14.1.09

dias de Berlim - 9

pela manhã, Mayara, Franck e Camila reaparecem. mas logo seguimos rumos distintos, já que eles têm somente aquele dia para ver Berlim, prometendo-nos um encontro mais tarde.

na Gemäldegalerie, encontro Gabi (o pé mais uma vez retém Flávia). e especificamente porque Arrigo e Tati abominam ler o que eu tenho a dizer sobre museus, Gemäldegalerie volta no fim do post.

depois da visita, Gabi volta para casa e eu vou finalmente ao Museu do Filme, que é superficial mas bem cenografado, alem de ter algumas coisas realmente interessantes, como as maquetes dos estúdios de produção de obras clássicas, feito O Gabinete do Dr Caligari.

toda a parte da exposição que cobre dos anos 50 em diante, no entanto, está sendo reformulada, o que faz manca minha visita.

vou ao Parlamento, para a última tentativa. entro. o sol se põe laranja. mas a subida que contorna a cúpula em si está fechada, possivelmente pela neve. é possível estar apenas na base dela.

saio andando pela Unter e encontro, sem querer, com o trio do início do dia (e, aqui, já haviam se passado muitas horas). revejo com eles o Memorial ao Judeus Assassinados, onde brincamos de O Iluminado (insira aqui seu protesto contra a falta de ética e respeito do gesto, mas, veja, moral e eticamente nossa brincadeira não continha ofensa, juro).

pegamos o metrô para encontrar Flávia na KadeWe, a maior loja de departamentos da Europa, segundo consta. no in-des-cri-tível piso gastronômico, ela aparece acompanhada de João Vitor e Denis, berlinenses retornando do fim de ano na Espanha.

como algo por lá, passo rápido mas com admiração consumista pelos outros andares da loja e vamos a Nollendorfplatz, sentar em um bar (que acaba sendo mais um restaurante, indiano, onde comidas flamejantes passam por nós).

depois de algum tempo, o trio de Mayara tem um trem a pegar e nós vamos para a vizinhança do outro trio, o berlinense, onde sentamos em um agora sim legítimo bar.

muita cerveja em canecas de 0,5 l, kekab de novo (dessa vez no pão bom e sem pimenta) para recompor energias e táxi para o hotel, porque não é todo dia que o metrô de Berlim funciona 24 horas.

*

A Gemäldegalerie é um muito bem instalado museu de vasta coleção de pintura européia dos séc. XII a XVIII, com destaque para as obras holandesas, flamencas e italianas. um amplo hall retangular central interliga as muitas salas, dando a sensação de amplitude e possibilitando uma fluente circulação e vasta entrada de luz natural.

mais do que nunca, aqui, é preciso ir ao essencial.

A Fonte de Juventude
, de Lucas Cranach é uma estimulante provocação narrativa, cena épica que contrasta, por exemplo, com o caráter íntimo e subjetivo, mas nem por isso menos estimulante, do retrato O Mercador Georg Gisze, de Hans Hobbein, cena de um homem definido com desconcertante pertinência por seu entorno.

O Apocalipse e seu poder sugestivo estão aqui também (como já estiveram no Prado, como estão também centenas de representações bíblicas nas pinturas dos séculos XV e XVI) no Tríptico do Julgamento Final, de Jean Bellegambe.

Pieter Bruegel faz um embasbacante painel em Os Provérbios Holandeses, ilustração de mais de 100 provérbios, com dezenas de pequenas cenas independentes co-existindo e em certa medida inter relacionando-se num mesmo espaço. Robert Altman dá saudade e agradecemos por Eric Rohmer ainda existir, mesmo que não mais fazendo Comedias e Provérbios.

Pieter Aertsen faz a representação da festa dos sentidos em Vendedora na Banca de Verduras.

A luz de Rubens hipnotiza em Os Caçadores de Patos e a poesia de seu retrato brilha em Criança Com Pássaro.

a influência de Caravaggio chega com grande poder pictórico e dramático em A Libertação de Pedro, de Gerard van Honthorst, e no Cristo no Monte das Oliveiras, de Matteus Stom, essa última uma cena de equilibradíssima proporções geométricas, arquitetura do pincel preenchendo espaço.

a loucura aparece forte em Malle Babbe, de Frans Hals. já a tridimensionalidade desnorteia em Visão do Ambulatório de St Bravo em Harlem, de Pieter Jansz Saenredam.

eis que temos o retorno de Rembrandt (lembra dele?). aqui, entre muitas maravilhas, o movimento físico-espacial e psicológico de O Pastor Anslo e Sua Esposa é o mais impressionante.

mas quase todas as belezas parecem menores quando chega Vermeer, aqui representado por O Copo de Vinho. não deve haver, mesmo, no mundo, nuances de luz como essas.

da Itália, Fra Angélico traz mais um deslumbrante e dourado Julgamento Final - em termos de temas, só Vênus e Cupido talvez sejam páreo em número de obras em que aparecem. e justamente ela impressiona em Vênus e o Tocador de Órgão, de Tiziano, de quem também chama atenção o Retrato de Clarissa Strozzi Aos Dois Anos.

Tintoretto faz lembrar o luminoso Woody Allen de Todos Dizem Eu Te Amo, mas é também pintor de um intenso Maria Com A Criança, Venerada Por Dois Evangelistas.

e ai há Caravaggio. o seu Cupido Vitorioso posiciona o Amor triunfando sobre a Arte, a Fama, o Poder e a Ciência (amor vincit omnia, segundo Virgílio). um cupido insolentemente nu, libertário e quiçá libertino, toma o centro da cena com tanta propriedade e verdade cênica que discordar quem há de?

na mesma sala, Georges de La Tour, que ninguém discorda ser fabuloso, ainda tenta sua sorte. mas definitivamente ninguém pode com a flechada de Caravaggio.

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