24.12.11

sangue, mas com muita higiene




Blood and Gifts, uma nova peça de J. T. Roger que o Lincoln Center produz em sua sala pequena, a Newhouse, uma semi arena para 300 pessoas (ah, essas salas em semi arena do Lincoln Center...), é boa, eficiente (ou, antes, "eficaz"), pontual, limpa.

Faz uma radiografia dos conflitos no Afeganistão que eventualmente culminaram no 11 de setembro, cobrindo a década de intensa disputa entre EUA e URSS, nos anos 80. Por isso, merece ser louvada - filia-se a um teatro político que não se furta em olhar criticamente para seu tempo (ou para seu passado recente) e que de uma forma ou de outra dá à cena uma camada específica de pertinência.

Mas é justamente na nobreza de seus ideais que o texto não se permite ser grande arte (como são as peças políticas de Tony Kushner, Casa/ Kabul, ainda impresso na memória recente, como exemplo paradigmático). Existe, em seus métodos, uma correção excessiva, um semi didatismo. Conta-se a história, mas sem o brio real de vigor dramatúrgico - ou humano, já que os personagens não movem seus dramas, mas atuam como peças do tabuleiro.

A crítica local adora e a lista entre as melhores coisas de 2011 (e faz sentido ao percebermos que o mea culpa norte-americano, no espetáculo, é brando). É compreensível que assim seja, já que se trata, como dissemos, de teatro competente, "excelente", até - além do texto claro e preciso, atores e aspectos técnicos todos em seus devidos lugares. Mas que não acende aquela faísca.

Resulta, assim, em algo como um relato jornalístico ficcionalizado, aos modos do new journalism, bem pesquisado, bem pensado, bem urdido, mas em que o autor estivesse na verdade só inventando - sem a força bruta da 'experiência real' e sem o refinamento intelectual e estético da grande carpintaria dramática.


23.12.11

dormir, talvez sonhar



Para por de forma simples:

Sleep No More é a mais elaborada experiência de imersão cenográfica com fins dramatúrgicos a que alguém talvez jamais se submeta.

É o fenômeno da direção de arte.

É esperta (inclusive comercialmente), é oportunista (isso não é uma crítica), é levada a cabo de forma vigorosa.

É envolvente, estimulante, às vezes até perturbadora.

E mais do que isso é trabalhoso demais para descrever (ao menos textualmente).

Agora, a parte do teatro... Bem, vale dizer que talvez todos ganhassem muito se eles fossem a São Paulo para uma residência artística com o Teatro da Vertigem.


Senhorhomem




Existe o inexcedível e o quase inexpressivo em Misterman, que Enda Walsh escreveu e dirige no St. Ann's Warehouse.

No primeiro grupo, está este espaço, um enorme armazém no Brooklyn, quase à beira do rio, que recebe recheadas temporadas de música (Lou Reed, Marianne Faithful etc) e de teatro de vanguarda (o termo é auto-proclamado, porque esse blog mesmo o acha meio... velho?). E que, dadas as suas características e o aparato técnico que parece conter dentro de sua aparência de falsa precariedade, pode abrigar, ou gerar, um universo inteiro.

E, nele, Cillian Murphy, este ator que já mostrara tantos recursos no cinema (de vilão de Batman a travesti em Café da Manhã Em Plutão) mas que, presencialmente, como todos os grandes, parece ainda mais múltiplo.

Como pedaço de escrita dramática, digamos que o texto de Walsh não reluz. Ou, antes, talvez sirva sob medida à sua direção expansiva, que faz Murphy preencher (ou vandalizar) cada pedaço do gigantesco espaço cênico. Para não ser injusto, existe uma construção dramatúrgica cuidadosa, que, apoiando-se sobremaneira em uma revelação final, acaba reverberando uma vez concluída.

Mas é no tour de force de Murphy, em um personagem retraído e atormentado, que por sua vez personifica outros tantos 'tipos' de seu cotidiano de pequena cidade, que Misterman vive e potencializa-se.

(E, sendo o mundo do teatro como é, já podemos esperar pelo Hamlet que ele em breve terá que fazer.)


o cafona e o travesti




Existem duas reflexões possíveis (talvez as duas únicas) a se fazer a partir da versão teatral de Priscilla - a Rainha do Deserto - que, ademais, é divertido e calórico como um doce de leite.

A primeira diz respeito ao cafona. Do porquê de um grupo de pessoas vestindo roupas (muito) espalhafatosas, fazendo coreografias corporais pouco elaboradas, ao som de músicas que achamos deliciosamente tentadoras há pelo menos uns 20 ou 30 anos, exercer um fascínio tão grande e tão inelutavelmente instintivo aos olhos e ao espírito.

Seja como for, ponto para eles (e à parte o mérito do valor - especialmente o monetário - de produção, que, evidente, há de sobra).

A segunda se refere ao travestismo. Porque se engana quem acha que em uma peça tão completamente gay (ou seria travesti?) predomina uma plateia de gays e mulheres (elas mesmas às vezes tão... travestis). Nada disso! - o programa, no caso, é para a família (a começar pela minha). E dá-lhe homens-brancos-heterossexuais (essa tão solene e hegemônica maioria) sacudindo-se discretamente ao som de I Will Survive.

Porque, em última (primeira?) instância, o travestismo é mais do que um fetiche, uma profissão ou um chamado divino - ele é só uma porção bastante destacável da esquisita e complexa psicologia da sexualidade humana, capaz de chacoalhar desejos, reflexos, disfarces e identificações (quase ousando dizer que na psiquê masculina ainda mais do que na feminina, mas, né, para que ser sexista?).

Mesmo que, soterrado e subconsciente, só se deixe irromper em um lugar tão pretensamente inofensivo e massificado quanto a Broadway.


Krapp, Hurt, Harvey



A experiência de ver John Hurt fazendo Krapp's Last Tape (papel que foi dele desde a monumental série Beckett On Film) começa pelo Harvey Theater, esse templo - com o perdão do clichê. Não é possível entrar ali e não ser muito feliz.

(Afinal, jamais esqueceremos de Cate Blanchett por lá.)

Hurt carrega essa aura de um ator vocal - da estirpe inglesa onde cada palavra precisa se encaixar em sua pronúncia perfeita para só então merecer ser proferida. Beckett decidiu escrever Krapp ao ouvir no rádio o ator irlandês Patrick Magee, de modo que a enunciação, como a peça não deixa dúvida, pode ser a chave do baú. Assim, Hurt seria talvez um dos atores imbatíveis para o papel.

Sim. E não. Vir da memória recente do Krapp de Bob Wilson e também do de Sergio Britto coloca luzes (e sombras) na apreciação.

Hurt e Michael Colgan, o diretor, limpam tudo - há a mesa, a cadeira, o gravador, os rolos e as bananas (Bob Wilson não suportaria um palco tão grande tão vazio). Em seus primeiros minutos mudos, Hurt estabelece uma presença física forte, mas ao mesmo tempo, por assim dizer, flutuante. Seu Krapp está lá, mas é como se não estivesse exatamente lá.

Wilson não é ator para levar Krapp - e por isso não o fazia, relegando a responsabilidade à sua sempre elaborada mise en scène. De toda forma, em sua encenação o personagem era quase robotizado, um boneco dele mesmo - Wilson, mas também de Beckett. Britto aterrava Krapp de forma terrivelmente bela. Hurt faz Krapp quase não ser.

Sua voz ao gravador (e nas poucas palavras ditas so vivo) é imbatível. Mas seu Krapp ressente-se da ausência de uma força trágica. E esse blog, sabemos, prefere quando o horror da condição humana pesa um pouco a mais.


28.11.11

cumprindo a agenda

Não se entende muito bem por que a versão paulista de Cabaret simplesmente abate do roteiro os números So What e It Couldn't Please Me More, tão vitais para aterrar uma parte importante da trama. As versões das canções (assim como as de todos os musicais encenados no Brasil) deveriam ser feitas pelas pessoas que fazem (ou faziam) as versões dos musicais animados da Disney. Ademais, esse Cabaret tem suas qualidades no exato nível de exigência do público que garante "101% de ocupação" ao Teatro Procópio Ferreira - e o que mais um entretenimento pode querer, não é mesmo?


A Bela e a Fera e Alladin, em revisão, seguem sendo bons pra cacete.


Os Altruístas tem o MC que Cabaret não tem: Kiko Mascarenhas. Que explode em histrionismo mas o calca em dores tenebrosas, num controle impressionante de registro e sentimento. Merece indicações a prêmios e troféus.


Um Coração Fraco e como Dostoiévski sabe mesmo das coisas...


Tratando de Fazer Uma Obra Que Mude o Mundo (O Delírio Final dos Últimos Românticos) é quase tão boa quanto seu título, tropeçando de leve numa certa redundância de efeito, em seu último terço. Mas comprova um interessante fenômeno do teatro chileno em praticar dramaturgias de impactante 'realismo fantástico', por assim dizer, olhando para os aspectos políticos da vida (e abra-se o leque de compreensão desse termo, 'político'). Que já estava tão presente em Diciembre, do Teatro En El Blanco, e em Villa + Discurso, da Cia Playa. Faz pensar que, aqui, quem produz algo que se assemelhe é Grace Passô, à frente do Grupo Espanca!.


Querido Gus, tenho que te dizer: Inquietos não me pegou. Será que sou eu?
(mas posso elaborar esse pensamento mais tarde...)

5.11.11

corra, é novembro!



E nossa equipe de articulistas-ninja preparou a lista do que você ainda pode fazer antes de se preocupar com as compras de Natal.


  • 05 de NOVEMBRO

Se você também já viu os Strokes em 2005, no saudoso Tim Festival, e também vendeu seu ingresso para o Festival Planeta Terra, só há uma coisa a fazer: conhecer o teatro do Sesc Bom Retiro com a peça Credores, em curtíssima temporada. Se a animação for grande, na sequência pesque Fausto, na repescagem da Mostra. No Cinesesc.

  • 06 de NOVEMBRO
John Malkovich está na cidade. É dia de prestigiá-lo na salutar mistura de concerto e teatro que promete ser The Infernal Comedy. No Theatro Municipal.

  • 07 de NOVEMBRO
A estreia de A Pele Que Habito foi adiada, mas agora o novo filme de Almodovar está em cartaz. Não é possível esperar mais um só dia para vê-lo.

  • 08 de NOVEMBRO


Leve seus ouvidos para passear e tire a tarde para ouvir o novo disco de Marisa Monte, O Que Você Quer Saber de Verdade. Delicie-se especialmente com o esmero e a beleza pop-romântico-dramática de Depois, Amar Alguém, Aquela Velha Canção e Era Óbvio.

  • 09 de NOVEMBRO
Dê uma chance para o teatro no meio da semana com As Cegas. No Viga Espaço Cênico.

  • 10 de NOVEMBRO
Almoce no novo restaurante Figurati (aberto há menos de um mês) e prove os nhoques, ou o penne com abobrinha, camarão, aspargos e curry.

  • 11 de NOVEMBRO
Mergulhe no cinema brasileiro: entenda que caminhos percorreu Nando Olival desde Domésticas - O Filme, no novo Os 3; confira a atuação premiada de Maria Luisa Mendonça em Amanhã Nunca Mais, estreia em longa-metragem de Tadeu Jungle; ou arrisque-se no cult (e elogiadíssimo) O Céu Sobre os Ombros, de Sérgio Borges.

  • 12 de NOVEMBRO

No mesmo ano em que pudemos ver a montagem de Daniel Veronese, Espia a Una Mujer Que Se Mata, aproveite para perceber quantas faces há numa obra prima da dramaturgia. Vá ao Sesc Vila Mariana para hipnotizar-se com a iluminação onírica de Pedro Pederneiras, com o cenário belo e engenhosíssimo de Márcio Medina e para ver, afinal, de que forma a encenação estetizante e de grande requinte plástico de Yara de Novaes encampa os atores do tradicional Grupo Galpão, no clássico russo Tio Vânia (aos que vierem depois de nós).

  • 13 de NOVEMBRO
Arranje a companhia de uma criança e leve-a ao espetáculo infantil O Menino Que Vendia Palavras. No Teatro do Shopping Frei Caneca.

  • 14 de NOVEMBRO
Cate Blanchett, a grande, também fez Tio Vânia em 2011, na Austrália. Como não estivemos por lá, aproveitemos a segunda-feira de feriado para apreciá-la em Hanna, thriller de Joe Wright lançado diretamente em dvd no Brasil.

  • 15 de NOVEMBRO
É feriado. Vá à livraria e compre Conversas Com Scorcese, de Richard Schickel, que a Mostra Internacional de Cinema acaba de lançar em parceria com a Cosac & Naify.

  • 16 de NOVEMBRO

Misturar é preciso: então reveja Tio Vânia registrado no já clássico filme de Louis Malle, Tio Vânia Em Nova Yorque (Vanya On 42nd Street, no original, porque é mais provável que só se encontre pra download), e também Moscou, em que Eduardo Coutinho documenta o Grupo Galpão ensaiando As Três Irmãs, do mesmo Anton Tcheckhov.

  • 17 de NOVEMBRO
John Kander e Fred Ebb fizeram um trabalho assombroso, memorável e de delícias infindas ao compor, nos anos 60, as canções do musical Cabaret. De dedos cruzados, tome o rumo do Teatro Procópio Ferreira para conferir o quanto sobrevive da inteligência, do wit e da arrepiante sensualidade original nas versões em português de Miguel Falabella. E também para inevitavelmente comparar Claudia Raia a Judi Dench, Liza Minelli e Natasha Richardson, algumas das maiores que cederam corpo e voz a Sally Bowles antes dela.

  • 18 de NOVEMBRO

BRITNEY. SPEARS. EM. SÃO. PAULO.

  • 19 de NOVEMBRO
A distribuidora promete para essa semana o lançamento nos cinemas de O Garoto da Bicicleta, dos irmãos Dardenne. Para depois da ressaca.

  • 20 de NOVEMBRO
Se você ainda não viu a controversa peça Hipóteses Sobre o Amor e a Verdade, do controverso grupo Os Satyros, pode estar chegando sua última chance. No Teatro dos Satyros.

  • 21 de NOVEMBRO

Depois de gravar CD e DVD ao vivo em três apresentações esgotadas no Auditório Ibirapuera, em junho, o coletivo 5 A Seco faz um show de pré-lançamento no monumental Teatro Bradesco. E se você não os conhece, esperamos sinceramente que você já esteja com seu ingresso em mãos.

  • 22 de NOVEMBRO
O nome do show é Bethânia Canta Chico Buarque. Precisa dizer mais? (Ah, sim: é apresentação única.) No Via Funchal.

  • 23 de NOVEMBRO
Relaxe e tome um chopp no meio da semana. Antes, visite a Bienal de Arquitetura, nesta edição abrigada na Oca. (Para o chopp, recomendamos o Bar Balcão.)

  • 24 de NOVEMBRO
O festival bienal de teatro iberoamericano Mirada, promovido pelo Sesc, faz itinerância de algumas peças em seu ano de recesso. Do Chile, neste mês, chegam quatro de uma vez. A primeira é Loros Negros, cuja sinopse é tão instigante quanto confusa. A checar. No Sesc Belenzinho.

  • 25 de NOVEMBRO
Depois de anos afastada dos palcos, Mariana Ximenes está em cartaz, acompanhada por um time de peso, em Os Altruístas. E sendo uma sexta-feira, você sai do teatro no coração da movimentada e caótica região conhecida como Baixo Augusta - o que pode ser o céu ou o inferno, a depender de sua personalidade e disposição. No teatro Augusta.


  • 26 de NOVEMBRO

Trata-se do último final de semana (e talvez a última chance em sua vida de espectador) de ver Fernanda Montenegro no palco. O texto de Viver Sem Tempos Mortos é muito bom, mas é capaz que você nem preste atenção nele, tamanho o poder encantatório da simples e estrondosa presença da atriz em cena.

  • 27 de NOVEMBRO
Mais um espetáculo Mirada, este já valendo pelo título: Tratatando de Fazer uma Obra que Mude o Mundo. No Sesc Belenzinho.

  • 28 de NOVEMBRO
Marcos de Andrade, um ator fenomenal, deve valer sua ida ao Sesc Consolação, em plena segunda-feira, em horário ingrato, para assistir à décima edição do projeto Prêt-À-Porter.

  • 29 de NOVEMBRO

Você ainda tem energia? Inquietos, de Gus Van Sant, e Isto Não É Um Filme, de Jafar Panahi, se cumprirem o calendário previsto, serão as estreias cinematográficas da semana. Vá a ambos.

  • 30 de NOVEMBRO
Termine o mês vendo mais uma (a terceira) peça com legendas: A Amante Fascista, inspirada em obra do perturbador Thomas Bernhard. Mirada, de novo. No Sesc Belenzinho.



(Agora, já pode ir lá tirar o nome do amigo secreto.)


4.11.11

uma música de Roberto Carlos, composta por Marisa Monte (e Carlinhos Brown)



diários da Mostra, dia final: enough is enough


MUNDO INVISÍVEL
* *
Ou, do porquê de quase sempre filmes serem melhores vindos de dentro e não sob encomenda (ou porque não pedir - mesmo que gentilmente - para que seus convidados façam um filme).

diários da Mostra, dia 11: espetáculos assombrosos


HISTÓRIAS DA INSÔNIA

Ou, um filme ótimo para dormir.



TUDO PELO PODER
* * * *
Um filme de Clint Eastwood dirigido por George Clooney. Ou, como não amar George Clooney, olhando para a moral e pensando a política (não só a das urnas, mas a dos indivíduos), exercendo pleno domínio narrativo na construção de um thriller psicológico eletrizante, escalando um elenco de coadjuvantes brilhantes (incluindo a si mesmo), filmando belos planos, mantendo sua tradição de estupendas cenas finais e, para completar, dando licença para outro ator brilhar no protagonismo?



CAVERNA DOS SONHOS ESQUECIDOS
* * * * 1/2
Um mergulho profundo - e de ressonâncias insondáveis - de Werner Herzog para dentro da História e da ancestralidade de nós mesmos. Um convite a um hipnótico estado de contemplação da condição humana, disfarçado de passeio frugal de parque de diversões. Ou, em palavras de Cássio Starling Carlos (mais uma vez): "Face à evaporação da distância entre o arcaico e o futurista, emerge a questão essencial: o que deixamos de ser e o que ainda somos? Dentro da 'Caverna dos Sonhos Esquecidos' o diretor volta as origens de seu cinema e da humanidade com um espetáculo assombroso."

diários da Mostra, dia 10: a comédia romântica do ano e o cinema francês, de novo

SUBMARINO
* * * 1/2
Inglês, indie, esperto, jovem (seja lá o que isso significa), confortável e transitório, com o ritmo preciso e a melancolia saborosa de uma balada de Alex Turner - cujas composições temperam a trilha sonora e estabelecem (e sintetizam) as dores e delícias desse pequeno filme.



AS NEVES DO KILIMANJARO
* * * *
É preciso estar com o coração aberto, não há dúvida. Os cínicos invariavelmente se irritarão com
personagens tão benevolentes, lúcidos, humanistas - iluministas, quase, para ficar num ponto de chegada de uma tradição da civilização francesa tão latente no filme. Socialistas de espírito, pessoas capazes de contrariar impulsos primários de vingança e egoísmo para olhar para o bem comum, para construir uma sociedade igualitária e justa. Pode-se acusar Robert Guédiguian de duas ou três inserções canhestras de trilha sonora, mas nunca de não dar a personagens tão arriscados uma verossimilhanca tão plena. Por um lado, através de um roteiro bem urdido, que justifica seus desdobramentos ao mesmo tempo que os questiona, trazendo a lógica iluminista da reflexão racional para dentro de sua própria engrenagem. E por outro, ou principalmente, pelo nível do irretocável elenco, Ariane Ascaride e Jean-Pierre Darroussin à frente, arquitetando um casal protagonista de redentora honestidade emocional.

(Ou, em exatas palavras do crítico Cássio Starling Carlos, na Ilustrada:
"Em seu compromisso de construir ficções de assumido conteúdo moral, Guédiguian não recusa o prazer narrativo (...) e consegue ser pedagógico sem perturbar a fluência dos pequenos dramas. 'As Neves do Kilimanjaro' impõe-se por como faz vibrar um material banal e, assim, mantém viva a tradição realista que fertiliza o cinema francês.")



SHOCKING BLUE
*
Não deu para chegar ao fim. Era desencontrado e tolo demais para ser verdade.



LAS ACACIAS
* * *
Fenômeno argentino, arrebatando prêmios, elogios e louros por onde passa, impressiona, é certo, por sua extrema contenção (ou seria economia? ou concisão?). Trabalha-se com o mínimo: dois atores, um caminhão, um bebê (e que importância tem esse bebê!) e pouco mais. É curioso observar que assim como Ano Bissexto, vencedor do prêmio Caméra D'Or em Cannes em 2010, tal qual Las Acacias foi esse ano, temos um número rarefeito de personagens habitando um espaço de extrema constrição. E de suas solidões individuais, espremidas em locações tão restritas, um mínimo de ação dramática transborda significados e faz surgir, quase sem que se perceba, um filme - somos levados por quase nada e só ao olhar pra trás percebemos a real extensão percorrida. Está é sem dúvida uma obra de esmerada engenharia, dificílima de alcançar com tal eficiência. Mas convenhamos que nem por isso é um feito inédito ou especialmente potente. As plateias cult, no entanto, que gostam de se sentir cultivadas e gostam de saber que aderiram (ou seria "entenderam"?) adequadamente à proposta e experienciaram 80 minutos de caudalosa humanidade (como uma catarata que emanasse de um copo de plástico), adoram. Como vaticinou a amiga Tatiana Fujimori ao final da sessão, com uma ironia tão fina quanto precisa, é a comédia romântica do ano!



SE NÃO NÓS, QUEM?
*
As vinhetas documentais, que o diretor Andres Veiel traz de suas passagens pelo gênero (como o excelente Viciados Em Atuar), é o melhor que se consegue. Porque o resto é chato, chato, chato. (E só piora sob a perspectiva de que, com o mesmo enfoque de acompanhar vidas transformadas por acontecimentos políticos históricos, ou inteiramente movidas na direção de combatê-los ou fazê-los acontecer, há um ano houve Carlos, aquela obra prima.)

diários da Mostra, dia 9: Kazan, Kazan (ou A Vingança de Joshua Marston)

THE FORGIVENESS OF BLOOD
* * * *
Joshua Marston não entregava totalmente, mas prometia bastante em Maria Cheia de Graça, seu longa de estreia. De lá para cá, ele não se rendeu ao cinema comercial americano e, melhor, adensou sua investigação humanitária e marginal (no sentido de olhar para os que estão à margem). The Forgiveness of Blood é um filme muito simples: direto, aristotélico, com construção exemplar sobre conflitos e pontos de virada. Personagens fortes e vividos com impressionante garra e intensidade por atores adolescentes albaneses não profissionais, segundo consta, debatem-se contra forças que estão ancestralmente plantadas em sua trajetória. Numa luta física de sangue que amplifica ambiguidades e descaminhos internos, perdão, fuga e lealdade liquidificam-se nas contradições do estar no mundo (ou, antes, na Albânia, em um estado de excessão que desnorteia fronteiras entre excessão e regra). E o pensamento cinematográfico de Marston, por onde e para onde olha, aquilo que põe em quadro e de que maneira desenvolve cenas, é surpreendente e alentador. Na poeira da maratona da Mostra, é obra que tenderia a não bater com tanta força, mas é preciso reconhecer (e as sensações ecoantes nos dias seguintes a ela reafirmam) que se trata de um filmaço - já que, afinal, muitas vezes o mais difícil é mesmo só contar uma história.


SAUNA ON MOON
* *
Em toda Mostra existe uma cota de "filme turístico", aquele que não se entende muito bem, ou com o qual não se estabelece real envolvimento, mas que dá conta de uma realidade outra, distante, atípica aos padrões nossos. E ao qual, portanto, se assiste sem prejuízo. E do qual, muito provavelmente, um dia, em Mostras futuras, uma cena ou um momento virá à mente de forma vívida - talvez até envolto em aura solar, como uma memória afetuosa.


TERRA DE UM SONHO DISTANTE
* * * * 1/2
Não vamos mentir: o filme é longo e não deu para não tirar um cochilo. Mas o que se dá a ver é realmente monumental, e não só em metragem. Em uma jornada de herói exasperante e bem recheada como um bom melodrama sem ser um melodrama, Kazan sintetiza o 'sonho Americano' (em sua forma literal de imigração, mas também de um certo ideal de prosperidade e de triunfo-vencendo-as-intempéries tão típicos à ética social dos Estados Unidos). A trama percorre extensas e complexas paisagens humanas e o senso narrativo da direção cinematográfica, em todos os âmbitos, é pleno e vigoroso. Há cenas de longos e magistrais diálogos, que resumem com precisão a condição social da vida de um homem hoje tanto quanto deveriam fazer em 1963, seu ano de estreia. No calor daquele momento de então, as palavras da crítica do New York Times dão uma ideia do feito desse enorme filme: "uma pequena odisséia que carrega as conotações de um rico poema épico-lírico".

3.11.11

diários da Mostra, dia 8: o cinema alemão

PARADA EM PLENO CURSO
* * 1/2
Asséptico, gelado, clínico. Eis um filme que só mesmo os alemães poderiam dar ao mundo. É a ilustração detalhada de um relatório médico de um paciente terminal. Cada angústia, dor e suplício é mostrado. Acompanha-se um definhamento progressivo. Existe, sem dúvida, uma respeitável competência em se fazer um filme com tamanha crueza, assim como há um ator protagonista morrendo admiravelmente. Mas não há subjetividade - por que eu quero que esse personagem não morra? (Não sei, não quero, não tem.) Tudo é na base do retrato objetivo. E o drama que emana daí, que não é pequeno, sustenta-se somente nessa verossimilhança processual absoluta, nesse naturalismo de hospital. (O que pensam e sentem esses seres humanos?) De verdade, esse blog já não busca (e não se move com) esse tipo de relação com os filmes que vê.

28.10.11

diários da Mostra - dia 7: mestres em crise



FRANGO COM AMEIXAS
* *
Feito na medida para agradar ao espectador de gosto médio (e como agradou!), não vai além de sua proposta caprichada de design de produção, temperando com belas animações os cenários, figurinos e plano de câmera bastante estilizados (ou pretensamente). Não é nem o fato de se tratar de um sub Amélie Poulain o que mais incomoda, mas a tentativa constante e forçada de ser, como aquele, engraçadinho, espirituoso e/ou fofo, sem haver uma trama decente na qual se sustentar. Há somente um amontoado de digressões, com um narrador onisciente regularmente ilustrado por gags visuais óbvias e semi bobocas. Para aliviar, tem Mathieu Amalric, Maria de Medeiros, Isabella Rossellini, Chiara Mastroiani, todos em relação muito, como dizer, sensual com a câmera. Mas o gosto é de uma indigestão de glicose.


IRMÃS JAMAIS
* *
Quem entrou com a lembrança de Vincere, tomou a maior invertida de expectativa possível. E quem entrou só com a disposição de ver um filme, deparou-se com uma obra estranhamente auto-indulgente, que faz lembrar o Carmel de Amos Gitai, na Mostra de 2009: na vontade de fazer arte a partir de sua própria história, a aparente cegueira que se impõe ao diretor em relação aos aspectos formais da arte em questão impede que o projeto se concretize. Está longe de ser o caso de decretar a derrocada de Marco Bellocchio - estamos mais em um claro momento de tomada de liberdade, de uma espécie de permissividade da subjetivação. O que fica, no entanto, é uma espécie de colagem que definitivamente faz mais sentido e é mais caro ao coração de quem fez do que ao de quem assiste.


AS CANÇÕES
* * *
Existe aqui um interessante impasse na obra de Eduardo Coutinho. São os procedimentos de Edifício Master - pessoas contando uma história de suas vidas; no caso, relacionadas a alguma canção - com a ambientação de Jogo de Cena. Mas as várias histórias não constituem parte de um todo maior, em termos de conceito, discurso e investigação (tanto humana quanto de linguagem). Tampouco existe uma inquietação em relação a forma e ao mecanismo (tanto humano quanto de linguagem), como aqueles disparados em Jogo de Cena e adensados com Moscou. Aqui, estamos em um lugar de muito conforto, para público e cineasta. É, sim, um bom filme, com seus momentos de plena beleza, mas com uma ideia que tangencia a redundância (dentro de si mesma e no contexto geral da filmografia do artista). E não somos nós que vamos jogar pedras na repetição ou no idioleto de Eduardo Coutinho como um mal por si. Mas sua excelência e sua constante busca como realizador talvez tenha nos acostumado a esperar mais do que As Canções apresenta.


OSLO, 31 DE AGOSTO
* * * 1/2
Agora, assim, minutos depois de vê-lo, permanece o desagrado com uma noção de fatalismo com a qual, muito pessoalmente, o signatário não tem se conectado. Ao mesmo tempo, o pensamento formal que rege o filme caminha em um percurso de admirável competência, comprimindo sua ação dramática com concisão e conferindo-lhe respeitável estatura, além de criar algumas excelentes e memoráveis cenas. Quase não é o caso, agora, de classificá-lo (com estrelas, ao menos), porque paira a sensação de que, tal qual uma massa com fermento, está fadado a crescer.

diários da Mostra - dia 6: a beleza da precisão

RESPIRAR
* * * *
Tudo funciona com a precisão de um relógio finamente artesanal - trata-se, como não, de um cinema que vem da Áustria. O roteiro é exemplar, o esmero e inteligência da decupagem são impressionantes, os tempos são exatos, o ator protagonista é excelente e, para falar dos termos 'técnicos', há uma ideia dominante clara (mas não óbvia), alcançada de forma progressiva e estimulante, e escaldada por um sistema de imagens tão forte quanto sutil. E o melhor: filme a filme, Respirar só cresce como uma experiência de realização milimétrica e de sensações calorosas.


ÓCIO
*
É tão, mas tão insignificante, que é como se não tivesse sido visto.


ELENA
* * *
São muitos os exemplos de filmes cujos finais tomam caminhos bruscos, radicalmente contraditórios ao discurso ético e estético que se erguera até então. Em alguns casos, tais desvios podem passar como deslizes que não apagam a excelência do que fora empreendido até ali. Polissia, visto recentemente no Festival do Rio, é um bom exemplo disso. Em outros casos, no entanto, por alterarem significativamente a rota do discurso, estes epílogos colocam em questão o entendimento e a qualidade (no sentido das características específicas) da narrativa que ali desemboca. Elena, exemplar desta segunda vertente, não passa incólume a seu solavanco: os aspectos morais da história, que vinham sendo tensionados com desnorteante ambivalência, caem por terra em uma fissura inexplicável de ponto de vista e foco narrativo , que descortina um moralismo (ou, no mínimo, uma simplificação moral) imperdoável - e que implode o filme, não permitindo que ele seja realmente grande.

27.10.11

diários da Mostra - dia 5: a surpresa que (sempre) vem da França


LOVERBOY
* *
Tem política, tem aspectos morais, tem um roteiro que não faz feio, mas é mais simples do que isso: Loverboy é muito chato.


GOSTO DE OLHAR AS MENINAS
* * * *
É quase uma certeza: a França sempre nos dará bons presentes. Em Mostras passadas, para ficar em exemplo imediatos, houve Segunda-Feira de Manhã, Mudança de Endereço ou A Família Wolberg, puxados assim sem maiores referências ou expectativas de dentro do turbilhão da programação. Aqui, de novo, este Gosto de Olhar as Meninas vem provar que podemos contar com os franceses. Uma crônica da adolescência passada nos anos 80, mas com ares de atemporalidade, que deixa a dimensão íntima e subjetiva ser penetrada (e retroalimentada) pela política da vida - coletiva, familiar e pessoal. Que não se pense em sisudez, no entanto. A colisão de forças sociais é só um justo pano de fundo para mais uma sensível história de amadurecimento que se safa brilhantemente de ser só 'mais uma'. Pelo roteiro afiado, sempre sugerindo e desviando do lugar comum, farto em surpresas e finos pontos de observação que resultam em deliciosas cenas e tiradas cômicas. Pela honestidade da história e por sua condução sensível e inteligente (em desenvoltura dramática tanto quanto em aspectos estéticos, por exemplo), que possibilitam um fluxo dramatúrgico tomado pela relação de afeto entre espectador e obra. E por um protagonista inefavelmente carismático.


TAXI DRIVER
* * * * *
Re-visto em meio à maratona, ainda que em projeção digital de péssimos resultados, o que mais impressiona não é nem o controle absoluto que Martin Scorcese e Robert De Niro possuem, cada um de sua função. É a forma como a perturbação, o incômodo e o mal estar vão penetrando discreta e epidermicamente no espectador, cena a cena, tirando progressivamente o mundo do lugar, maculando-o com manchas irreversíveis. O que, no fim das contas, é justamente um atestado do controle e da grandeza do trabalho de Scorcese e De Niro - e de todos os demais colaboradores do filme, sejamos justos (ah, e Jodie Foster, já um pequeno assombro aos 13 anos...).

diários da Mostra - dia 4: Miranda July e o tempo como um contorcionista

PROJETO NIM
* * *
Apesar dessa tendência (será que se pode chamar assim?) dos documentários norteamericanos de espetacularizarem o real (será que se pode chamar assim?) até o ponto de ficcionalizá-lo, trata-se de uma narrativa sem dúvida efetiva. Não existe a articulação, a dubiedade e a força de um Na Captura dos Friedman, por exemplo, mas os fatos da história impõe-se (por serem simplesmente muito interessantes) e os artifícios todos, embora às vezes esbarrem no intolerável, quase sempre manipulam com propriedade - e sem querer disfarçar que estão efetivamente manipulado.


OS GIGANTES
* * *
Soa como um daqueles filmes do qual, anos daqui, uma determinada cena ou um flash indefinido virá a cabeça, lembrado com algum afeto. Porque logra, sem dúvida, em carregar o espectador para uma jornada que tem suas belezas (e seus três protagonistas palpáveis e carismáticos), mas que não exatamente alcança um ponto. Isso, como sabemos, não é bom ou ruim por si, mas sobra uma sensação de que a experiência, afinal, embora agradável, não tenha sido tão recompensadora assim.


EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS

Existe um sentimento muito poderoso que percorre as imagens, as personagens e o jogo de tensões deste novo filme de Beto Brant. Tanto quando existe um sentimento de desconjunto em sua constante tentativa de elevar o drama a um aspecto místico. E existe Camila Pitanga, pairando mesmo soberana sobre tudo. Mas, de dentro do furacão, é difícil dizer um 'gostei',
'não gostei' ou dar estrelas. O sentimento predominante, por hora, é não saber o que predomina.


O FUTURO
* * * *
Nos seis anos que separam O Futuro de Eu, Você e Todos Nós, Miranda July cresceu. Mas não se engane quem ache que ela deixou de lado a 'esquisitice-encantadora' ou a 'fofura-do-inusitado'. Afinal de contas, cavalos sempre terão cheiro de cavalos. Mas da garota de quase 30 que transformava em ilusão poética as pequenezas de seu cotidiano, enquanto idealizava o príncipe encantado em uma loja de sapatos, ela passou para a mulher com medo dos 40 que ficou com seu princípe e se pergunta "e agora?". Aqui, a esquisitice não busca mais ser o desvio de comportamento alentador, nem resulta em pequenas belezinhas da vida ordinária - ela é só esquisitice mesmo. E em assumir essa 'falha', no sentido mesmo da ruptura, e em ousar na tentativa de ainda ser cativante sem medo do repúdio é que July ganha e cresce como artista. Da criança que controla o tempo fazendo-o avançar no final de Eu, Você para o hipster que o congela em O Futuro, Miranda July coloca em questão o ato de dar o passo seguinte: na vida, no amor, no cinema. O lugar em que pousa será sempre comportará discórdia, e nada mais natural para um filme com traços tão fortes de personalidade.

24.10.11

diários da Mostra - dia 3: Anatólia, Hollywood

Era Uma Vez Na Anatólia
* * * * (e 1/2?)
Pra começo de conversa, a cópia estava mesmo em 35mm - salve os deuses do cinema! No mais, experiência árdua essa do filme de Nuri Bilge Ceylan. Mas com que força e precisão e rigor. Perto dele, Hanezu e Um Mundo Desconhecido parecem exercícios de relaxamento, filmes meio hippies em sua sensação de 'deixar-fluir'. O curioso é que ao mesmo tempo que Ceylan controla milimetricamente cada plano e cada segundo de sua narrativa intensamente dilatada, o objeto da (na) imagem é de um realismo brutal, como se só 'capturado', sem encenação. Pior (melhor): brutalmente cotidiano e prosaico sobre um pano de fundo permanentemente incômodo e fúnebre. Hipnótico, com uma admirável concentração de tempo/espaço, com personagens finamente nuançados (ao modo da melhor dramaturgia) e uma trama rarefeita em ação e pontos de virada, mas que vai se expandindo e aprofundando como uma poça de sangue que brotasse lentamente de uma fissura no assoalho, inundando tudo o que a vista alcança sem que se quase perceba. E as imagens, poderosas, devem permanecer e ecoar por algum - ou muito - tempo.


SINDICATO DE LADRÕES
* * * *
É um libelo político, um estudo de Kazan - dizem - sobre sua própria culpa, ou uma maneira de defender-se (e contra argumentar) da culpa que nele depositavam. Seja como for, é um filme de estruturas aparentes: pode-se ver com clareza a colocação das peças no tabuleiro e o desígnio da função de cada uma delas. Os personagens são construídos, em vez de se construírem, e não tarda a instalação de um maniqueísmo reinante entre eles. É um jogo político, esse, que impede uma adesão completa não tanto por ser 'esquemático', já que há forças conflitantes o suficiente para que a trama não se afogue em águas rasas, mas só por demonstrar tão evidente esquema (sem elementos suficientes para inebriar o espectador da percepção desse esquema, o que viria a fazer, logo em seguida, Vidas Amargas). Mas se sua posição de clássico não lhe assegura necessariamente uma coroa de obra-prima, tampouco é de se negar que exista, em seu jogo de forças (políticas) um jogo (dramático) muito bem jogado, cenas memoráveis (de quantos filmes se pode dizer isso, realmente?) e Marlon Brando, um trator.


VIDAS AMARGAS
* * * * *
A supremacia do espetáculo. Esse modus operandi tão próprio ao cinema norteamericano nos anos de glória do sistema dos estúdios, com cidades e interiores cenográficos, grandes estrelas, dramas novelescos digeríveis pelas massas, alguns deles de cunho familiar, alguns deles suficientemente complexos, alguns deles emocionalmente épicos, alguns deles brilhantes. Não é que seja a beleza desconcertante de James Dean ou sua composição perfeita de um 'subnormal', do maluquete apaixonante que, renegado, no fim das contas enxerga tudo mais e melhor do que os demais. Não é que seja o roteiro astuciosamente azeitado. Nem a direção de Elia Kazan, que injeta no todo uma escaldante humanidade, sem que jamais deixe de ser dramaturgia. Não é que seja o pensamento visual, responsável pelos belos ângulos enviesados e oblíquos, num diálogo estético tão óbvio quanto surpreendente entre imagem e drama. Mas é que é tudo isso, essa alquimia fascinante e inexplicável que seduz plateias e as envolve e preenche de modo tão essencial - ao ponto de se querer aplaudir ao fim da projeção por simples impulso físico.

23.10.11

diários da Mostra - dia 2: depender da gentileza de estranhos

HANEZU
* * * 1/2
Como em Um Mundo Misterioso, aqui o olhar não pode ter pressa. Se lá habitávamos o movimentado espaço de um ser urbanóide, aqui somos transportados para uma cidade rural japonesa, supostamente berço do país, para testemunhar o fluir da vida de corpos bem mais, digamos, espiritualizados. Mas, de novo, o convite é para que habitemos uma espacialidade e um modo de vida muito próprios (transmitido, pelas imagens, com o mesmo grau de detalhamento e especificidade). E embora esbarre num espiritualismo que, por excesso, às vezes ensaia ser só boboca (ou 'para turista'), na maior parte do tempo Naomi Kawase erege uma fábula delicada sobre a relação do homem com os aspectos naturais que o cercam (ou podem cercar) na esfera mais imediata da existência e sobre essa Natureza verticalizando-se em linha sucessória - avós, pais, filhos, vida em transformação e continuidade. Seu olhar para microprocessos cotidianos (tingir um pano, esculpir em madeira, cozinhar etc) constrasta e potencializa os sentidos que percorrem sutilmente o filme, cujos personagens vivem dramas silenciosos e/ou subexpostos.


UMA RUA CHAMADA PECADO
* * * *
Revê-lo, ainda que em cópia mais ou menos, é puro prazer. De Hanezu para cá, o pulo é gigantesco: aqui o drama explode. Muito deleite na beleza do texto de Tennessee Williams, em seu sentido mais literal mesmo (das palavras que são ditas), na direção inteligente de Elia Kazan, articulando os personagens no espaço, e no magnetismo indelével de Marlon Brando. Mas eis aqui um drama - complexo, pesado e paradigmático - que sobrevive melhor no teatro, sua origem.


LARANJA MECÂNICA
* * * * *
Apesar da cópia estar anunciada errada (supostamente em 35mm, trata-se de uma projeção digital), a experiência coletiva e em tela grande do filme sobrepõe-se. E mesmo tendo a sensação de que não está entre meus Kubricks preferidos, tudo o que ele empreende ali - com a presença hipnótica, avassaladora e indomavelmente desabusada de Malcoml McDowell - é de uma outra ordem, de estatura monumental. E ponto.

diários da Mostra - dia 1: clamores


THE DAY HE ARRIVES

Anunciada como em 35mm, a projeção era digital. E com uma compressão porca. Sem chance.


O DESAPARECIMENTO DO GATO
*
Embora se assista sem prejuízo, tem um resultado desencontrado demais para um filme com prentensões tão obviamente 'claras' e 'tradicionais'. Entre a parábola e o drama, fica-se só com o estapafúrdio - e não do tipo certo.


UM MUNDO MISTERIOSO
* * * 1/2
A julgar por El Custodio, seu longa anterior, Rodrigo Moreno tem um projeto. Aqui, como lá, ele continua fazendo uso de um foco narrativo radicalmente observacional, com planos de câmera e momentos dramáticos bastante ralentados, mas nunca desinteressantes. Trata-se, antes de tudo, do estabelecimento de um microcosmo. No longa de estreia, acompanhávamos o cotidiano cheio de tempos/ espaços mortos de um guarda costas. Aqui, adentramos um outro tipo de limbo: o de um homem abandonado pela namorada. E se definitivamente não é um filme para olhares apressados ou para quem espera por uma história ao modo 'clássico', não deixa de ser uma instigante jornada junto a um protagonista que busca curar uma ferida de modos pateticamente triviais - e até por isso semi grandiosos. Vivendo junto a ele dias onde parece que quase nada se sucede, percorremos caminhos inusitados e cheios de acontecimentos banais e definitivos.


CLAMOR DO SEXO
* * * * *
A cópia está tinindo. E o que mais salta aos olhos nessa enorme obra feita em 1961, mas passada entre 1928-29, não é só o delicioso gosto anacrônico do realismo de um filme de cinquenta anos atrás que fazia a crônica de um tempo trinta anos atrás dele. Há o humor e o amor, mas há uma delirante angústia, que só potencializa a força do resultado como um 'retrato social', na desnorteante persistência de seu assunto: as castrações individuais como prática corrente no comportamento humano. Ou, antes, o ato de ter e criar filhos como o exercício último e maior da tirania.

21.10.11

Mostra Internacional de Cinema de SP - um guia (irresponsável e possível) dia a dia


(Este texto é uma projeção elocubrativa. Para o efetivo diário dia a dia, com impressões, bobagens, estrelas e tudo o mais que o valha, mantenham-se sintonizados.)



  • 21/10
Não pode haver forma melhor de começar do que com O Dia Em Que Ele Chegar, do sulcoreano Hong Sangsoo. Porque embora eu vergonhosamente nunca tenha assistido a um filme seu, trata-se de um nome 'quente' (na lista de amigos tanto quanto na da imprensa estrangeira e dos grandes festivais internacionais). Em seguida, dois argentinos: O Desaparecimento do Gato, porque Carlos Sorin já nos deu alguns prazeres com seus filmes anteriores, e Um Mundo Misterioso, para quem, como eu, adorou O Guardião, o anterior de Rodrigo Moreno. Para fechar o dia, Clamor do Sexo, porque com a retrospectiva Elia Kazan basicamente não vai ter erro.

  • 22/10
Hanezu, porque mesmo eu tendo dormido em A Floresta dos Lamentos, Naomi Kawase é queridinha do Festival de Cannes. Uma Rua Chamada Pecado, por motivos que passam muito além (e acima e abaixo e por dentro) dessas linhas. E Laranja Mecânica, pelos exatos mesmos motivos (e porque, se você ainda não percebeu, o que vai reinar nessa Mostra são os clássicos em cópias restauradas- e em 35mm, deus seja louvado!!!)

  • 23/10
Era Uma Vez na Anatólia, porque Nuri Bilge Ceylan levou o Grande Prêmio do Júri em Cannes - e Juliana Rojas, que esteve lá, nos garante que ficou maravilhada durante todas as 2:40h de projeção. Sindicato de Ladrões, porque dois dias seguidos de Marlon Brando não podem fazer mal. E Vidas Amargas, porque eis aí um filme que eu nunca vi (e porque James Dean não é má sobremesa para um banquete de Brando, enfim).

  • 24/10
É possível se arriscar em Fora de Satã, porque Bruno Dumont consegue encantar (ou enganar?) alguns. Ou em Inocência, porque o diretor tem algum currículo e porque é um filme tcheco. Mas talvez, dentro do risco, Os Gigantes seja o porto mais seguro: filme belga, "jovem", exibido na Quinzena dos Realizadores. Habemus Papam, de Nanni Moretti, se a cópia chegar (dizem que está perigando) é não só a escolha óbvia do dia mas uma das mais óbvias de toda a Mostra. E para ficar na mesma seara, O Garoto da Bicicleta e pronto (irmãos Dardenne, Grande Prêmio do Juri em Cannes, o pacote completo...).

  • 25/10
Como você não vai mesmo encarar as mais de 5h da cópia restaurada de 1900, vejamos... Além de ser do mesmo diretor do celebrado Como Eu Festejei o Fim do Mundo, Loverboy tem uma história convidativa - e é uma chance de ver para onde caminha a tal 'nova onda' do cinema romeno. Aqui, duas possibilidades de passos cegos: seguir o impulso de ver os tais filmes "jovens", com o francês Gosto de Olhar as Meninas, ou apostar no espanhol As Ondas, cujo crédito de maior destaque é ter vencido um prêmio de melhor filme no Festival de Moscou? Na sequência, mais dúvida: confiar no histórico do cinema português e entrar em O Que Há De Novo No Amor?, que além de "jovens", tem música, ou dar uma chance a Robert Guédiguian, que já fez filmes belos e filmes muito chatos, em As Neves do Kilimanjaro? O fim do dia, no entanto, é um tiro certeiro: Taxi Driver, em cópia nova.

  • 26/10
A Hollywood Reporter aponta Respirar como "uma das mais promissoras estreias vistas em Cannes". O Leopardo, em cópia restaurada, dura suas mais de 3h, mas trata-se do épico de Luchino Visconti (e que me desculpem os que querem ver os filmes moderninhos). E Caverna dos Sonhos Esquecidos, o documentário de Werner Herzog, vai ou não ser exibido em 3D, afinal?

  • 27/10
Quem, como eu, gostou de Persépolis, não tem porque não ver Frango Com Ameixas, dos mesmos diretores (ou talvez tenha: a cópia que se anuncia é em digital; aquele digital, pouquíssimo confiável). Ruído do Gelo vai pra lista unicamente por sua sinopse incomum: um homem que recebe a visita de seu câncer, encarnado como gente (e é um filme francês, o que sempre ajuda). Elena, além do prêmio do júri na seção Un Certain Regard, de Cannes, é do diretor de O Retorno, filme que entrou em cartaz por aqui (e causou boa impressão em alguns). Depois do Sul é um filme francês encaixado oportunamente, na mesma sala, entre o filme anterior o seguinte. E Transe experimentou uma passagem tão polêmica pela Mostra de 2006 que não tem como não saber o que Teresa Villaverde anda fazendo, em Cisne.

  • 28/10
Um dia com cinco indecisões: o 'infantil' Veneza, com uma ótima sinopse, o road movie Aqui, o documentário Histórias da Insônia (que, tentador, quase sai na frente dos demais), a animação Tatsumi e a premissa na mesma dose interessante e arriscada de Em Algum Lugar Esta Noite? E duas certezas: a releitura atualizada que Mathieu Amalric faz da peça A Ilusão Cômica (atualmente em cartaz em SP, sincronicamente) e Parada Em Pleno Curso, melhor filme na Un Certain Regard, Cannes.

  • 29/10
Se há um lugar para se estar nesse sábado é na sala 3 do Espaço Unibanco, com três filmes muito aguardados, um atrás do outro (coisa que tem sido rara na programação desse ano): a crônica de prisão do iraniano Jafar Panahi, Isto Não É Um Filme (por todas as circunstâncias que o cercam), o italiano Irmãs Jamais (porque quem não amou Vincere, do mesmo diretor, o mestre Marco Bellochio?) e o documentário As Canções (porque não há motivo - nem tempo a perder - para esperar um filme de Eduardo Coutinho estrear). No fim da noite, por motivos muito pessoais, o brasileiro Os 3, de Nando Olival.

  • 30/10
Será que não seria o caso de dar uma olhada em pelo menos um dos muitos filmes de Sergei Paradjanov que a Mostra está resgatando? Hoje, em horário oportuno, Flor Sobre a Pedra. Após, The Forgiveness of Blood, em que Joshua Marston (de Maria Cheia de Graça) vai à Albânia, poderia ser uma certeza. Mas as críticas e a sinopse do italiano Una Vita Tranquilla são positivas. E Vulcão é um filme dinamarquês passado na Islândia (não? só eu?). Ou talvez seja melhor só dormir a tarde toda porque Terra De Um Sonho Distante é um Elia Kazan épico, de 3 horas de duração. E o que o sucede, Um Rosto na Multidão, é um Elia Kazan que começa em horário tarde, bem tarde.

  • 31/10
Dois filmes "jovens" (e talvez leves), para aliviar o fôlego que a maratona, a essas alturas, já usurpou: o elogiado Submarino e o visualmente convidativo Shocking Blue (alô, Esmir, se você desse uma olhada no trailer será que ia sentir a mesma irmandade com Os Famosos e os Duendes da Morte que eu senti?). Para não perder a tradição, assistir ao vencedor da Caméra d'Or do ano: o argentino Las Acacias. E encerrar com o resgate de Despair, de Fassbinder (mas, dessa vez, em cópia anunciada como digital - leia-se: será que vale a pena?).

  • 01/02
Feriado - e faltando três dias para o fim. Mas, para esse signatário, pode ser que a coisa acabe mesmo por aqui. Então talvez Eu, Você, Os Outros, um musical francês, possa ser uma boa pedida (se não por outro motivo porque, veja só, esse nome remete a Miranda July - e o dia é mesmo dela). A Terra Ultrajada atrai pela sinopse (e pode ser que não caiba na agenda). O Futuro é o que é: Miranda July, finalmente, seis anos depois. E, para concluir (mesmo), Tudo Pelo Poder, dirigido por George Clooney, que já provou fazer isso muito, muito bem - além do que, escreva aí, ainda vai se falar muito desse filme quando chegarmos à temporada de prêmios.


  • PS:
Para quem fica, os dias 02 e 03 ainda tem muito a oferecer. Mas até mesmo por seu sentido memorialístico ora adquirido, Mundo Invisível, a obra final de Leon Cakoff, deve ser vista.


5.10.11

cinematográficas

  • 1
Zanin, no Estadão de segunda, colocou com coesão e pontualidade tudo o que eu gostaria de dizer sobre Trabalhar Cansa. A ver:

Esse mundo em que somos oprimidos e opressores

Crítica: Luiz Zanin Oricchio

03 de outubro de 2011 | 3h 06
O Estado de S.Paulo

Da síntese de linguagens entre o realismo crítico e o fantástico nasce Trabalhar Cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra. A dupla opera com duas trajetórias divergentes na história de um casal. Ele foi demitido. Ela começa a realizar o objetivo de ter o próprio negócio.

Ao pesadelo de Otávio (Marat Descartes) opõe-se o sonho de Helena (Helena Albergaria). Pelo menos até que ambos se percebam mergulhados no mesmo beco sem saída. O filme trata do progressivo embrutecimento da dupla. Ele, com o desespero de ter perdido o papel de provedor. Ela, com a alternância para a posição de patroa, desumanizando-se no tratamento a seus empregados. O mercadinho de que agora ela é proprietária transforma-se em metáfora dessa progressão. Há uma umidade que não para de crescer e o ambiente vai tomando um ar de fantasmagoria crescente. É o estranhamento do mundo.

Não se trata de estranhamento aleatório e sim de um comentário político agudo sobre o nosso tempo. As relações entre patrões e empregados são regidas por um autoritarismo que contamina a todos. E, se a sociedade é democrática e hierarquizada, as corporações funcionam segundo preceitos fascistas - como já havia notado o francês Nicolas Klotz em A Questão Humana. Trabalhar Cansa segue a mesma trilha. É uma estreia brilhante.



  • 2
Missão Madrinha de Casamento coloca Kristen Wiig no lugar que é dela: sucesso de bilheteria e de crítica. Porque existe em seu humor, como atriz, essa sutileza e controle admiráveis (e uma disposição maravilhosa de ir ao histrionismo e às mais diversas personificações, como já aprendemos em Saturday Night Live). Mas também porque, como roteirista, é capaz de entregar um filme que namora, sim, com o clichê, mas que também o subverte espertamente sempre que possível, plantando curvas inesperadas na história, dilatando sensacionalmente os tempos do riso, concedendo a cinco outras ótimas atrizes cinco outros ótimos papeis e, o principal, sendo histericamente engraçado com um humor adulto cheio de som, fúria, honestidade (e por que não, alguma escatologia), que não nega sua essência desregradamente juvenil.



  • 3
Fora a indicação ao Oscar que Vanessa Redgrave provavelmente receberá (lembremos que, antes dela, Cate Blanchett e Judy Dench já faturaram alto nessa seara, interpretando o mesmíssimo papel), fica a pergunta:

- SERÁ??



3.10.11

sorria, é outubro!




e para ninguém perder (quase) nada do que importa no mês tradicionalmente mais movimentado do ano, nossos repórteres organizaram esse guia dia-a-dia para você imprimir , colar no espelho do banheiro e seguir fervorosamente.


  • 03 DE OUTUBRO
Comece devagar, o mês será itenso. Reassista, em casa, Os Goonies, influenciado pelo ótimo e recente Super 8. Você vai se surpreender com o tanto que os filmes 'família' encaretaram nos últimos 25 anos.

  • 04 DE OUTUBRO
Caso você não tenha, como nós, um jantar mensal marcado com os seus primos, dê um presente a si mesmo e almoce no restaurante Epice, para conferir que o prêmio de Chef Revelação recebido por Alberto Landgraf é verdade do primeiro ao último segundo.

  • 05 DE OUTUBRO
Há muito tempo que o Momix deixou de ser uma companhia de dança inovadora e passou a ser entretenimento para as massas (sem deixar de ser, no entanto, visualmente deslumbrante). Mas como não há nada de desmerecedor nisso, por que não ir ao Teatro Alfa conferir Botanica?




  • 06 DE OUTUBRO
Se você sobreviveu à fila dos ingressos - ou teve um amigo generoso que fez isso por você - é chegada a hora de se mesmerizar com Os Náufragos da Louca Esperança, segunda visita do mítico Theatre Du Soleil a essas terras. Promete estar entre os pontos altos do ano - ou quiça de toda uma carreira como espectador. Sesc Belenzinho.


  • 07 DE OUTUBRO
Se você não vai ao Rio de Janeiro naufragar no Festival do Rio ou checar o último final de semana de Maria Luisa Mendonça fazendo Brecht sob direção de Aderbal Freire-Filho, em Na Selva das Cidades, então vá só ao cinema para não perder o belíssimo Além da Estrada - que infelizmente pode sair de cartaz a qualquer momento.

  • 08 DE OUTUBRO
Depois de quase dois anos pronta, a adaptação cinematográfica do romance Capitães de Areia, de Jorge Amado, finalmente chega às telas. Mas o que você definitivamente não pode perder nesse final de semana é mesmo o filme Trabalhar Cansa.

  • 09 DE OUTUBRO
É possível que nenhuma outra montagem brasileira te proporcione uma experiência intelectual e estética, nesse semestre, tal qual aquela a que Oxigênio convida o público. Desarme-se e frua, porque isso é teatro contemporâneo pulsante e recompensador. Sesc Consolação.


  • 10 DE OUTUBRO
Segunda-feira, nada mais propício do que recompor-se do fim de semana com o tresloucamento de Isabelle Huppert em Copacabana. Nos cinemas.

  • 11 DE OUTUBRO
Dia de conferir o que David Mamet pode fazer por nós, em uma elogiada montagem de sua peça O Bosque, de 1979. No CCBB.

  • 12 DE OUTUBRO
Dia das Crianças, matinê de O Menino e os Sortilégios, 'fantasia lírica' de Ravel, no Municipal. Se mantiver-se no padrão de qualidade das óperas que temos visto na casa, é programa certeiro.

  • 13 DE OUTUBRO
Quem ouvia a canção Made Up Love Song #43 lá pelos idos de 2006 certamente vai estar firme, forte e levemente emocionado na chopperia do Sesc Pompeia para testemunhar a tardia visita da banda Guillemots à cidade.

  • 14 DE OUTUBRO
Faça a segunda das três necessárias visitas que outubro requer aos confins do Teatro Alfa para ver a companhia Akram Khan dançar Vertical Road.



  • 15 DE OUTUBRO
Em uma premissa que pode dar água na boca tanto quanto causar imediata fuga, arrisque-se a voltar ao CCBB para assistir a A Ilusão Cômica, reimaginação da peça em versos escrita por Pierre Corneille em 1635.

  • 16 DE OUTUBRO
Entre uma enxurrada de estreias, todos os olhos estarão inevitavelmente voltados para o novo Almodóvar, A Pele que Habito. Mas dê uma chance a L'Apollonide - Os Amores da Casa de Tolerância - afinal, Bertrand Bonello já mostrou em ocasiões anteriores que merece nossa atenção e respeito.

  • 17 DE OUTUBRO
Se você não conhece o restaurante Sotero, não há motivos para adiar mais.


  • 18 DE OUTUBRO
Angústia, um espetáculo-concerto-filme-peça do pianista Vitor Araújo, parece ser algo tão fora dos padrões que merece uma chance (e todos os seus sentidos). Na Sala Crisantempo.

  • 19 DE OUTUBRO
A dois dias do início da Mostra, tire a tarde para penetrar (literalmente) o mundo sensorial e hipnotizante de Olafur Eliasson, com obras espalhadas por três endereços da cidade. Nos Sescs Belenzinho e Pinheiros e na Pinacoteca.


  • 20 DE OUTUBRO
Como você vai passar os próximos 14 dias em salas de cinema, veja Serpente Verde, Sabor Maçã, antes que não dê tempo. No Espaço Parlapatões.

  • 21 DE OUTUBRO
De hoje até o dia 04 de novembro, sua vida vão ser só filmes, porque é a hora da Mostra Internacional de Cinema de SP. Por mais que brilhe no guia de programação aquilo que importou nos grandes festivais europeus em 2011, atente para o fato de que as verdadeiras preciosidades talvez sejam a retrospectiva de Elia Kazan e as cópias restauradas de Taxi Driver, Laranja Mecânica e O Leopardo (com eles, é quase como se não fosse necessário ver nenhum outro filme por muitos meses).

  • 22 DE OUTUBRO
Não existe qualquer chance de você não estar na Mostra, mas caso isso aconteça, vale saber que terá estreado o premiado documentário Rock Brasília.

  • 23 DE OUTUBRO
Mostra. Será que o número de filmes que você viu já terá chegado aos dois dígitos?

  • 24 DE OUTUBRO
Mostra. Quantos cafés você já terá tomado entre uma sessão e outra?

  • 25 DE OUTUBRO
Mostra. Quantos amigos você já terá cruzado pelos corredores?

  • 26 DE OUTUBRO
Mostra. Com quantos já terá compartilhado sessões?

  • 27 DE OUTUBRO
Mostra. A quantos filmes realmente bons você já terá assistido?

  • 28 DE OUTUBRO
Se você já desistiu de bater cabeça em filmes-cabeça, estreiam Inquietos, de Gus Van Sant, O Palhaço, de Selton Mello, e Contágio, de Steven Soderbergh. Péssimo timing para os três, mas quem sabe não há aí um bom motivo para escapar de um filme exótico em projeção digital descuidada?

  • 29 DE OUTUBRO
Hoje, no entanto, a fuga é inevitável. A companhia Sasha Waltz & Guests dança Travelogue I -Twenty to Eight, coreografia que a destacou para o mundo, em 1993. Terceira das três idas ao Teatro Alfa.



  • 30 DE OUTUBRO
O mês vai chegando ao final, mas a Mostra não. Será que já surgiu um filme muito bom que nunca estreará, como foi Ano Bissexto em 2010? Ou um programa capaz de justificar a existência do cinema, como Mistérios de Lisboa? Torçamos para que sim.

  • 31 DE OUTUBRO
Talvez não seja uma questão dos filmes, mas você só não aguente mais ficar sentado. Então estique as pernas pela Bienal e entre na polêmica da arte contemporânea na exposição Em Nome dos Artistas. Uma vaca partida ao meio e conservada em formol só pode ser um ótimo desfecho para um mês desses.