de Marlon Brando. Mas eis aqui um drama - complexo, pesado e paradigmático - que sobrevive melhor no teatro, sua origem.


LARANJA MECÂNICA
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Apesar da cópia estar anunciada errada (supostamente em 35mm, trata-se de uma projeção digital), a experiência coletiva e em tela grande do filme sobrepõe-se. E mesmo tendo a sensação de que não está entre meus Kubricks preferidos, tudo o que ele empreende ali - com a presença hipnótica, avassaladora e indomavelmente desabusada de Malcoml McDowell - é de uma outra ordem, de estatura monumental. E ponto.

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