(28/10/2009)
Singularidades De Uma Rapariga Loura, de Manoel de Oliveira (PORTUGAL, FRANÇA, ESPANHA)
* * * *
O primeiro filme de Manoel de Oliveira que vi no cinema na ocasião de seu lançamento foi Inquietude (1998). Nunca mais o revi, mas lembro perfeitamente do fascínio por um universo além, um mundo de homens, idéias e discursos apresentados como à parte, embora tremendamente familiares. Senti, enfim, uma noção de penetrar uma realidade que me era próxima e convidativa (não só, mas também, pela língua portuguesa e pelas raízes pátrias), mas encenada como uma verdade paralela - pessoas da vida real não falavam nem agiam exatamente daquela forma, mas seus mecanismos de existir na tela elevavam a tal vida real a um patamar (idealizado?) de perfeita harmonia, de plenas delícias e estímulos intelectuais e humanistas. Manoel de Oliveira inventava, enfim, uma espécie de realismo literário, onde as coisas eram mais uma representação ficcional atingindo o cerne da verossimilhança e menos uma tentativa imediata de mimese naturalista. Acreditar na trama de Manoel era acreditar na ficção, em personagens dizendo um texto (e, assim, dizendo sobre nós), e não em entender as imagens imediatamente como uma verdade (por trás da qual, claro, há sempre o artifício da ficção). Seguiram-se, no mesmo feitiço, A Carta, Palavra e Utopia (esse, sem dúvida, um filme portentoso sobre a palavra, antes de qualquer outra coisa), Vou Para Casa, Um Filme Falado, Espelho Mágico e Cristóvão Colombo - O Enigma.
Singularidades De Uma Rapariga Loura, adaptação de e homenagem a Eça de Queirós, é tudo isso em um admirável olhar sobre as entrelinhas e os mistérios da atração (ou do que se pode chamar de "paixão"). Seria redundante dizê-lo magicamente jovial para um cineasta de 101 anos, mas, opa!, de tão inevitável, já disse.
Estrelando Maja, de Teresa Fabik (SUÉCIA, IRLANDA)
* *
Foram as boas lembranças do filme anterior da diretora, O Efeito Ketchup, visto na 28ª Mostra, que me levaram a esse seu novo trabalho. Mas o divertimento sem compromissos que existia lá não se repete aqui, já que a história de superação e aceitação das diferenças não escapa do tom moralizante e tolamente redentor. Assiste-se com prazer graças em grande parte ao carisma indesviável da protagonista, mas é de se esquecer sem demora.
Faça-me Feliz, de Emmanuel Mouret (FRANÇA)
* * 1/2
Da mesma forma que a diretora de Estrelando Maja, Emmanuel Mouret já fora uma surpresa de tempos idos com Mudança de Endereço, uma das mais satisfatórias jóias escondidas da 30ª Mostra. A expectativa por mais do talento cômico, da sagacidade verbal e da apurada construção narrativa (com fortes tintas rohmmerianas) que ele demonstrara no filme anterior, portanto, era grande. Mas Faça-me Feliz chegou como um inevitável desapontamento. É possível que ele seja culpa, sim, justamente da expectativa, essa eterna vilã. Mas é fato também que a divisão em três atos um tanto desiguais desse novo filme ergue uma trama oscilante. Piadas com decupagens precisas e textos certeiros alternam-se com gags visuais tão velhas quanto o próprio humor e contadas sem recriação ou estímulos originais. Isso somado a uma (voluntária) ausência de real estofo dramático, fica um filme de engrenagens talentosas, mas cujo funcionamento esbarra na inexpressividade.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário