14.1.09

dias de Berlim - 8

encontro ao meio-dia com Flávia e Gabi, na Alexanderplatz. a meta é o passeio pelos bairros de Friedrichshain e Prenzlauer Berg.

mas antes a fome aparece e Flávia rapidamente aponta para uma comida típica (típica de alguma parte do mundo, não da Alemanha, vale reiterar) e uma caminhada nos leva a um restaurante russo.

se até aqui esteve frio, hoje é mais. dedos e ossos paralisam. mas faz sol, não obstante.

o restaurante russo, Pasternak, nos acolhe bem e nos deixa felizes.

Flávia sofre de dores no pé que a levam embora e eu e Gabriela tratamos de cumprir o restante do passeio. pela já fatídica e atraente Kastanienalle, uma longa conversa sobre Ismália, loucura, auto-controle, experiências de vida, movimentos populares e algo de ciências sociais.

já chegávamos à imponente Karl Max Allee, onde mantêm-se prédios da era soviética, incluindo um fascinante cinema, quando o assunto virara um De Frente Com Gabi – Gabriela me entrevistando.

Tudo o Que É Sólido Pode Derreter, linguagem, temas recorrentes, amores e paixões, inspirações e músicas no cardápio das perguntas e estávamos no Café Sibylle, mais uma das tais 25 coisas a não se perder (e ele era de fato atraente e encantador).

(e de repente se descobre que os versos de Futuros Amantes que já há tanto te fascinavam e nos quais só você acha que prestou atenção – alô, alô, Gabriela Ribeiro, alô, Calderoni! – fascinam tantas outras gentes. futuros amantes quiçá se amarão sem saber com o amor que eu um dia deixei pra você, e Chico Buarque materializa o amor em onda espiritual transmissível, mutável e imortal, feito magia que atravessa corpos e não tem dono estável.)

a tentativa de chegar ao Museu do Cinema falha, porque ele já fechara. a Potsdamerplatz, portanto, nos acolhe para uma cerveja (a melhor experimentada na Alemanha), até que chegue a hora de ir ao teatro. lá fora, um tapete vermelho aguarda a chegada de Will Smith, que vem lançar seu Sete Vidas. dentro do restaurante, agora a conversa prossegue acerca da sociabilidade humana, drogas, vícios e prazeres, alem de mais televisão e ciências sociais (será que tudo o que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda?).



Die Dreigroschenoper, ou A Ópera dos Três Vinténs, talvez a peça mais conhecida de Bertolt Brech, a ser vista no Berliner Ensemble, o seu teatro, dirigida por Bob Wilson, que a Wikipedia chamaria de "um dos mais destacados artistas de teatro de vanguarda", em tudo que essa afirmação pode ter de conclusiva e redutora.

muito, muito rigor e uma explosiva plasticidade. em tudo há, ali, unidade e pertinência. Tim Burton encontra o Roy Andersson de Canções do Segundo Andar (sendo que essas são referências posteriores, de espectador, e não necessariamente movedoras da busca estética da encenação).

um espetáculo magistral e inesquecível em sua junção de fatores múltiplos, a saber, aquilo que faz a arte teatral – cenários, figurinos, maquiagem, mise en scène e que atores, meu deus, são esses??!

mas a platéia parece rir pouco. assisto em alemão, evidentemente, e acompanho a peça pelo que sei previamente dela e não numa experiência completamente ao vivo. mas me pergunto: será que algo (ou muito) do aspecto tão abertamente satírico escapa? escapar propriamente é impossível, ou pouco provável, mas quanto dele fica soterrado numa divisão que a formalidade e a perfeição do espetáculo impõe entre palco e platéia (vocês aí assistindo versus nós aqui encenando)? onde está a canalhice cínica que fez Chico Buarque transformar esse texto justamente na Ópera do Malandro?

o envolvimento se dá plenamente pela maneira como se cria um universo e o público é tragado para dentro dele. trata-se de um sofisticadíssimo cabaret, mas que quase sempre lida com espectadores mais do que com seres dialéticos.

e o importante de tudo isso, ainda, é que era o teatro dele e isso sem dúvida faz uma coisa no peito de quem presencia. certamente Brecht estava lá, sentado no lustre.



saindo do teatro, bem vindo à noite mais fria de Berlim. dizem que os termômetros marcaram 17 graus negativos.

Nenhum comentário: